segunda-feira, 26 de maio de 2014
SEM PALAVRAS
O Woody Allen escreveu (cito de memória): “Fiz um curso de leitura dinâmica e li ‘Guerra e paz’ em duas horas; sei que tem algo a ver com a Rússia”. A brincadeira dele, escrita num tempo em que não havia internet, ilustra bem o que tem havido desde que ela surgiu.
Tempos velozes não deveriam implicar leituras velozes. Ideias precisam ser ruminadas, digeridas; precisam de tempo para serem absorvidas pelo organismo. Um organismo sem ideias é um corpo sem inteligência.
Sem leitura e sem concentração, tratando ideias como se elas fossem uma roupa que está em voga numa estação, as pessoas não estão interessadas em se formarem, em se informarem. Em tempos apressados, as palavras são banidas. O banimento das palavras conduz à barbárie.
O Orwell, no distópico “1984”, mostrou o que a manipulação da palavra pode causar. Palavras abastecem o pensamento. É claro que uma pessoa que não se abasteça se torna marionete de quem queira disseminar um pensamento. A palavra é também ferramenta de poder.
Reflexo facilmente visível do descompromisso com as pessoas quanto à leitura e às palavras são os comentários postados em “sites” e em redes sociais. Incapazes de elaborar uma frase compreensiva, optam por comentários inoportunos. Às vezes, é pior: optam por publicarem ódios e preconceitos.
Quando confrontados, esses indivíduos erguem o bordão da democracia e da liberdade de expressão. Esquecem-se de que a liberdade de expressão não anula a responsabilidade que uma pessoa tem pelo que diz ou pelo que publica na internet. Não raro, assumem a atitude covarde de publicar ofensas no anonimato.
Somos uma espécie que pode ser burilada. Parte da construção do que somos passa pela convivência com as palavras, seja de que modo for. Sem elas, a falta de tato, que se revela em gestos do cotidiano, desemboca na internet. Sem o mínimo de senso, comentários inconvenientes ou criminosos são publicados, postagens desinformadas são compartilhadas.
Inventando pretexto para a falta, pelo menos, de capricho com o que escrevem, muitos alegam que a linguagem coloquial é a apropriada para o mundo da internet. Só que a linguagem coloquial pode também atender a um discurso que seja legível. Coloquialidade é uma coisa; não conseguir escrever sequer uma frase com sentido, seja formal ou informalmente, é outra.
A falta de polidez também está na internet. Certa vez, numa palestra a que assisti, o orador disse que a gente percebe se o sujeito tem ética pelo modo como ele abre uma porta. Basta uma frase de alguns internautas para que percebamos o tipo de pessoa que a postou.
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