domingo, 19 de junho de 2016

O lugar

Em devaneio, 
criei para nós um lugar. 
Não havia espaço
entre os corpos.

Não era um 
lugar geográfico definido.
Havia tu e eu.
Teu corpo é o lugar. 

O ataque ao vendedor de bananas

Em postagem anterior, já fiz referência à falta de capacidade de expressão de parte dos internautas. Incapazes de articular um discurso que tenha civilidade, partem para onomatopeias e memes que, em tese, deveriam substituir as palavras que não são capazes de produzir. No mais das vezes, esses memes e essas onomatopeias reforçam a falta de criatividade e a incapacidade de linguagem articulada e polida.

É claro que cada um posta o que quiser nas contas que mantém em redes sociais. Só que há quem, não satisfeito em exibir sua incapacidade em seus perfis, vai até o perfil do outro, não somente com a inabilidade de se expressar com gentileza, mas também com a intenção de agredir, muitas vezes só pelo outro ter emitido uma opinião discordante da do agressor.

Na falta de tato para o diálogo, parte-se para o ataque pessoal, ainda que esse ataque esteja disfarçado de falsas gentilezas ou de falsas brincadeiras. Desse modo, expressões como “você até que é inteligente” precedem os ataques, como se tais expressões, em si, já não fossem um ataque. Desse “você até que é inteligente”, pode-se deduzir “você não é muito inteligente” ou “minha inteligência é superior à sua, a ponto de eu perceber que você não é muito inteligente”. O emissor se coloca num nível de perspicácia mais elevado do que aquele que “até é inteligente”.

Numa típica construção que tem por objetivo atacar, não argumentar, uma típica frase poderia ser: “Você até que é inteligente, mas não sabe nada de política. Continua vendendo banana na sua feira que dá mais certo”. É claro que, depois de um comentário assim, haverá o retumbante “kkkkkkkk”, talvez numa tentativa de revestir a grosseria com (canhestro) senso de humor, como se o comentário tivesse sido uma brincadeira.

O segmento “você até que é inteligente, mas não sabe nada de política” pode ser interpretado como “eu, sim, tenho capacidade e inteligência para falar de política”. O segmento “continua vendendo banana na sua feira que dá mais certo”, antes de tudo, reforça a suposta incapacidade de ideias por parte de quem vende bananas, como se houvesse algo de inferior nisso; o trecho sugere: aquele que vende bananas não está, pela natureza de seu trabalho, apto a emitir opiniões políticas.

A paráfrase do comentário poderia ficar assim: “Eu sou mais inteligente do que você; por isso, eu, sim, estou apto a opinar sobre política. Você não passa de um vendedor de bananas, e vendedores de banana, exatamente por serem vendedores de banana, já mostraram que não são muito inteligentes. Se fossem, não estariam vendendo bananas”.

Afirmações como “você até que é inteligente, mas não sabe nada de política. Continua vendendo banana na sua feira que dá mais certo” revelam o que é prática diária em redes sociais e em comentários que são deixados em sítios de notícia. O que há é o desejo de agredir. Não há a mínima tentativa de compreensão do outro. Sem ideias, o agressor mostra os dentes, num discurso onomatopaico, preconceituoso, arrogante e animalesco. 

"Chove lá fora"

Até hoje, não sei se chove mais em “Cem anos de solidão”, do García Márquez, ou em “Blade Runner”, do Ridley Scott. 

Enquanto isso, na plateia

Num mundo barulhento, perde-se a capacidade de fazer silêncio, de escutar. Num universo em que é cada vez mais fácil dizer, não importa o quê, não importa como, muitos emitem sons, poucos cultivam o silêncio ou a escuta.

No dia quinze de junho, no Teatro Municipal Leão de Formosa, conferi evento promovido pela escola Instituto Presbiteriano de Educação. Era uma apresentação com estudantes do nono ano e do ensino médio. O que me chamou a atenção foi exatamente a capacidade de escuta da plateia.

Não foram poucas as vezes nas quais estive em situações barulhentas quando deveria ter havido silêncio. Certa vez, em Belo Horizonte, em evento promovido por uma escola de lá, eu estava na plateia, com mais uns mil e quinhentos professores. No palco, uma bela e talentosa atriz realizava seu trabalho, atuando, cantando, dançando.

Num determinado momento da apresentação, ela para, encara o público: “Se vocês não fizerem silêncio, não há como eu entregar o texto pra vocês”. Por um lado, chamou minha atenção o uso do verbo “entregar”, que achei bonito na frase; por outro, considerei vexaminoso que se precisasse chamar a atenção de uma plateia composta basicamente por professores.

No dia quinze, no Teatro Municipal, constatei que ainda é possível haver a gentileza de se escutar a mensagem do outro. No caso específico de ontem, essa mensagem eram poemas que fizeram parte da apresentação realizada pelo Instituto Presbiteriano. Foi bonito conferir os alunos no palco, num dia em que a plateia também deu um show. 

Confluência

Estrada afora