Num estado democrático, prefiro participar de uma eleição a participar de um apoio a um golpe. Prefiro ficar em casa a participar de um evento regado a grosserias, preconceitos, histerias e palavrões. São reveladoras do que somos não somente as palavras que proferimos, mas também as que nos seduzem. Em última instância, proferimos as que nos seduziram. As fotos e os discursos das manifestações de quinze de março de 2015 deixam claro que tipos de palavras seduzem os manifestantes.
A direita, em sua maioria branca e de classe média, segue a cartilha ditada pelos grandes meios de comunicação do País, os quais preferem divulgar a ideia de que o Brasil passa pela maior corrupção que já houve. Produzindo sem interrupções um arremedo de jornalismo, donos de jornais, de rádios, de “sites” e de TVs instigaram a classe média, que exibiu em cartazes e em discursos a “fineza” de que é capaz.
Até o momento em que escrevo este texto, não há base legal alguma para o “impeachment” da presidente. Protestar contra a corrupção que há na Petrobras ou em qualquer outra esfera governamental e reclamar de elevação de preços é direito; pedir o “impeachment” ou mesmo um golpe militar é ingenuidade, má-fé ou preconceito contra o que o PT realizou.
As manifestações reiteraram o que a campanha eleitoral já havia deixado às claras: há uma classe média no Brasil que não está preocupada em entender o processo histórico que tem solapado pobres e negros. Essa classe média alega que está gritando contra a corrupção; ela está, na verdade, exibindo seus preconceitos. Há um lado bom: esse pessoal se desnudou. Eles mesmos estão propalando seu ranço e seu ódio. Não que essa ojeriza seja algo novo, mas agora é algo escancarado.
A maioria dos manifestantes de domingo não são paladinos do bem comum. O protesto deles não é a favor do Brasil, mas a favor da manutenção de um estado de coisas em que outros cheiros e outras gentes, considerados, por eles, menos sofisticados, menos refinados e menos merecedores de uma vida melhor, devem permanecer à parte. Para tal, é preciso banir o PT, que, a despeito dos erros, melhorou a vida de milhões de pobres.
Seria burrice minha negar a corrupção no Partido dos Trabalhadores. Contudo, dizer que o PT é o maior responsável pela corrupção no País é sinal de ingenuidade ou de desonestidade intelectual. Ademais, o PT, ainda no poder, é o mais parecido que há contra a política neoliberal. A despeito das mudanças por que passou e dos erros pelos quais é responsável, o partido realizou um projeto social que ficou longe da agenda do PSDB enquanto os tucanos estiveram no governo federal.
Previsões são um risco. Ainda mais num cenário político que está sujeito a flutuações globais. Ainda assim, arrisco dizer que a esquerda (nem algo que se pareça com ela) não ganhará as próximas eleições presidenciais no Brasil. Mas isso, é claro, não tira de mim o ideal, que é continuar acreditando numa vida melhor para aqueles que a classe média tem insistido em excluir ao longo das décadas.
Nesse sentido, o PT é transitório. Se politicamente ele morrer, isso não significa a morte dos ideais de seus fundadores nem daqueles que vieram antes deles. À parte isso, a vida me ensinou que não é preciso temer a classe dos pobres, bem como me ensinou que é preciso, sim, temer a mídia que temos e a sanha daqueles que estão em sintonia com o que ela defende. Temê-los, contudo, não significa silenciar-me.