segunda-feira, 15 de maio de 2017

"A chegada"


“A chegada” lida, dentre outras coisas, com uma fascinante questão linguística, que é a de que o idioma que falamos molda o modo como pensamos. Denis Villeneuve, o diretor, explora de modo brilhante, levando-a a máximas consequências, essa questão. O roteiro é de Eric Heisserer. O filme é baseado no conto “Story of your life” escrito por Ted Chiang.

Louise Banks (Amy Adams) é a linguista contratada pelo governo americano para verter para o inglês o que extraterrestres, dispersos em doze pontos da Terra, estariam dizendo com a linguagem deles. Ela conta com a ajuda do físico Ian Donnelly (Jeremy Renner). No filme de Villeneuve, Ian não tem sua mente afetada pelo modo como os extraterrestes lidam com a linguagem, por se deter ele sobre problemas relacionados à ciência que domina.

É Louise que tem sua mente radicalmente alterada a partir do momento em que vai se dando conta de como funciona a linguagem dos alienígenas. Nesse sentido, “A chegada” leva a possibilidades ilimitadas a ideia de que o idioma que falamos (ou a língua estrangeira que decidimos aprender) muda o modo como pensamos e como percebemos o tempo.

Todavia, o enredo do filme não está ligado à ideia de superpoderes. Nada disso. À medida que Louise vai decifrando como funciona a linguagem dos extraterrestres, vamos tendo contato com um drama profundamente humano por que ela passa, que é a morte da filha quando esta ainda é adolescente, tendo sido vítima de câncer.

“A chegada” é um filme de ficção científica que tem a sensibilidade de compreender dramas e dores em essência humanos, de entender que as escolhas que fazemos atendem a ditames atemporais que podemos não saber explicar, que são poderosos demais, mas que, talvez, exatamente por isso, ou seja, por serem atemporais e poderosos demais, entregamo-nos a escolhas que em nenhum contexto deixaríamos de fazer. 

Cama

A cama faz sentido quando é dividida contigo. Se aqui estás, a cama é plena, una, nua. Ela se realiza ao comportar dois. Eu me realizo se nela estamos.

Somos dois na cama. Jorram o deleite, a carícia, a saudade. O gosto do amor está no corpo. Está no gozo. Está na pele. Está na umidade que anseia.

A cama sustenta. Nós levitamos: é a cama que nos leva, que nos eleva, que se eleva. O amor é sobre a cama, é sobre corpos. O amor é sobre nós, que nos sabemos sobre a cama.

Nosso amor mora onde estejamos. A cama é encontro de amor, de confissão, de corpo percorrido, conhecido, conhecendo-se.

A cama acolhe, chama, incendeia-se. Nós somos amor de fogo e de cama. Que não se faz somente nela. Mas que na cama precisa despertar. 

Irmandade

Estou relendo “A montanha mágica”, do Thomas Mann, e “A insustentável leveza do ser”, do Milan Kundera. Enquanto eu percorria Kundera, ocorreu-me pensar em Mann. Segundos depois, passo os olhos no seguinte trecho de “A insustentável leveza do ser”, na tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca: “De fato, contra o mundo de grosseria que a cercava, tinha uma só arma: os livros que tomava emprestados na biblioteca municipal; sobretudo os romances: lia-os em quantidade, de Fielding a Thomas Mann”. 

Texto em mãos

Eu te transformo em poesia 
porque tu me transformas em poesia.
Palavras para te regar,
para te deixarem molhada.
Florescida e florescendo,
tu estás em meus braços.
Renasço para te escrever.