quarta-feira, 26 de agosto de 2015

COMO SE DAR BEM

A maioria das pessoas quer se dar bem na vida. Dar-se bem na vida pode ter significados diferentes. Para um, seria morar em Fernando de Noronha; para outro, em Paris. Não importa onde se queira estar, as dicas abaixo são infalíveis para os que querem se dar bem no mundo corporativo, embora possam ser usadas em outros ambientes.

Os truques a seguir foram reunidos por uma equipe de profissionais que se deram bem nos locais em que trabalham. Todos eles ocupam hoje cargo de chefia nas empresas em que estão. Mesmo atarefados, reuniram-se e elaboraram o documento que se segue, dando provas da benevolência que têm. A enumeração adotada não diz respeito a hierarquia, mas a didatismo. Eis os macetes.

1. Elege um inimigo — qualquer um

A tática é ótima. Se quiseres jeito eficaz e rápido de chegar a teus objetivos, inventa um inimigo. A turba ficará tensa, não terá paz. Por causa disso, o populacho divulgará boatos, distorcerá fatos — inventando uma gravidade que não se confirma se confrontada com a realidade. Um ambiente instável é terra fértil para espertalhões. És ou não um espertalhão?

2. Tergiversa

Conta com a falta de memória das pessoas. Se, por acaso, alguém te interpelar, se, por acaso, alguém perceber algum deslize teu, cria tergiversações. Um blá-blá-blá qualquer, de preferência cheio do politicamente correto, tem eficácia. Vai a algum meio de comunicação e dá qualquer declaração. Jornais, revistas, sítios, emissoras de televisão e de rádio gostam dessas coisas.

3. Semeia, sem plausibilidade, o pânico

Eleger um inimigo e semear o pânico são coisas diferentes. Todavia, as duas estratégias, que correm paralelas, podem se tocar num ponto ou noutro. O pânico não precisa estar personificado, embora possa ser representado por um “inimigo”, por uma pessoa. Não estando numa pessoa, a criação do pânico pode estar numa ideia, num boato, numa mentira. A rigor, quanto mais etérea for a causa do pânico, melhor. Para dar credibilidade a teu embuste, contrata profissionais que darão aura de ciência a teus caprichos. De preferência, profissionais raivosos, rancorosos. Mas lembra-te também dos falsamente comedidos. Há uma parcela da população (embora seja minoria) que, mesmo sendo facilmente enganada, não quer saber de gritaria.

4. Fala alto

Quando se fala alto, confere-se autoridade ao que se fala. Autoridade falsa, enganosa. Estratégia que convence os tolos; por isso, convence a maioria. Fala alto, bate na mesa. Manha antiga, porém eficaz. O vozerio não tem capacidade para apreciar sutilezas, mas se impressiona com berros sem sentido.

5. Mente

Parece desnecessário elencar esse preceito. Mesmo assim, ei-lo. Sê teatral. Se tiveres dificuldade, procura um ator profissional; aprende com ele truques, macetes, poses, expressões, gestos. Capricha na fala, cuida da voz, investe em roupas. Não importa o que tu és; o que importa é a imagem que passas; o que importa é o que pareces ser. Mente descaradamente. Teu interesse está acima da verdade.

6. Nega evidências

Vez ou outra algum espertinho vai apontar tuas incongruências, vai desnudar aquilo que está óbvio, mas que não é percebido pela multidão. Se perceberes que as coisas podem se complicar, nega as evidências, nega o óbvio. Maquia tuas mentiras caso sejam flagradas. Faz isso sem medo. Lembra-te de que os incautos não têm inteligência para perceber a essência das coisas. Uma maquiagem caprichada esconderá deles qualquer evidência.

7. Tem preconceitos

São indispensáveis. Não se pode ter medo de ostentá-los. Quem deseja o poder não pode deixar de ter preconceitos. Não importa o alvo que escolheres. Não importa se mulheres, se homossexuais, se negros, se estrangeiros, se todos eles. Caso não tenhas preconceito, forja pelo menos um. Essa artimanha seduz os tolos; tu precisas da tolice.

8. Esquece a lógica

Se quiseres o poder com a essência do que és, esquece a lógica. Melhor dizendo: cria tua própria lógica, que não precisa estar em sintonia com a lógica verdadeira. Contradições, rompantes, mentiras, textos que se contradigam. Tudo é válido, tudo pode ser útil para ti, desde que embrulhado em papel de boa aparência.

9. Ignora o bom senso

Desconsidera o que tem solução fácil. O que importa é teu modo de fazer as coisas, o teu jeito de resolvê-las. Se alguém sugerir para ti uma solução mais prática, rápida e fácil, desconsidera. Quando for o caso, dá um tempo e depois implanta a solução sugerida por outrem como se ela fosse tua. Não deves obediência a nada, a não ser a tuas próprias vontades.

10. Bajula

Sem bajular, não chegarás ao poder. Bajula principalmente aqueles que tu queres derrubar. Lembra-te, contudo, de também bajular aqueles que não queres prejudicar. Esquece os que estão no baixo escalão. Bajula os grandes. Sê agradável com eles. Mente para eles. Diante deles, inventa para eles qualidades que não têm, faz de conta que tens interesse nas vidas deles, finge achar graça das piadas — comumente ridículas — que contam.

11. Age como se tivesses cultura

Colhe nas redes sociais algumas citações. Ninguém nunca leu uma linha, por exemplo, de Shakespeare. Pega uma frase tolinha qualquer e diz que é do escritor inglês. Ou do Einstein. Ou do Churchill. Ou do Pelé. Escolhe um nome conhecido; ou um desconhecido. De vez em quando, não importa se num contexto formal ou se no cafezinho da tarde, anuncia, em tom de suposta sabedoria, uma dessas frases, ligando-a a algum nome. Diz, por exemplo, “‘é preciso acreditar em si mesmo para se conquistar o que se quer, é preciso ter garra, é preciso ter perseverança, é preciso ter foco, é preciso passar por cima dos obstáculos, principalmente quando os obstáculos forem pessoas’, como bem nos ensina Wittgenstein”. Teus colegas de trabalho ficarão impressionados. Com duas ou três atuações dessas, adquirirás fama de culto.

12. Repete chavões (abrem mais do que portas)

Teu discurso não pode ser inovador. É preciso que capriches na dicção, é preciso que moldes a voz. Contudo, é necessário que tu te lembres de que esses cuidados não implicam um discurso original. Esquece os filósofos, esquece os sábios, esquece os pensadores, ignora os escritores, ignora leituras úteis; desconsidera tiradas inteligentes, passa ao largo de algo que lembre perspicácia, brilhantismo, originalidade. Repete lugares-comuns, colhe citações em sítios de autoajuda. Sê piegas, sê superficial. Teu alvo é a maioria. A maioria é ignara. A maioria não merece que tenhas escrúpulos.