domingo, 5 de fevereiro de 2012

PARA NILDA REGINA

Sempre tive o privilégio de ter tido, desde o primário, excelentes professores. Assim foi até a faculdade. Assim tem sido. Sempre tive fascínio por professores. A inteligência deles me espantava. O encantamento por eles não diminui.

Não digo que foi isso o que tenha me levado a ser um professor. Eu não pensava em lecionar. Foi algo que ocorreu em função das circunstâncias: aos onze anos, comecei a estudar numa escola de inglês. Quando a Doris Coury, a dona da escola, disse que eu ainda daria aulas para ela, não levei a sério (meu pai levou). Aos dezessete, comecei de fato a lecionar na escola.

Para quem até então havia trabalhado numa fábrica de farinha e numa padaria, a perspectiva de começar a dar aulas numa escola de inglês era animadora – em função do melhor salário. Também me animei porque eu teria de ir a Carmo do Paranaíba duas vezes por semana para lecionar. Eu não conhecia a cidade até então.

Joyce teria dito: “Nunca conheci um chato”. Digo que nunca fui a um lugar ruim. Em Carmo do Paranaíba, não foi diferente. Ademais, foi lá que comecei algo que eu desejava desde os treze ou quatorze anos: trabalhar numa estação de rádio. Graças ao Evandro Fontes, que na época era locutor em Carmo, comecei no rádio.

Trabalhar em rádio foi algo com que sonhei. Dar aulas foi algo que aconteceu sem que eu planejasse. Por um bom tempo, exerci as duas atividades. Hoje, apenas leciono, embora, para matar saudade do rádio, gravo mais ou menos semanalmente, o Caiu na Rede, programa musical que apresento em meu blogue.

Tive professores geniais. Uma das quais não me esqueço é a Nilda Regina, que lecionava português no Polivalente, onde estudei da quinta série ao quarto ano do segundo grau (curso técnico em Edificações). Nilda era famosa entre os alunos pela beleza, pelo porte, pela elegância e por ser a esposa do diretor, o Fernando. Não me lembro por quanto tempo ela foi minha professora, mas há duas aulas dela de que nunca me esqueci – sendo que numa delas eu não estava presente...

Acho que foi no primeiro ano do antigo segundo grau (hoje chamado de ensino médio). Não sei se era para um dever de casa da Nilda ou de uma outra pessoa. Do que me lembro, é de ter desenhado, numa cartolina, um triângulo. Dentro dele, esbocei o mapa do Brasil. O título que dei para a patuscada foi Triângulo das Bermudas. Para arrematar, escrevi um ingênuo poema em que eu dizia que se o Brasil estava ruim, a culpa não era de minha geração, mas das que tinham vindo anteriormente.

Tudo não passava de simploriedade e arroubo juvenil. No dia em que o cartaz foi exposto, não fui à aula (não me lembro do motivo da ausência). Posteriormente, o Aldo Fernandes, que na época era meu colega de sala, disse que a Nilda, depois de ler o que eu havia feito, comentou que a geração dela havia, sim, tentado fazer do Brasil um país melhor. Segundo o Aldo, ela chegou a mencionar a juventude dela durante o período militar. Essa é umas das aulas da Nilda de que nunca me esqueci.

A outra aula dela que nunca esqueço (nessa eu estava presente) foi uma em que, no começo do horário, a Nilda afixou no quadro dois cartazes: num deles havia pelo menos o trecho inicial de “Luz do sol”, do Caetano: “Luz do sol / Que a folha traga e traduz / Em verde novo / Em folha, em graça / Em vida, em força, em luz” (não me lembro se havia a letra toda no cartaz).

No outro, havia um esquema em que era mostrado o processo químico da fotossíntese; havia uma explicação de como essa ocorria, com setas que partiam do Sol até chegar à Terra, passando pelas plantas e por tudo o que compõe o ciclo da fotossíntese. A Nilda comentou algo do tipo: os dois cartazes eram dois discursos diferentes que abordavam o mesmo fenômeno.

Desde criança, eu sempre tivera deslumbramento pela versatilidade, por tudo o que é eclético. Depois de adulto, obviamente eu entenderia que, infelizmente, nossa época, tão inexoravelmente dada a especialidades, não nos permite exercer com igual dedicação o ecletismo que possamos ter, mas tal pensamento nunca me abandou. Mesmo hoje, a diversidade de afazeres me atrai.

A Nilda resumiu naqueles dois cartazes o que era meu pensamento, mesmo não sendo eu capaz de, na época, compreendê-lo com exatidão ou verbalizá-lo. Os dois cartazes que ela afixou no quadro eram a junção de arte e ciência, que eram (e, confesso, ainda são) o meu ideal. Enquanto ela ia falando, eu me maravilhava.