quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Sem ilusões

Fico imaginando a cara de Bolsonaro ao ver divulgada a carta em que ele diz ser democrata. Ou seja: até quando quer soar conciliador, ele mente, pois ele nunca foi nem é um democrata. Bolsonaro fraquejou para tentar salvar a pele. Disse que respeita as instituições e a constituição. Mentira. Ainda assim, uma mentira que mostra o quão acuado e enfraquecido está. O “mito” subscreve declaração em que diz respeitar o STF. Mentira. Os bolsonaristas têm um “deus” que assina algo contrário à sua essência, algo escrito por Michel Temer, sujeitinho tão desprezível quanto o antidemocrata e covarde (em qualquer acepção do termo) Bolsonaro.

Só que um vaidoso ególatra como Bolsonaro não vai engolir calado a vergonha que está sentindo por causa da divulgação da carta de hoje. É muita humilhação para quem vinha descumprindo a constituição há décadas; é muita humilhação para quem não tem o menor espírito estadista. Bolsonaro bem que queria entrar para a história como um dos grandes. Agora, além de entrar para ela como um genocida miliciano, nela estará como quem arrega. Caras como ele são meninões mimadinhos que, quando em aperto, fazem xixi nas calças e chamam a mamãezinha.

Contudo, não pode haver ilusão. Ele é um moleque fracote, mas está no poder, é perigoso e tem seguidores perigosos. Justamente por estar com o ego ferido, é questão de pouco tempo para que Bolsonaro volte a atacar a democracia. Pode ser que os novos ataques venham por intermédio de atos. Bolsonaro não vai engolir, sem nada fazer, as palavras que ratificou hoje. Ele não está em nenhuma linha do que diz o texto da carta. Ele não deixou de ser o tolo belicoso que sempre foi. Por causa da vaidade, não vai admitir que está ferido. Com a cabeça no travesseiro, sabe que está; com a cabeça no travesseiro, vai urdir os próximos ataques. 

Especialidade

Ainda quando estava em campanha presidencial, na mesma fala em que Bolsonaro havia dito “minha especialidade é matar” (o que, coisa rara, não era bravata), o agora mandatário, referindo-se naquela ocasião a Paulo Guedes, disse: “Ele tem que dar conta do recado. O quê que é dar conta do recado?: inflação baixa, dólar compatível, que não prejudique as exportações nem prejudique as importações (...), diminuir a carga tributária” (...). Hoje, sabe-se que Bolsonaro somente cumpriu a parte em que é especialista. 

"Eficácia"

O governo Bolsonaro deixou vencer a validade de estoque de medicamentos, vacinas e testes de diagnóstico. Essas perdas serão incineradas. O valor delas: duzentos e quarenta milhões de reais. Dentre o que vai ser descartado, há itens para pacientes com diabetes, hepatite C, câncer, Parkinson, Alzheimer e tuberculose. Também perderam-se frascos para aplicação de vacinas contra gripe, BCG, hepatite B e varicela. Seja com armas, seja não comprando vacinas contra covid, seja deixando produtos vencerem, o bolsonarismo é criativo ao matar. 

Robôs que aliciam

No filme Ex Machina, há um momento em que o personagem Nathan [Oscar Isaac] está explicando para Caleb [Domhnall Gleeson] que Ava, a máquina criada por aquele à semelhança de uma mulher, poderia ter sexo e prazer. No original, Nathan diz: “In between her legs, there’s an opening, with a concentration of sensors. You engage’em in the right way, creates, a pleasure response”.

Vi os créditos até o fim; não foi inserido o nome de quem traduziu as falas. De todo modo, na legenda, assim ficou: “Entre as pernas dela, há uma abertura com vários sensores. Se aliciar da forma certa, terá uma resposta de prazer”. Não sei se a pessoa que traduziu fez de modo deliberado, mas achei divertido ela ter usado o verbo “aliciar” — Alicia Vikander interpreta Ava.