segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

CAIU NA REDE (46)

Pessoas, está no ar a edição 46 do Caiu na Rede.

Espero que vocês gostem.

Valeu.

GENTE COMO A GENTE

Erich Auerbach, crítico literário, propôs em seu “Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental”, a ideia da criaturalidade corpórea para se referir a um procedimento shakespeariano. Essa ideia é simples: se por um lado Shakespeare seguia a tradição da tragédia clássica, por outro, talvez influenciado pela “farra” que era o teatro medieval, o dramaturgo fazia com que seus heróis trágicos passassem por situações vexatórias, engraçadas. Esses momentos fazem com que o herói trágico saia de seu “pedestal” e se torne um qualquer. A diferenciação entre o cômico e o sublime é banida.

Quando leio Tom Wolfe, lembro-me do conceito de Auerbach. Em tempo e local diferentes dos de Shakespeare, Wolfe humaniza ou ridiculariza a figura de quem se dá muita importância. O autor americano insere seus personagens em situações igualmente vexatórias. Em “A fogueira das vaidades”, por exemplo, o personagem ridicularizado ou humanizado é Sherman McCoy, financista da famigerada Wall Street.

McCoy se intitula “o Senhor do Universo”: não tem ainda quarenta anos, mora na cobiçada Avenida Parque, desfila de Mercedes com a amante e consegue ganhar alguns milhões de dólares com um “simples” telefonema. Mas já nas primeiras cenas em que aparece, McCoy é mostrado tão patético quanto todos nós.

APONTAMENTO 98

É preciso conhecer para amar, mesmo diante da impossibilidade de a gente conhecer totalmente uma pessoa.

Também é assim na literatura. Gosta-se de um personagem quando se conhece aquele personagem (ou pelo menos uma faceta significativa dele), quando se tem a impressão de que se convive ou de que se conviveu com ele, ainda que num texto curto. Uma das razões do sucesso de Hamlet como personagem está no fato de que o conhecemos muito bem.

Criar personagens não é fácil. É que conhecer é difícil; dar-se a conhecer é difícil. Obviamente, esse não é o único quesito para se criar uma boa história, um bom livro, mas desconheço histórias boas sem personagens bons.