quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

"VINTE E UM"

Recentemente, assisti novamente a “Quiz Show” (1994). A direção é de Robert Redford, também conhecido como ator. O filme é baseado num livro de Richard N. Goodwin (“Remembering America: a voice from the sixties”) e conta uma história real. O roteiro cinematográfico ficou por conta de Paul Attanasio.

No fim da década de cinquenta, a NBC, grande rede de televisão americana, apresentava o programa Twenty-one, assistido por cinquenta milhões de pessoas. Na atração, dois competidores tinham de responder a perguntas feitas pelo apresentador. O primeiro a completar vinte e um pontos era o vencedor e continuava no programa. Quanto mais continuasse, mais dinheiro faturaria.

Em “Quiz Show”, Dan Enright (David Paymer), um dos produtores do programa, exige de Herbie Stempel (John Turturro) que ele erre de propósito uma das perguntas. A exigência de Enright se devia à pressão feita por um magnata patrocinador do programa – curiosamente, interpretado pelo diretor Martin Scorsese.

A intenção da emissora ao admitir Herbie Stempel no programa era passar a idéia de que os EUA são mesmo o lugar em que todos têm vez. Stempel é espontâneo, falastrão e feio. Ainda com ele curtindo ser celebridade, os produtores do programa, pressionados, saem à caça de outro concorrente.

É quando têm a chance de colocar Charles Van Doren (Ralph Fiennes) no ar: os dentes feios e irregulares de Stempel seriam substituídos pelo bonitão e aristocrático dândi Richard Van Doren, descendente de família de intelectuais e literatos.

Stempel não se cala e procura amparo legal, denunciando que o programa era uma armação. O caso chama a atenção do jovem, idealista e inteligente advogado Richard Goodwin (Rob Morrow), que trabalha para um comitê do Congresso. Goodwin inicia a investigação até chegar a Stempel.

Vejo “Quiz Show” não somente como um incisivo retrato das tramóias e mentiras que assolam meios de comunicação em todos os lugares (o filme já merece ser assistido por isso). Mas ele vai além. Realiza com maestria o retrato da vaidade, principalmente por intermédio do personagem Charles Van Doren.

Nada mais... humano (na falta de adjetivo melhor) do que o comportamento de Van Doren. A despeito da vasta e sólida formação cultural, ele não resiste à bajulação que passa a receber. Torna-se o “queridinho” da mídia e de executivos calhordas. Se por um lado Van Doren se rendeu à velha vaidade, seus algozes não pensaram duas vezes em bani-lo. “O show tem de continuar”.

Na vida real, por longo período, Charles Van Doren guardou silêncio quanto ao ocorrido. Em 2008, publicou relato (em inglês) na revista The New Yorker sobre o que viveu naquela época. Acerca do filme, o intelectual diz ter se aborrecido com o epílogo, que declara que ele não mais lecionou. “Não parei de lecionar”, escreve ele (mas não na universidade em que lecionava antes do escândalo). Diz ainda ter gostado muito da atuação de John Turturro como Herbie Stempel.

Todos queriam levar vantagem. Charles Van Doren e Herbie Stempel se predispuseram a fazer o jogo dos magnatas. Stempel e Van Doren ficaram deslumbrados pelo dinheiro e pelos afagos nos egos. O texto de Van Doren na revista The New Yorker é direto, parece sincero e detalha os meandros pelos quais passou. Encarando o passado, reflete: “O homem que trapaceou em Twenty-one é ainda parte de mim”.