terça-feira, 8 de abril de 2014

DA TRUCULÊNCIA DOS MÉDICOS

Exercer a medicina é algo nobre. Contudo, parte dos médicos não têm se dado conta dessa nobreza, tamanhas a deselegância, a falta de educação e a truculência com que têm lidado com os pacientes. Digo isso baseando-me em experiências próprias e em conversas que tenho mantido com amigos e familiares. De uns tempos para cá, é difícil um dia em que não escuto alguém reclamar de algum médico.

A impressão com que fico é a de que quanto menor a cidade, mais broncos os médicos são (impressão que pode estar incorreta). É que tenho recebido notícias de amigos que têm sido bem tratados em grandes centros, seja em hospitais públicos, seja em particulares, mas pode ser que esses tratamentos gentis sejam exceção e coincidência. Nos lugares a que tenho ido, aqui em Patos de Minas, tenho sido, em regra, mal tratado.

Mas esse tratamento ríspido não é coisa que ocorre apenas em solo patense. Na semana passada, em Uberaba, um ortopedista só faltou me dar coices. Um outro médico que estava no recinto chegou a me olhar, encabulado. Como o clima na sala havia ficado pesado, o torpe ortopedista disse: “Me desculpa pela brincadeira”.

O pedido de desculpas poderia ter convencido se o médico tivesse feito uma brincadeira. Mas não foi brincadeira o que ele fez. Apoiando-me em muletas, eu disse que as estava usando por causa de tombo de moto. O médico disse: “Não precisa dizer isso; isso não é da minha conta. Se você usa muleta ou não, não tenho nada a ver com isso”. É claro que ele tem algo a ver com isso, pois eu estava lá para ser examinado por ele!

Aqui em Patos de Minas, há coisa de uns cinco meses, uma mulher, que me pede para ficar no anonimato, foi vítima da falta de tato de um médico famoso na cidade. Para piorar, o procedimento que ele realizaria estaria incorreto! A paciente tinha um cisto no lado direito do ovário; o médico insistia que era do lado esquerdo, mesmo a paciente dizendo que a dor estava do lado direito.

Desconfiada, pediu opinião de uma amiga dela, que é médica; esta assegurou que o cisto era do lado direito. Um médico assistente, que faria parte da cirurgia, também assegurou que o cisto estava do lado direito. Foi então que, diante da paciente, o médico que faria a cirurgia e o médico assistente discutiram. Chegaram a pedir licença para a paciente e se retiraram.

Voltaram minutos depois, tendo ficado decidido que o cisto estava mesmo do lado direito. Chegado o momento da cirurgia, mais discordâncias, devido a procedimentos a serem adotados. Houve um momento em que o médico assistente chegou a dizer para o cirurgião que este estava ainda na década de 30! 

O cisto foi eliminado, tendo ficado o cirurgião de ver a paciente às 9h30 do outro dia, dizendo que lhe daria alta. Contudo, mesmo tendo estado no hospital durante todo o dia, ele só visitou a paciente às 17h30! Como se nenhum atraso desrespeitoso tivesse ocorrido, o médico disse algumas palavras, liberou a paciente e foi embora. Em tempo: tratava-se de um atendimento particular, sem convênio algum. 

No dia em que caí de moto, fui atendido aqui em Patos de Minas por um médico que foi deselegante não somente comigo, mas também com sua auxiliar. Como meu pé estava ferido e havia sangue, achou-se por bem cortar a meia, em vez de se tirá-la normalmente. A assistente, contudo, não estava conseguindo manejar a tesoura própria para tais casos. 

Como a aprendiz se queixou da tesoura, entrou em cena a “sutileza” do médico: “A tesoura está boa; você é que é muito mole. Não consegue nem cortar uma meia, e quer ser médica”. Eu e a assistente ficamos muito sem jeito, enquanto o médico, seco e mal olhando para mim, preenchia formulários. Acabei eu mesmo tirando a meia.

Nem preciso dizer que não estou generalizando, dizendo que todos os médicos são sem educação. Claro que sei que não é assim. Tanto que uma semana depois de meu tombo, procurei outro profissional, pois meu pé não melhorava. Aí, sim, fui bem atendido. O profissional teve um tom cortês, fez perguntas (o outro nada perguntara) e trocou toda a medicação que me havia sido passada.

O que me leva a escrever este texto é o imenso número de pessoas que têm se queixado de estarem sendo tratadas de modo ríspido por médicos. É estranho. É como se eles se esquecessem de que estão lidando com gente. Procurar um médico é depositar esperança e confiança numa pessoa. Isso é muito sério! 

Não consigo achar uma razão que justifique a rispidez e a falta de tato da classe. Seria o desencanto com a profissão? Mas se for isso, o paciente não tem culpa. Seria o fato de terem sido alunos ruins? Mas isso não impede ninguém de ser gentil. Além do mais, suponho, os estudantes de medicina devem escutar o tempo todo, durante o curso, que um pouco de sensibilidade é bom, também, para a profissão.

Quem convive comigo sabe que sou adepto do pensamento de que a leitura não é solução para nada, mas ajuda a resolver um monte de coisas. Se esses trogloditas que achincalham pacientes se predispusessem a ler um cara como o médico Oliver Sacks, perceberiam, quem sabe, que o exercício da medicina é um trabalho elevado. Mas talvez eu esteja querendo muito: quem não quer saber nem de gente não vai querer saber de livros. 

DIGRESSÕES...

Ontem, lendo um ensaio do Jorge Luis Borges, eu me deparo com uma referência dele a Mark Van Doren, intelectual americano. Segundo Borges, Van Doren foi, em meados do século XX, um dos poucos a reconhecerem a diferença abismal entre o Walt Whitman cidadão e o Walt Whitman poeta. Escreve Borges sobre Whitman: “Passar do orbe paradisíaco de seus versos à insípida crônica de seus dias é uma transição melancólica”.

É a ideia, mencionada por Borges não somente no ensaio em que ele refere-se a Van Doren, de que é preciso separar o homem de sua obra. A vida do homem pode ser, para me valer do termo borgiano, insípida, sem que contudo sua obra o seja; ou o sujeito pode ser, por exemplo, um calhorda, e ainda assim produzir algo genial.

A rigor, não era disso que eu queria falar. Todavia, essa temática que envolve o homem e seu trabalho é por demais fascinante para mim; daí, acabei me deixando levar por digressões. Mesmo assim, minhas digressões são curtas; eu as resolvo em poucas frases. Não tenho talento para ser um Laurence Sterne.

Do que eu queria falar mesmo era de Charles Van Doren, filho de Mark Van Doren. Van Doren, o filho, é personagem de “Quiz Show — a verdade dos bastidores” [Quiz Show, 1994]. A direção é de Robert Redford. Ralph Fiennes interpreta Charles Van Doren. O filme tem por base o livro “Remembering America: A Voice from the Sixties”, escrito por Richard N. Goodwin.

Baseado em história real, “Quiz Show” conta com a participação de Charles Van Doren num programa de perguntas e respostas que fazia muito sucesso na TV americana no fim da década de 50. Van Doren torna-se celebridade na TV, é capa da Time, da Life. O sucesso de Van Doren faz com que a emissora o queira por mais tempo. Há então uma proposta: ele passaria a saber, de antemão, as respostas. Charles Van Doren topa; torna-se, assim, um engodo assistido por milhões.

A manipulação midiática surgiu junto com a própria mídia. Na fotografia, por exemplo, às vezes atribui-se, ingenuamente, a manipulação de imagens ao advento do Photoshop. Que nada! Digite aí no Google “Os trinta Valérios” e confira o que Valério Octaviano Rodrigues Vieira fez, ludicamente, em 1901! Manipulações são tão velhas quanto os meios em que estão presentes. Elas podem ser divertidas, podem ter caráter didático. Ou podem ser deletérias, como é o caso mostrado em “Quiz Show”.

No mais, releve as digressões. Geralmente, não as permito em texto meu, embora as admire em textos alheios. Mas neste aqui fui, para me valer de expressão antiga, “escrevendo ao sabor da pena”, ainda que digitando em velho computador. No fundo, acho que não sei escrever de modo digressivo; banindo digressões, mantenho a ilusão de que estou no controle absoluto do que escrevo.