sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

VOCÊ NÃO PASSA DE UMA VACA!


Desde 2004 tenho fotografado a natureza. Há alguns imprevistos, geralmente envolvendo a moto: já caí dela em estrada empoeirada, ela já furou o pneu estando eu longe da cidade, já derrapei em estrada ruim... Nada disso, entretanto, chega perto do aperto por que passei hoje.

Prestando atenção no ambiente, reparei que havia um casal de seriemas na beira da estrada. Como são ariscas, parei a moto lentamente. A seguir, tirei o capacete e segurei a câmera, que vai sempre pendurada no pescoço.

Às vezes, nem desço da moto para fotografar. Não foi o caso de há pouco: desci. Só que as seriemas, desconfiadas, já começaram a se afastar. Pensei comigo: “Vou perder a foto”. Para piorar, havia entre mim e elas uma vaca.

Agachei, na tentativa de fotografar pelo menos uma das seriemas por debaixo da vaca, por assim dizer. Só que o ângulo não permitia, devido ao mato, que tapava as seriemas. Fiz então um gesto com o braço, como se estivesse jogando algo na vaca. Ela não se moveu.

Peguei então uma pedra de tamanho razoável e fiz menção de jogá-la no animal, que dessa vez se moveu — em minha direção. Não foi um movimento brusco, mas ela deu um ou dois passos para onde eu estava e me encarou.

Comecei a não gostar da situação. Indo um pouco para a direita, consegui fotografar uma das seriemas. A vaca, encarando-me, moveu-se outra vez em minha direção, sempre sutil, sempre me encarando. Também a encarei.

Como esse impasse já estava durando o bastante para me incomodar, movendo-me com lentidão máxima, fui me aproximando da moto, que estava no meio da estrada. A vaca, mais uma vez, ameaçou se aproximar de mim. Estávamos a uns cinco metros um do outro.

A partir daí, qualquer movimento mínimo que eu fizesse era razão para que ela esboçasse partir de vez para me atacar. Tentando fingir uma calma que estava longe de ser verdadeira, continuei, imóvel, encarando o bicho, que me encarava de volta.

Assim ficamos por uns cinquenta segundos, suponho. Foi quando escutei barulho de motor. Olhando de canto de olho para a esquerda, vi que um outro motociclista de aproximava. Tentando não assustar a vaca, fiz gesto com o braço esquerdo para que ele parasse.

Devido ao lugar em que ele parou, fiquei entre ele e a vaca. Eu disse a ele que me esperasse até eu tentar montar na moto, dar a partida e arrancar. Pedi a ele que não desligasse a moto dele e que estivesse pronto para arrancar súbito se preciso.

Ele, um senhor, que parecia ter as manhas com essas ocasiões, disse que as vacas podem ser perigosas, principalmente se estiveram com bezerro. Só então é que me dei conta de que havia um bezerro por perto. Focado nas seriemas, eu não o tinha visto.

Pé por pé, fui me aproximando da moto, sem tirar o olho da mãe vaca. Montei. Não sei se é delírio, mas tive a impressão de que o bovino ameaçou outra vez me atacar. Com o coração acelerado, dei a partida. 

Segundos depois, diminuí a velocidade. Eu e o senhor gesticulamos um para o outro; ele seguiu viagem. No afã de me ver livre da situação, eu nem colocara o capacete. Parei a moto, coloquei o capacete e segui pela estrada. A foto desta postagem foi uma das que consegui. 

DE OLHO