terça-feira, 29 de abril de 2014

OS ANÉIS

No capítulo 22 do “Beowulf”, cuja data é imprecisa (considera-se que foi escrito entre os séculos oitavo e décimo), há a expressão “lord of rings”, usada como referência a um rei. Jamais li uma linha do J.R.R. Tolkien. Suponho, talvez incorretamente, que o título “The lord of the rings” tenha sido um empréstimo a partir do “Beowulf”. 

EVITE CÃIBRAS

O gesto de Daniel Alves é sofisticado, divertido, sarcástico, irônico, zombeteiro. Ao mesmo tempo, ele realizou uma das tarefas mais básicas do homem (ou do macaco) — alimentar-se. O que é o contexto: dependendo dele, algo tão trivial quanto comer uma banana pode deixar de ser... banal.

Fico me lembrando da cena e me perguntando o que ela ensina. O episódio é engraçado e incisivo. A graça, por si, não torna algo mais eficaz. Ainda assim, é a graça da cena que a torna mais densa. Tivesse Daniel Alves vociferado ou assumido a fúria de um símio desembestado, o ato não teria sido tão eloquente. Daniel Alves concebeu um gesto “simples” e de pura originalidade.

O lance é rápido, é solução momentânea. Há um quê de pilhéria numa resposta que é requintada demais. Se ao jogar a banana o sujeito quis dizer que Daniel Alves é um macaco, ao comê-la, o boleiro “admite” ser um macaco. Ao “assumir” que é um primata, o atleta acaba por colocar em cena um dos grandes poderes do homem, o de superar, com o apoio da galhofa e da inteligência, a estupidez que um ser humano é capaz de gerar.

Enquanto escrevo, sinto que o ato de Daniel Alves quer dizer bem mais do que o que expresso neste texto. Sinto que há um ensinamento óbvio, que todavia não consigo reter; apenas o intuo. Há algo me escapando por entre os dedos. Pode ser que essa suposta obviedade me surja depois de eu haver publicado este apontamento.

Não sou capaz de conceber uma resposta mais poderosa contra o preconceito de que o jogador foi vítima. Foi tudo tão rápido, tão vigoroso: logo depois de pegar a banana no gramado, saborear um pouco dela, dispensá-la e bater o escanteio, Daniel Alves materializou, em poucos segundos, que o espírito humano, às vezes, tem o dom de pairar acima da burrice.

A atitude do jogador não é solução para nada. Tivessem as pessoas, como um todo, a capacidade de se sensibilizar pelo exemplo e pelas ideias, o gesto de Daniel Alves teria consequências positivamente drásticas. Mas, no geral, houvesse essa capacidade, creio que uma banana não seria usada para indicar preconceito. Numa situação como aquela, eu ficaria chateado. Não sei como Daniel Alves se sentiu. Ainda bem que ele soube erguer a cabeça, marcando um inspirador e memorável golaço.