segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

JOÃO 8, 6

Ele escreveu sua história. 
Escreveu a minha.
Escreveu a carne entre os dentes
e as guerras e os corredores. 
Escreveu amores, ódios e tigres. 
Escreveu grãos de areia, vulcões, 
poemas, tratados e derrotas. 
Escreveu tucanos, estrelas e ratos. 
Escreveu ermos. 
Escreveu cidades. 
Escreveu silêncios, sexos.
Escreveu o Universo. 
Escreveu pais, mães e blusas de frio. 
Escreveu a neve, a chuva e os cabelos. 
Escreveu a rebeldia, as tempestades, as paredes, 
as árvores, as estradas e a noite.
Escreveu o sono, as canções. 
Escreveu unhas, sóis e judeus.
Escreveu o câncer, a chibatada, a fé, 
os alimentos e a fome.
Escreveu a chuva, o desejo, as camisas. 
Escreveu impérios, xingamentos, devoções, 
olhares, escadas, cavalos, 
poeira, formigas, mesas, pães, 
terremotos, dons, cadeados, cismas, 
vozes, números, receitas, sonos. 
Escreveu mares, pulgas, desertos. 
Escreveu trevas, dúvidas e vozes. 
Escreveu crianças, flertes e coceiras. 
Escreveu brisas, pestes, livros,
perfumes, esperanças, manhãs,
crucificações, aves, bebidas,
conceitos, alianças, circos,
pedras, Pedros, Borges, solidões,
travessias, congados, tamanduás,
alfabetos, torres, manás, dissabores.
Escreveu o que ninguém logrou escrever.

De repente, parou.
Releu o que escrevera. 
Revisou, considerou, ponderou. 
Arrematando o texto, 
reordenou os grãos. 
Onde antes havia palavras, 
há agora um novo código. 
Não foi ainda decifrado.