quinta-feira, 15 de março de 2018

Não voto

Em conversa que mantenho com amigos, tenho me deparado com aqueles que têm a opinião de que quando os debates políticos na corrida presidencial se iniciarem, Bolsonaro vai se “queimar”; alguns internautas têm manifestado pensamento similar em redes sociais. Os que afirmam isso levam em conta que o total despreparo e a ignorância dele são o que, por fim, farão com que os apoiadores dele de agora se deem conta no futuro do que já é patente — a... obtusidade (é um eufemismo) de Bolsonaro.

Muito infelizmente, temo que o “diagnóstico” dos amigos e de alguns em redes sociais não esteja correto. Ainda que Bolsonaro confirme, reconfirme e dê inúmeras provas do quanto é um bufão retrógrado e simplista, isso não vai afugentar os apoiadores dele. Acredito mesmo que quanto mais bobo e truculento ele for, não somente não vai perder os apoiadores que tem, como vai arregimentar outros.

Há os que defendem ditadura militar; os ingênuos que acreditam que Bolsonaro é paradigma de honestidade se exultam ao apoiá-lo; preconceituosos de todos os matizes veem nele o candidato ideal. Quanto mais bronco, anacronicamente conservador e beligerante Bolsonaro for, mais haverá exultação entre ingênuos, machistas, homofóbicos, armamentistas, misóginos, eugenistas, racistas, xenófobos, belicistas...

Até a data das eleições, vislumbro alguma muito remota possibilidade de mudança entre o grupo dos ingênuos; os demais, que, lamentavelmente, são muitos, estão com Bolsonaro não apesar das declarações toscas dele, mas por causa delas. Pode ser que os marqueteiros da campanha dele sugiram “burilar” ou “suavizar” a imagem pública dele. Mas abandonar pautas intolerantes, ele não vai. Isso seria perder boa parte dos eleitores que ele tem.

Recentemente, assisti a uma entrevista com Malala Yousafzai no programa O Próximo Convidado com David Letterman, exibido pela Netflix. Num determinado momento, ele pergunta para Malala a opinião dela sobre Donald Trump. Ela devolve a pergunta para ele, que responde: “Eu sinto que, pessoalmente — não politicamente, mas pessoalmente —, ele não está apto a me representar”. Letterman conclui: “Não acredito que ele esteja apto a representar ninguém neste espaço” (o programa é gravado no que parece ser um teatro; há plateia).

A resposta do apresentador acabou me remetendo a Bolsonaro, por ser algo que eu responderia se alguém me perguntasse o que acho do pré-candidato à presidência. Politicamente, estou longe do espectro ditatorial defendido por ele; no plano pessoal, ele é o tipo de gente que eu não chamaria para tomar uma cerveja aqui em casa. Se em algum dia nos conhecêssemos (sei que isso não vai ocorrer), estou ciente de que a recíproca valeria. Sou o tipo de pessoa de que ele não faria a menor questão. Além do mais, ele não precisa de mim, em nenhum aspecto.

É comum os defensores alegarem a honestidade dele, sem nem saberem se ela existe de fato. As notícias de nebuloso enriquecimento dele e dos filhos dele, veiculadas em janeiro deste ano, não se desdobraram (o que já era esperado). “Historicamente, apenas o tema da corrupção, no Brasil, propicia a manipulação perfeita do público cativo: aquela que não toca nem de perto no acordo das elites nem nos seus privilégios e permite focar todo o fogo no inimigo de classe da ocasião. Trata-se de um tema que não oferece nenhuma reflexão e compreensão real do mundo, mas que possibilita todo tipo de distorção, seletividade e manipulação emotiva de um público cativo” [1]. Muitos dos “paladinos” da honestidade não passam de cativos.

É muita ingenuidade acreditar que basta a truculência de alguém para se acabar com a corrupção no Brasil, que é institucional e praticada em todas as esferas. No mais, alegar que um simpatizante de torturadores dizimaria a corrupção por ter sido militar é supor que não houve corrupção durante a ditadura. Pensar assim é revelar ignorância histórica.
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[1] SOUZA, Jessé. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro. Leya. 2016. Pp. 88 e 89. 

O que a escola faz

Muito se fala sobre o papel da escola, sobre o que ela deve fazer, o que não deve fazer, a quem deve prestar contas... Quem muito fala sobre a função da escola geralmente prefere deixar de lado a importante noção de que a escola tem limites e de que nem tudo é obrigação dela. Querem exigir cada vez mais do ensino, no mais das vezes não dando a ele aquilo de que ele necessita para realizar o trabalho que a ele compete, sem levar em conta que não é obrigação dele preparar para tudo nem ser responsável pelo que o cidadão vai fazer depois de não mais frequentar uma escola — ou pelo que ele vai fazer quando o horário de aula termina e ele toma as ruas.

Quando alguém incorre em erro de português, é lugar-comum culparem as escolas por a pessoa não escrever corretamente segundo a gramática; se alguém não sabe fazer uma simples regra de três, a culpa é da escola. Já afirmei anteriormente haver professores que se jactaram de nunca terem lido um livro depois de terminarem a faculdade: a escola tem imperfeições porque é feita por imperfeitos. Mesmo assim, não é justo culpá-la pelas mazelas intelectuais do país.

Sou testemunha de que a escola tem ensinado. Se o ensino não é eficaz enquanto a pessoa ainda está em sala de aula, os menos responsáveis por essa ineficácia são os professores. Não bastasse, boa parte das pessoas, depois de terminarem o período em que tiveram de ficar em salas de aula, entregam-se a uma preocupante indolência intelectual. Na expressão mais visível dessa apatia mental, qualquer texto que tenha cinco linhas é textão, qualquer frase que comece a exigir um pouco de concentração é abandonada. Há muitos não interessados em alguma atividade intelectual.

Não há como a escola reger em totalidade nem as vidas dos que ainda frequentam salas de aulas; exigir dela que o cidadão adulto domine um conhecimento de que ele pode nem ter feito questão enquanto estava em sala de aula e de que não faz questão agora que não tem de se sentar e assistir a alguém lecionando é exigir desonestamente da escola. Eu citaria miríadas de professores que ensinaram e ensinam a diferença entre “mas” e “mais” ou que ensinaram a calcular porcentagens ou que ensinaram como se dá a fotossíntese. Contudo, se o cidadão que não mais frequenta um ambiente escolar está mais preocupado em postar fotos exibindo armas de fogo, não há nada que a escola possa fazer. Por ele, o que ela podia fazer, ela já fez. 

Marielle Franco

O mais recente capítulo da invasão no Rio de Janeiro foi escrito ontem. A morte de Marielle Franco escancara a inutilidade do que as autoridades estão fazendo lá. A truculência contra o cidadão “anônimo” já tem sido denunciada. Ontem, a fim de radicalizar o modo como lidam com quem se opõe contra a sacanagem que estão fazendo na cidade, mataram a vereadora.

Alguns dos que são a favor da invasão ou dos que não estão a fim de entender que ela é uma tacada populista e cruel contra as vítimas de sempre celebraram o assassinato de Marielle. Tristemente, isso não surpreende, pois tem sido assim em redes sociais. Também tristemente, a morte de civis num país que já sofreu tanto com intervenção militar não é novidade.

O que está claro é o que já se sabia de Marielle, ou seja, que ela era contra a presença do exército no Rio. Posso estar enganado quanto ao que vou escrever, mas sei como é o Brasil. Não acredito que os assassinos serão descobertos; e ainda que sejam, não serão punidos. Na hora de os invasores coagirem favelados e distribuírem gibis hipócritas e imbecis em ônibus, há empenho. Não haverá esse empenho nem por parte deles nem por parte de burocratas inúteis que estão em gabinetes em achar os assassinos da vereadora. Que eu esteja enganado.