sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

VOCÊ NÃO PASSA DE UMA VACA!


Desde 2004 tenho fotografado a natureza. Há alguns imprevistos, geralmente envolvendo a moto: já caí dela em estrada empoeirada, ela já furou o pneu estando eu longe da cidade, já derrapei em estrada ruim... Nada disso, entretanto, chega perto do aperto por que passei hoje.

Prestando atenção no ambiente, reparei que havia um casal de seriemas na beira da estrada. Como são ariscas, parei a moto lentamente. A seguir, tirei o capacete e segurei a câmera, que vai sempre pendurada no pescoço.

Às vezes, nem desço da moto para fotografar. Não foi o caso de há pouco: desci. Só que as seriemas, desconfiadas, já começaram a se afastar. Pensei comigo: “Vou perder a foto”. Para piorar, havia entre mim e elas uma vaca.

Agachei, na tentativa de fotografar pelo menos uma das seriemas por debaixo da vaca, por assim dizer. Só que o ângulo não permitia, devido ao mato, que tapava as seriemas. Fiz então um gesto com o braço, como se estivesse jogando algo na vaca. Ela não se moveu.

Peguei então uma pedra de tamanho razoável e fiz menção de jogá-la no animal, que dessa vez se moveu — em minha direção. Não foi um movimento brusco, mas ela deu um ou dois passos para onde eu estava e me encarou.

Comecei a não gostar da situação. Indo um pouco para a direita, consegui fotografar uma das seriemas. A vaca, encarando-me, moveu-se outra vez em minha direção, sempre sutil, sempre me encarando. Também a encarei.

Como esse impasse já estava durando o bastante para me incomodar, movendo-me com lentidão máxima, fui me aproximando da moto, que estava no meio da estrada. A vaca, mais uma vez, ameaçou se aproximar de mim. Estávamos a uns cinco metros um do outro.

A partir daí, qualquer movimento mínimo que eu fizesse era razão para que ela esboçasse partir de vez para me atacar. Tentando fingir uma calma que estava longe de ser verdadeira, continuei, imóvel, encarando o bicho, que me encarava de volta.

Assim ficamos por uns cinquenta segundos, suponho. Foi quando escutei barulho de motor. Olhando de canto de olho para a esquerda, vi que um outro motociclista de aproximava. Tentando não assustar a vaca, fiz gesto com o braço esquerdo para que ele parasse.

Devido ao lugar em que ele parou, fiquei entre ele e a vaca. Eu disse a ele que me esperasse até eu tentar montar na moto, dar a partida e arrancar. Pedi a ele que não desligasse a moto dele e que estivesse pronto para arrancar súbito se preciso.

Ele, um senhor, que parecia ter as manhas com essas ocasiões, disse que as vacas podem ser perigosas, principalmente se estiveram com bezerro. Só então é que me dei conta de que havia um bezerro por perto. Focado nas seriemas, eu não o tinha visto.

Pé por pé, fui me aproximando da moto, sem tirar o olho da mãe vaca. Montei. Não sei se é delírio, mas tive a impressão de que o bovino ameaçou outra vez me atacar. Com o coração acelerado, dei a partida. 

Segundos depois, diminuí a velocidade. Eu e o senhor gesticulamos um para o outro; ele seguiu viagem. No afã de me ver livre da situação, eu nem colocara o capacete. Parei a moto, coloquei o capacete e segui pela estrada. A foto desta postagem foi uma das que consegui. 

DE OLHO

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

"HISTÓRIAS CRUZADAS"

Preste atenção: pare de ler este texto a-go-ra e vá assistir a “Histórias cruzadas” [The help, 2011], do diretor Tate Taylor, que também é o autor do roteiro. O filme é baseado no livro “The help”, de Kathryn Stockett.

Emma Stone é Skeeter Phelan, uma jovem de vinte e poucos anos que sonha em ser escritora. Voltando da faculdade, a princípio descola emprego para redigir uma seção sobre dicas culinárias num pequeno jornal na pequena Jackson, Mississippi, no começo da década de 60.

É quando decide contar em livro a história dos negros, em especial das empregadas domésticas negras, da cidade em que vivia. Para sua história, Skeeter quer saber o que elas têm a dizer sobre o contexto de racismo insano e desumano com que conviviam no dia a dia.

A princípio, convence Aibileen Clark (Viola Davis) a contar sua história. Depois, Minny Jackson (Octavia Spencer) também decide relatar sua experiência a Skeeter. Mas a editora em potencial do livro quer mais depoimentos...

Tate Taylor fez um trabalho primoroso na direção e no roteiro. Além disso, os estupendos talentos de Viola Davis e de Octavia Spencer conferem ao filme interpretações que acertam no tom: elas não pecam pelo excesso (que poderia levar à pieguice) nem pela frieza (que poderia não dar a dimensão do quanto suas personagens sofrem).

Sem cair em maniqueísmos bobos, “Histórias cruzadas” aborda a nevrálgica questão do preconceito racial, com suas contradições e abusos. Ainda assim, a despeito da realidade barra-pesada que retrata, há espaço para a poesia e para o humor.

A gente fica melhor depois de assistir a algo como “Histórias cruzadas”. Reitero: se eu fosse você, abandonava de uma vez por todas e para sempre este texto e saía agora em disparada, triunfante, libertadora e catártica carreira em busca do filme. Enquanto isso, deixem-me correr atrás do livro de Kathryn Stockett. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

DA NATUREZA

Não sei até quando a natureza, tal como é, vai resistir a nós. Mas ela ainda é pródiga. Há tamanhos e cores em abundância. Generosa em qualquer época do ano, parto rumo à natureza quando saio para fotografar. 

Não bastasse sua magnanimidade, o que, por si, já justifica minhas incursões, estar em meio à natureza é estar mais próximo do que sou: mesmo sem saber com exatidão o que sou, sou também natureza. Visitá-la é me visitar.










domingo, 26 de janeiro de 2014

DA INSPIRAÇÃO

Acredito na inspiração, mas não na inspiração no sentido romântico ou na inspiração como uma espécie de visita que recebemos de alguma “entidade”. Acredito na inspiração como um processo mental, feito de sinapses e outros processos cerebrais. Não concebo a inspiração num cérebro que não se exercita. 

BELADONA



ÀS QUATRO

O outono ventila ideias.
Tu quebras o gelo, 
concebes primaveras.
As flores verão.

CONTO 68

Acossado por notas musicais, Josias lamentou ter o ouvido absoluto. Em atitude inapelável, pensou ter achado solução, cortando a orelha. Ao jogá-la fora, ela caiu sobre uma chapa de metal. De imediato, Josias reconheceu um mi. 

POLÍTICA E FUTEBOL

A política, do modo como é feita, acaba se tornando um mundo nebuloso, em que aos eleitores chegam apenas as sombras do que ocorre de fato no jogo político. Nesse universo amorfo e escuso, é sempre bom quando alguém torna o óbvio público ou fala aquilo que parte da população diz nas conversas que mantém.

Recentemente, Francimar Rosa dos Santos, o Ditinho (em quem não votei), renunciou ao cargo de vereador, alegando necessidade de cuidar da mãe doente. Mas o que me chamou muito a atenção na matéria que li no Patos Hoje foi o ex-jogador, de acordo com sítio de notícias, ter feito alusão aos dois grupos políticos da cidade.

Cito a notícia veiculada no Patos Hoje: “Ele [Ditinho] se mostrou decepcionado com a política. Ele disse que teve muita dificuldade na Câmara Municipal. Sem citar nomes, reclamou das pessoas que só veem o lado pessoal e criticou os dois grupos políticos que não se entendem e acabam prejudicando o desenvolvimento da cidade”. Pena ele ter dito isso depois de ter saído da partida.

É sempre saudável haver oposição, não importa se “a” ou “b” esteja no poder, mas ser oposição não implica apagar o beabá da política, que é buscar o bem comum. Do modo como a política tem sido feita por aqui há décadas (e não só por aqui), o que há não é oposição, mas, sim, patuscadas que acabam atravancando a melhora da terra dos Patos de Minas. 

QUEBRANDO O GALHO

MESSIAS

Não há messias lá fora.
O messias és tu.
Sê teu silencioso messias. 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

IMAGEM E PALAVRA

Em mim, 
o que não se torna 
palavra se torna imagem.

Se o mundo não se torna 
nem isso nem aquilo, 
não me torno nada. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

"AS SESSÕES"

Sim, assista ao filme “As sessões” [The Sessions], do diretor Ben Lewin, que também é o roteirista. O filme é de 2012; estrelado por Helen Hunt, no papel de Cheryl, John Hawkes, que interpreta Mark O’Brien, e William H. Macy, que faz o padre Brendan.

O filme é baseado em fato real. Para o roteiro, o diretor se valeu também de artigo de Mark O’Brien, intitulado “On Seeing A Sex Surrogate”. O’Brien contraiu poliomielite aos seis anos e teve de passar boa parte de sua vida confinado a um pulmão de aço. Com trinta e seis anos, ainda era virgem.

Tendo sido criado em tradição católica, O’Brien, contudo, tem interesse em perder a virgindade. Embora privado de boa parte dos movimentos, o corpo dele preservara alguma sensibilidade. Ademais, ele tinha ereção. Só que a educação religiosa que havia recebido o deixava com sensação de pecado. É quando procura o padre Brendan, interpretado por William H. Macy.

O padre, por assim dizer, autoriza O’Brien, dando-lhe carta branca para que ele perdesse a virgindade mesmo sem ser casado. É quando entra em cena Cheryl, interpretada por Helen Hunt. Ela era uma terapeuta sexual, mas contratada para lidar com pacientes que tinham sérios problemas sexuais. 

É um filme bonito e engraçado. Em momento algum descamba para o dramalhão, em parte pelo senso de humor de O’Brien, que tem tiradas hilariantes: quando perguntado se ele acreditava em Deus, ele disse que obviamente acreditava, pois era preciso ter alguém para culpar.

O diretor soube dar o tom exato, pois o humor de O’Brien não desemboca em comiseração constrangedora de si mesmo. Ele sabe rir de sua condição, mas não há, contudo, um travo, não há ressentimento. O que há é justamente o contrário: ele quer viver, ele pulsa, ele quer saber o que é o sexo.

Não bastasse tudo isso (o que já não é pouco), há no filme outra questão muito instigante, que é a maneira como as pessoas lidam com os próprios corpos. Graças à ajuda de Cheryl, O’Brien vai tendo uma compreensão maior do que é o seu corpo e dos prazeres que ele pode ter, a despeito do sentimentos de culpa que ele tem e de sua deficiência física.

Um filme adulto, poético, com direção impecável e atuações estupendas de Hunt, Hawkes e Macy. Alguém disse (Borges?) que é inútil, senão impossível, separar o corpo da alma. Enquanto eu assistia ao filme, eu me lembrei dessa frase. O debilitado corpo pode ser fonte de felicidade.

Como dito acima, o roteiro de Lewin é baseado na vida de Mark O’Brien e no artigo dele cujo título também está acima. O’Brien também escreveu versos. Alguns poemas dele podem ser lidos aqui. Já o artigo em que também se baseou o roteiro do filme está disponível aqui.

Embarcando no clima, li o artigo do O’Brien em que o filme se baseou. Recomendo. Percebe-se pelo artigo que diretor e produtores respeitaram a essência da personalidade do cinebiografado. Tomam liberdades, mas elas não deturpam nem o humor nem o tom do que ele escreveu. Vale dizer por fim que o filme tem algo que também está no artigo de O'Brien: a benéfica desmistificação (não a banalização) do sexo. 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

PAI E FILHO

— Pai, quantas estrelas o Universo tem?
— Algumas.
— Algumas? Isso é muito?
— Hum, digamos que é um tanto bom.
— São todas essas que a gente vê daqui?
— São todas essas e mais todas as outras que a gente não vê.
— Nossa! Quer dizer que existem estrelas que a gente não vê?!
— Sim, existem.
— Mas das que a gente vê, são quantas?
— Um tanto bom.
— Um tanto bom é quanto?
— Não sei exatamente.
— Mas dá pra contar?
— Dá, mas ia demorar.
— Muito?
— Muito.
— E o número das que a gente não vê é maior do que o número das que a gente vê?
— Ué, meu filho, certamente que sim.
— Poxa! É muita estrela pra contar, não? Alguém conta?
— Creio que sim. Acho que os cientistas contam. Ou fazem estimativas.
— O que “estimativa”, pai?
— É quando não sabem com certeza um número, mas com base num pedaço do céu, supõem quantas estrelas existem nos outros pedaços. É por aí.
— Acho que entendi.
— Você gostaria de estudar as estrelas?
— Acho que sim.
— Então você pode ser um astrônomo.
— Mas seria possível visitar uma estrela?
— Não. Nesse caso você teria de ser um astronauta.
— Os astronautas visitam as estrelas?!...
— Bom, a rigor, não. Eles saem um pouco da Terra. Já tá bom, não?
— É, parece que sim.
— É melhor ser astrônomo ou astronauta?
— É melhor ser aquilo que você quiser ser.
— Mas eu não sei o que eu quero ser.
— Não se preocupe: eu também não sei.
— Sério?!
— Sério.
— Eu queria ser uma estrela. Se eu fosse uma estrela, você iria me visitar?
— Ora, você está aqui: não preciso ir tão longe. Você é minha estrela.
— As estrelas são apagadas um dia?
— Sim. Elas se apagam um dia.
— Mas você disse que sou sua estrela. Quer dizer que vou me apagar um dia?
— Hum... vai.
— Você também vai ser apagado?
— Vou.
— Quando?
— Não sei.
— E ser apagado é bom?
— Não sei.
— Hum... E quem sabe?
— Não sei de ninguém que saiba.
— Nem as estrelas?
— Nem as estrelas. 

domingo, 19 de janeiro de 2014

RELAMPEJANDO

Fotografar relâmpagos é projeto acalentado há tempos. Há pouco, chegando em casa, vi que talvez seria possível fotografar os que estavam se manifestando acima do horizonte. Corri aqui dentro, peguei a câmera, uma cadeira e um banquinho (cadeira e banquinho para substituírem o tripé). Peguei também um livro, em que apoiei a câmera.

Se o cenário não é o ideal para mim (eu sempre quis fotografar relâmpagos sem interferência urbana), ainda assim foi possível tirar algumas fotos. O tempo de exposição da imagem postada aqui foi de quinze segundos; isso significa que a câmera ficou tirando a foto durante esse tempo. Daí o uso da cadeira e do banquinho, para que a imagem não ficasse tremida. 

"ORAÇÕES PARA BOBBY"

“Orações para Bobby” [Prayers for Bobby], de 2009, do diretor Russell Mulcahy, relata a princípio a convivência entre Bobby (Ryan Kelley) e Mary Griffith (Sigourney Weaver). Bobby é filho de Mary; ela, por sua vez, não aceita, devido à intolerância religiosa, que o filho seja homossexual. O livro é baseado em livro homônimo de Leroy Aarons.

A intolerância de Mary se deve à educação religiosa igualmente intolerante que recebera. O filme é um daqueles que se iniciam com uma determinada cena. Há um corte e depois volta-se no tempo. Assim, fiquei com a sensação de que a cena inicial seria a última, o que não é o caso. Na metade do filme, completa-se a cena inicial.

O enredo conta história ocorrida entre o fim da década de 70 e o começo da de 80. Até a metade da película, o foco é sobre o drama de Bobby, que se sente um pária devido à homossexualidade, e a convivência dele com a mãe, que chega a dizer para ele que se recusava a ter um filho homossexual. Na segunda parte da história, o foco é sobre a trajetória de Mary.

“Orações para Bobby” detalha manifestações de preconceito no dia a dia, na convivência familiar. Nas miudezas do cotidiano, Bobby vai sendo massacrado pela rigidez da mãe. À maneira dela, é amor o que ela sente. Mas um amor que, paradoxalmente, em virtude de preconceitos herdados, em vez de criar, destrói.

Não bastasse a história por si, pela qual o filme vale a pena, a atuação de Sigourney Weaver é excelente. Graças ao trabalho dela, não há como ficar indiferente a Mary, que pode causar repulsa e, posteriormente, admiração; ou, dependendo de quem assistir, admiração e, posteriormente, repulsa. 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

MUNDO

Gosto da palavra “mundo”.
Ela pode ser todo mundo.
Pode ser o planeta.
Pode ser o mundo de alguém.
Pode ser um mundo de coisas.

Há quem se feche em seu mundinho.
Há quem se interesse pelo mundão sem fim.

“Mundo” é palavra gostosa de falar.
A rima não é solução, Raimundo.

De tempos em tempos, 
marcam data para o fim do mundo,
sejam os crédulos, os puros, os imundos. 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

ENCONTRO


Fotografar é registrar o modo como você olha para um encontro. Eu e esse gavião nos encontramos no dia sete de junho de 2007, às 16h24.
_____

Canon EOS 20D
Lente Canon 100-400mm f4,5-5,6 L IS AF USM
1/2000
F/5.6
ISO 200 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

PERGUNTAS

Sou pequeno demais 
para as perguntas 
que faço a mim mesmo.

Não me preocupo 
quando não as respondo: 
eu me preocupo 
quando não as faço.

Sigo vivendo e 
me perguntando. 
De vez em quando 
suspeito de 
uma resposta. 

A todo momento, 
esbarro numa pergunta.
A vida tem o formato
de um ponto de interrogação.

A vida tem o formato 
de um ponto de interrogação? 

OPINIÕES, OPINIÕES, OPINIÕES...

A internet dá a todos a liberdade de opinar. Isso é ótimo, pois  assim  pode--se tomar conhecimento das ideias de gente que não está em algum grande meio de comunicação. Quem trabalha para esses meios nem sempre pode dizer, quando trabalha, o que pensa, sob pena de retaliação ou até perda de emprego.

O lado ruim da liberdade que a internet concede é que gente que nada entende de determinado assunto se arvora em opinar sobre ele; não raramente, até cobram de quem não opina, não se dando conta de que nem sempre as pessoas querem opinar e se esquecendo de quem nem sempre as pessoas têm opinião.

Quem não opina, dizem, não é cidadão de verdade. É como se estivessem apontando o indicador, dizendo: “Reparem: aquele ali não se posicionou; preferiu ficar em cima do muro, preferiu não se envolver, assumindo um posicionamento confortável”.

Não estou fazendo apologia à pasmaceira nem ao não engajamento: a proliferação de opiniões é melhor do que o cerceamento das mesmas. Só que é preciso entender que o fato de alguém não opinar publicamente não significa que esse alguém não tenha opinião nem que esse mesmo alguém não atue de outros modos. 

Há muito do que chamo de engajado de rede social. Engajamento assim pode soar ora ingênuo, ora ridículo: compartilhar fotinhas de contraventores no Facebook e dizer que se é contra a corrupção não é engajamento — é truísmo e ingenuidade.

Quem opina demais acaba opinando sobre o que não entende. Além do mais os que conclamam outros cidadãos a também opinarem demais precisam entender que há diferentes formas de engajamento, que há pessoas as quais não estão a fim de opinar em público, o que não significa serem alienadas.

Há quem, sensatamente, prefira opinar sobre aquilo que conhece, em vez de ficar dando pitaco sobre aquilo de que nada entende. Não nos esqueçamos de que quanto mais se conhece, mais difícil pode ser emitir uma opinião; do outro lado da moeda, quem não sabe nada às vezes se sente à vontade para opinar sobre tudo.

Ser atuante em redes sociais ou tornar público tudo o que se pensa não significa necessariamente ser uma pessoa politizada. Não divulgar o que se pensa não implica alienação. Ser opinioso não implica conhecimento sobre o assunto de que se fala. Além do mais, a internet não é o único veículo para opiniões.

O García Márquez disse que em sua juventude achava ser obrigação de todo escritor o engajamento; com o passar do tempo veio a pensar, segundo ele, que o único dever de um escritor é escrever bem. Opinar demais não é a única forma rica de se estar no mundo.

PELO CERRADO










sábado, 11 de janeiro de 2014

A EDIFICAÇÃO DO AMOR

Primeiro, 
habitei 
teu pensamento, 
tua imaginação,
teus sonhos.

Depois, 
habitei 
teu corpo. 

Enquanto isso, 
eu ia fazendo morada 
em teu amor. 

VERDE CERRADO

ARDENTE CELEBRAÇÃO

Na canção “Mary’s prayer”, do grupo Danny Wilson, tem-se o verso “pense em mim e celebre” (“think of me and celebrate”); já na canção “The rhythm of the night”, sucesso na voz da Corona, tem-se “pense em mim você vai pegar fogo” (“think of me you'll burn”).

Que a celebração seja ardente. 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A GOTA D'ÁGUA

Gota a gota 
vou tecendo 
o poema. 

Em breve 
terei um mar. 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

ANÚNCIO

Trovão vigoroso anuncia 
tempestade apocalíptica — 
que acabou não vindo: 
de vez em quando,
cão que late não morde. 

"UMA LINDA MULHER" E O CRAQUE

“Uma linda mulher” [Pretty woman], do diretor Garry Marshall, estrelado por Julia Roberts e Richard Gere, é de 1990. Contudo, somente nesta semana é que o assisti. Para minha surpresa, há uma referência ao craque (a droga) durante o filme: eu pensava que o craque havia começado a ser consumido bem mais recentemente.

Se ele é mencionado num filme de 1990, isso quer dizer que é conhecido e consumido, numa estimativa comedida, há vinte e três anos nos Estados Unidos, pelo menos nos grandes centros — a história contada em “Uma linda mulher” se passa principalmente em Los Angeles. Contudo, eu não saberia dizer quando o craque começou a ser consumido no Brasil.

A nota lúdica é que à medida que eu ia assistindo ao filme foi-se confirmando em mim a impressão de que Edward Lewis, o personagem interpretado por Richard Gere, é uma espécie de Christian Grey... abrandado. Mas já que “Uma linda mulher” veio antes, talvez o mais correto seja dizer que Christian Grey é uma espécie de Edward Lewis... “recrudescido”... 

RELÓGIO 6

FOTOPOEMA 342

O Edgar, proprietário da loja de instrumentos musicais e escola de música Tom Maior, havia me pedido para tirar fotos de alguns dos instrumentos à venda na loja. Ontem à tarde, fui até lá realizar o trabalho.

Um dos últimos instrumentos a ser fotografado foi este violino. Ainda no visor da câmera, gostei da foto. Às vezes, isso nos engana: uma foto de que gostamos quando a observamos no visor pode não agradar quando analisada no computador.

Não foi o caso desta imagem. Tanto gostei dela que tive logo a vontade de fazer um texto inspirado nela, nisso que chamo de fotopoema, ou seja, texto e imagem formando uma amálgama. 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

"EDUCAÇÃO"

Assisti na madrugada que passou ao filme “Educação” [An education], lançado em 2009. Recomendadíssimo. A direção é de Lone Scherfig; roteiro de Nick Hornby. O filme é baseado num livro de memórias escrito por Lynn Barber (o roteiro de Nick Hornby também foi lançado em formato de livro).

Há texto de Barber em que ela comenta sobre a surpresa que foi quando a procuraram para adaptarem as memórias dela para o cinema. O que ela conta em “An education” é o relacionamento que ela teve, no começo da década de 60, com Simon Goldman (não é o nome real; no filme, o nome, também fictício, é David) quando ela tinha dezesseis anos.

De acordo com Barber, Simon dissera ter vinte e sete, mas, ainda segundo ela, ele deveria estar se aproximando dos quarenta. Ela, desde que nascera, tinha um destino traçado: estudar em Oxford. Tanto que ficou muito surpresa quando obteve dos pais a autorização para que saísse à noite com um cara desconhecido e mais velho do que ela, em vez de ter de ficar em casa estudando.

Tanto gostei do filme que assim que terminei de assisti-lo fui buscar informações. Fuça daqui, fuça dali, eu me deparei com um texto de Barber, com aproximadamente nove páginas, em que ela conta ou resume a história dela com Goldman. O texto foi publicado no jornal The Guardian, e pode ser conferido aqui.

O que me chamou a atenção foi o quanto o texto dela publicado no jornal proporciona uma bela oportunidade para se refletir sobre o que a arte e suas “mentiras” podem fazer com a realidade. Na abertura do trabalho, Barber conta, de modo direto, que estava esperando ônibus, depois de sair de um ensaio, quando um estranho (Goldman), num carrão, ofereceu carona; a despeito das recomendações de que uma garota não deveria aceitar carona de estranhos, ela entrou no carro.

No roteiro de Nick Hornby, há chuva na cena inicial enquanto Barber, encharcada, espera no ponto de ônibus. Goldman encosta o carro, dizendo estar preocupado com o violoncelo dela. Embarcando na brincadeira, ela coloca o violoncelo dentro do carro, mas não entra: Goldman dissera que entenderia se ela não quisesse entrar; afinal, não se deve aceitar carona de estranhos.

Barber começa a caminhar na chuva. Goldman, bem devagar, segue com o carro ao lado dela, enquanto conversam. Manhoso, bem-humorado, ele logo a convence a entrar no carro, dando início à convivência entre os dois, na qual ela logo aprenderia sobre um mundo feito de charme, conversas inteligentes e viagens.

Essa cena ilustra muito bem o que talento, inteligência e imaginação são capazes de fazer com uma realidade que pode não ser tão interessante assim. A narrativa de Barber no jornal The Guardian é “seca”: não havia... chuva... Barber “simplesmente” entrou no carro após o convite; no roteiro de Hornby, além da chuva, houve todo um diálogo esperto entre os personagens.

A comparação entre o que houve e o que Hornby fez do que houve oferta possibilidades de reflexão sobre a realidade, substrato da arte, e o que ela, a arte, faz com esse mesmo substrato. Hornby, por assim dizer, inventa uma realidade, ele nos conta uma “mentira”, que é, convenhamos, no caso específico, mais interessante do que o retrato fiel da realidade.

O Quintana escreveu que “a imaginação é a memória que enlouqueceu”. Em sua “loucura”, Hornby se valeu da memória de Barber para criar um roteiro que, se por um lado, preserva a moldura da narrativa da escritora, por outro, cria uma outra história que é vigorosa em imaginação, sem com isso pecar pela falta de verossimilhança.

Quando a realidade vai para o papel, o que está no papel não é a realidade em si. Chamam isso de simulacro, que é, nesse sentido, uma representação da realidade. Ainda que um texto seja o mais fiel que conseguir à realidade que conta, o texto em si não é a realidade — é um simulacro dela. Nessa acepção, qualquer forma de arte é um simulacro.

Não sei se o livro de Lynn Barbar é bom; na Amazon, pode-se dar uma espiada em alguns trechos dele, o que fiz durante a madrugada. Como o roteiro de Nick Hornby também está à venda, vou comprar o livro e o roteiro. Afinal, tudo ensina, tudo serve para a educação, seja um simulacro, seja uma pessoa. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

NUM PISCAR

Num piscar de olhos, tudo muda.
Pisca os olhos agora.
Tudo o que és está nesse piscar.
Tu estás todo no gesto de agora.
Tudo o que és está pronto 
para tudo mudar — 
num piscar de olhos. 

APONTAMENTO 191

Segredos, todo mundo porta, às vezes achando que a testa é porta aberta para eles. 

sábado, 4 de janeiro de 2014

OS VERSOS DE PELÉ

“Espero que o Brasil abrace a oportunidade que lhe foi dada com a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Queremos mostrar ao mundo nossos lados positivos: amor à vida, nosso espírito e um belo país. Incidentes como os que aconteceram na Copa das Confederações, quando um evento esportivo foi atrapalhado por protestos políticos, não deveriam ser permitidos de novo”.

A declaração acima é de Pelé; foi dada à revista da Fifa. Na mesma entrevista ele disse que o Chile é um dos favoritos para ser o campeão da Copa do Mundo no Brasil (sic). Sobre a brincadeira de que Pelé seria pé-frio, em 2013 uma campanha publicitária na Colômbia pedia que Pelé não mais apontasse o time colombiano como favorito; quando isso ocorreu, em 1994, a Colômbia foi eliminada na primeira fase.

Pelé foi cooptado pelos que mandam no futebol. Não sei se ele recebe por isso. Recebendo ou não, tem sido lamentável quando ele dá entrevista. O Romário, que hoje é deputado federal e já foi jogador, disse que “Pelé não tem consciência nenhuma do que está acontecendo no País”. Se não tem mesmo, isso seria mais um motivo para que ele, Pelé, ficasse calado quando o assunto fosse questões políticas e sociais.

O que levaria Pelé a ficar do lado de gente que está na Fifa e na CBF? Prefiro acreditar que ele não seja títere dos caciques que imperam no futebol; prefiro acreditar que ele não seja ingênuo a ponto de realmente acreditar que Fifa e CBF fazem bem para o País. Do que não faço ideia, é do que o levaria a dar declarações tão... sem senso de realidade. Será o dinheiro o que o leva a estar do lado das entidades que comandam o futebol? Será a vaidade?... Será que ele acha que proferir as bravatas de que é capaz significa ser patriota? Novamente, Romário: “O Pelé, calado, é um poeta”. 

RELÓGIO 5

"NOTA DE RODAPÉ"

Shlomo Bar-Aba e Lior Ashkenazi interpretam os personagens principais em “Nota de rodapé” (“Hearat Shulayim”), filme de 2011, lançado no Brasil em 2012. O diretor é Joseph Cedar, que também é o roteirista.

Bar-Aba interpreta Eliezer, que é pai de Uriel (Ashkenazi). Os dois são acadêmicos, são professores. Eliezer é um ressentido com o universo da academia por dela não receber o reconhecimento de que acha ser merecedor.

O filho, Uriel, em contrapartida, navega de êxito em êxito no mundo em que o pai é ignorado: vai se tornando claro que Eliezer se ressente também do sucesso do filho. Contudo, Eliezer é comunicado que havia sido escolhido para receber o Prêmio Israel, uma honraria na vida acadêmica do país. É quando Uriel tem de escolher entre a carreira que vinha levando e o apoio ao pai.

Se a relação entre Uriel e seu pai não vai bem, numa convivência em que os dois moldam uma civilidade que camufla ressentimentos e queixas mútuos, Uriel, por sua vez, não tem conseguido lidar bem com o filho adolescente que tem. Não bastasse esse imbróglio familiar, “Nota de rodapé” mostra o mundo de intriguinhas, egos inflados e pompa que existe também no meio acadêmico.

Não bastassem as temáticas universais com que lida, o que torna o filme saboroso é o senso de humor, a ponto de às vezes ele quase se tornar uma comédia desbragada. Mas o diretor e roteirista não errou no tom: o filme diverte, sem deixar de ser dramático; é denso, sem deixar de ser engraçado.

Cedar ironiza a família, o mundo da academia, o teatro social. Valendo-se de um núcleo judaico, o cineasta se universaliza na temática e na escolha por contar a história com uma dose bem generosa de senso de humor, sarcasmo e sátira. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

RELÓGIO 4

A COPA QUE NÃO SE VÊ

Excelente texto veiculado na edição de dezembro de 2013 do imprescindível Le Monde Diplomatique Brasil e assinado por Andressa Caldas, Eduardo Baker e Thiago Melo menciona o seguinte embate: “Enquanto o governo garante que não vai haver protestos durante a Copa, as multidões e as redes sociais ecoam o grito de ‘não vai ter Copa’”.

A não ser que haja uma convulsão social, vai haver a Copa. Ainda que haja protestos, o torneio ocorrerá. O entorno dos estádios será blindado. A despeito de as obras estarem custando mais do que o que deveriam e das expulsões de cidadãos de suas moradas nas cidades-sede, em nome de se edificar a estrutura para a Copa, vender-se-á a imagem, na grande mídia, de que a competição é asséptica — como, aliás, reza o padrão da Fifa, tão queridinho dos conglomerados de mídia.

Todavia, qualquer um, com um celular, pode transmitir do olho do furacão, caso haja de fato um confronto entre a população e o aparato do Estado. Não é o ideal, pois o poder do indivíduo, mesmo atuando em grupos, é menor do que o da grande mídia. Mesmo assim, é alentador vislumbrar a possibilidade de se ter uma “cobertura” que não sofra a interferência dos filtros dos grandes meios de comunicação. 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

SINTONIA FINA AO VIVO

Pessoas, daqui a pouco, entre 16h e 18h, vou estar ao vivo com o Sintonia Fina, programa musical. Para escutar, cliquem aqui.

Conto com sua audiência. 

O SABOR DA RIMA

Uva.
Chuva.

É coisa 
gostosa demais 
em apenas uma rima.