segunda-feira, 24 de agosto de 2020

O feitiço...

O queridinho de parte dos jornalistas os tem vilipendiado desde que assumiu a presidência. Agora, fingem que nada tiveram a ver com a história, arrotando um espírito democrático que nunca esteve neles. Não sabem o que fazer com a criatura em que jogaram confetes e para a qual apontaram holofotes. O monstro que ajudaram a engendrar está pronto para moê-los.

Pancadas

Hoje, a porrada é num jornalista.
Os súditos aplaudem.

Amanhã, a porrada é numa cidade.
Os súditos aplaudem.

Depois de amanhã, a porrada é na democracia.
Esmurrados, os súditos aplaudem. 

Porradas

É algo grave um político dizer que a vontade é de dar porrada ao ser questionado sobre algo que é da alçada dele responder. Algo mais grave ainda são as multidões dispostas seja a aplaudir esse comportamento seja a dar porrada a fim de defendê-lo. 

Na porrada

O menino brigão achava que tudo se resolvia na porrada.
O rapaz brigão achava que tudo se resolvia na porrada.
O homem brigão achava que tudo se resolvia na porrada.
O menino, o rapaz e o homem são a mesma pessoa.

O homem brigão chamou para a porrada outro homem.
O brigão, de cara e na cara, levou um monte de porrada.
Entendeu que insígnias não socorrem quando a porrada
vem direto na cara e um dente vermelho cai da boca.

O homem brigão juntou pudores, não pediu clemência.
O rapaz brigão quis apelar para a benevolência dos murros.
Sob saraivada de porradas, o homem, que é o rapaz.
Esfolado, luxento e chorão, foi embora um menino. 

A porrada como solução

Alguém escreveu — acho que foi o Flaubert, mas não estou certo disso — que “se a imprensa não existisse, seria preciso não a inventar”. Qualquer um sabe dos efeitos prejudiciais que o jornalismo ruim pode ter.

Todavia, perguntar para o presidente sobre os depósitos feitos por Fabrício Queiroz na conta de Michelle Bolsonaro é algo muito pertinente. Não se trata de uma pergunta boba, fora de contexto. Pode-se argumentar que a pergunta vem tarde, pode-se cogitar o motivo de não terem perguntado anteriormente ao mandatário coisas do mesmo teor.

No passado, perguntas similares foram evitadas. Parte da imprensa tenta agora um fajuto mea-culpa que não convence ninguém. Ainda assim, a pergunta sobre os depósitos de Fabrício Queiroz para Michelle Bolsonaro é necessária.

“Minha vontade é encher tua boca com uma porrada”. A resposta do marido de Michelle Bolsonaro é típica dele. Estranho seria se tivesse dado uma resposta adequada, uma resposta de quem tem espírito cívico, uma resposta que elucidasse as transações financeiras do clã, as quais são investigadas, mesmo todo mundo ciente de que a “famiglia” Bolsonaro não será afetada.

Certas questões podem ser difíceis de serem respondidas. Dizer que a vontade é de dar porrada é saída fácil, tergiversação truculenta de quem se acha mais macho que os demais. Exatamente por isso, a resposta agrada a muitos; precisamente por isso, esse tipo de resposta arregimenta admiradores.