A torneira da pia vinha me avisando que morreria em breve. Não querendo sair por causa da pandemia, que não é “só uma gripezinha”, fiquei adiando a substituição da torneira, que, ontem, não mais resistiu. Tendo ela parado de funcionar, fui a uma loja de material de construção.
Quando lá cheguei, o vendedor me perguntou se a torneira era de bancada ou se estava fixada numa parede (os cômodos de minha casa convivem comigo há uns vinte e sete ou vinte e oito anos). A pergunta desestruturou aquilo de que sou feito, pois eu simplesmente não me lembrava se a moribunda torneira era de bancada (não sei o que é uma bancada) ou se estava fixada numa parede. Mesmo sabendo o que é uma parede, eu não me lembrava se a torneira estava fixada numa.
Segundos se passaram. Para que o bagaço em mim não ruísse sobre o piso de uma loja de material de construção, saí de lá e vim aqui conferir a torneira, que estava quietinha, fixada numa parede. Voltei à loja. Escolhido o modelo da torneira, o vendedor me entregou um papelzinho e apontou um caminho a seguir.
Cheguei ao caixa, paguei. A atendente, depois de me entregar um papel, disse-me que eu teria de atravessar a rua para buscar a torneira. Atravessei, cheguei a um cômodo em cuja entrada havia uma placa na qual se lia “Clientes”. Um funcionário me disse que eu teria de passar por um largo portão e procurar por uma janela de vidro que ficava à esquerda do portão; diante dele, um funcionário me indicou a direção da janela de vidro.
Cheguei a ela. Do outro lado do vidro escuro, eu não conseguia enxergar direito a funcionária; ela me disse algo que não consegui escutar com exatidão. Ela ergueu a voz. Continuei não escutando, mas supus que ela estava me pedindo o papel que me havia sido entregue quando paguei pela torneira.
Entreguei o papel para a funcionária. Ela se movimentou; segundos depois, devolveu-me o papel e apontou um caminho; eu deveria cruzar um pátio e chegar a um cômodo em cuja parede havia, salvo engano, o número 415. Atravessei o pátio. Entrei no cômodo 415, portando o papel que me havia sido entregue pela funcionária que trabalha atrás do vidro escuro.
Entreguei o papel a um jovem, que logo se afastou e foi buscar a torneira. Quando voltou, o jovem, além da torneira, entregou-me um pedaço de papel, dizendo que eu deveria mostrá-lo ao senhor que estava na entrada (ou na saída) do depósito. Quando mostrei o papel ao senhor, ele pegou a sacola em que estava a torneira, retirou-a, leu o papel que me fora entregue momentos antes pelo jovem, leu a embalagem da torneira. Comparou o quê com não sei o quê e me liberou. Kafka é aqui.
Eu não saberia substituir a torneira morta pela torneira jovem. Entrei em contato com um amigo, que fez a substituição. Dentro da pia, uma tonelada de coisas a serem lavadas. Fiz a estreia da nova torneira. Como a anterior estava difícil de ser manejada, lidar com a nova me deu ânimo súbito para a chata tarefa de lavar louças e utensílios.
Não ficaram nem mais limpos nem mais sujos do que ficavam quando eram lavados diante da torneira velha. Ela estava recalcitrante, é verdade, mas não é a torneira, desde que ela funcione, ainda que capengando, que definirá o quão limpas as louças ficarão. A torneira nova, é verdade, facilitou o trabalho, sem, todavia, em si e por si, fazer com que eu me tornasse um exímio lavador de talheres, de vasilhas e de similares.
Recentemente, comprei nova câmera fotográfica, depois de supor que minha anterior havia morrido em definitivo. Não havia; foi possível consertá-la. Antes do conserto, eu comprara uma câmera nova, que facilita meu trabalho, pois as especificações dela são melhores do que as da anterior. Não tenho feito registros melhores com a nova câmera, pois não é uma torneira nova que faz com que as louças fiquem bem lavadas.