quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

APONTAMENTO 231

Um grande livro sempre tem grandes implicações: um grande livro nos torna melhores. 

DE COR

Tenho dores e cores. 
Eu sei de cor. 
Eu sei de dor. 
Pego dores e cores 
e encho de palavras 
a pesada madrugada. 
Pela manhã, haverá luz. 

JUS

A palavra exata
faz jus.

A palavra exata
faz luz.

APONTAMENTO 230

Quando a cabeça não é gaiola, o pensamento voa. 

POR AMOR

Claro que, quando se ama, a vontade é a de e-xi-gir do outro que ele também ame. Afinal, como alguém pode não amar um amor tão intenso que é ofertado de modo tão espontâneo e forte? Mas não temos o direito de exigir que a outra pessoa nos ame, por mais que o desejo seja de pegá-la pelo pescoço e fazer com que ela receba o amor que é só dela.

É como se a gente dissesse para a pessoa: “Olha, você nem imagina o quanto sou capaz de fazer você feliz, o quanto quero fazer você feliz”. Se a outra pessoa for madura, ela sabe disso, mas pode não querer receber o amor que a ela é ofertado, seja por que razão for.

“João amava Teresa”. Mas Teresa amava Raimundo... Num certo dia, um João pode amar uma Teresa, e por ela ser amado. Se um amor que não começa já é algo complicado de manejar, um amor que se inicia requer arte para a qual nem todos estão prontos. O amor pode não ter limites; os amantes têm.

Nem sempre o amor é. Em muitas vezes, poderia ter sido; noutras tantas, foi e deixou de ser. Muitos há que só descobrem do que são capazes depois que passam a amar. Amar não é fácil. É difícil saber dar amor; é difícil saber receber amor. Amor chega, amor vai embora. Ou não.

No silêncio noturno e solitário dentro de um ônibus que rasga a madrugada ou sobre cama ruidosa e suada, é o amor que age, que vai fazendo com que vivamos, dos gestos mais simples aos mais retumbantes, por ele. Tudo é por amor. Contudo, posso estar enganado. Talvez nem tudo seja por amor. Mas deveria. 

31/12/2014

Bruno Fontoura, compositor patense, canta: “Faça tudo cedo / Deixe todo enredo ficar pra trás”. Amanhece o dia. Nova trama. Novo enredo. Essas letras vão desembocar lá em 2015. 

SIM, NÓS TEMOS HOLOCAUSTO


Uma mulher é internada num hospício depois de ter sido estuprada pelo patrão. Uma outra pessoa é internada por ser tímida. Outra, por ter perdido a carteira... Setenta por cento dos internados não tinham diagnóstico de doença mental. 

São histórias que estão em “Holocauto brasileiro” (publicado pela Geração Editorial), de Daniela Arbex. Ela escreveu um livro tão importante, que ele deve ser lido não somente por aqueles que se interessam pelo que se considera a loucura. “Holocausto brasileiro” deve ser lido por quem se interessa por gente. Se não é esse seu caso, insisto: o livro deve ser lido por quem é gente. 

Há um dado na capa do livro: “Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”. O número se refere aos mortos em Barbacena/MG, no hospício conhecido como Colônia. No auge do extermínio, o lugar chegou a ter dezesseis mortes por dia. 

O texto de Daniela Arbex, bem como as fotos de Luiz Alfredo, publicadas originalmente na revista O Cruzeiro, contam uma história sinistra que perpassou boa parte do século XX. Com sensatez e inteligência, Arbex não se rende ao sensacionalismo: em meio a relatos de vidas dilaceradas no hospício, não deixa de trazer à tona a capacidade que o ser humano tem de ser magnânimo — há histórias grandiosas no livro da jornalista. 

O genocídio sistematizado em Barbacena revela conivência de médicos, de funcionários da instituição e da população. Ao mesmo tempo, conta-se a atuação de alguns médicos, de alguns funcionários e de quem não gravitava na Colônia para que os pacientes de lá não precisassem nem comer ratos nem beber urina. Algumas mães, a fim de protegerem a gestação, passavam fezes no corpo, para não serem molestadas. 

Arguta, Arbex adverte: “Ontem foram os judeus e os loucos, hoje os indesejáveis são os pobres, os negros, os dependentes químicos”. “Holocausto brasileiro” evidencia o que o ser humano é capaz de fazer quando, movido por ódio ou ignorância, sente-se apto a realizar uma limpeza social, decidindo, arbitrariamente, quem pode e quem não pode estar em sociedade. “Holocausto brasileiro” é um livro fundamental. Leia.