quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

SIM, NÓS TEMOS HOLOCAUSTO


Uma mulher é internada num hospício depois de ter sido estuprada pelo patrão. Uma outra pessoa é internada por ser tímida. Outra, por ter perdido a carteira... Setenta por cento dos internados não tinham diagnóstico de doença mental. 

São histórias que estão em “Holocauto brasileiro” (publicado pela Geração Editorial), de Daniela Arbex. Ela escreveu um livro tão importante, que ele deve ser lido não somente por aqueles que se interessam pelo que se considera a loucura. “Holocausto brasileiro” deve ser lido por quem se interessa por gente. Se não é esse seu caso, insisto: o livro deve ser lido por quem é gente. 

Há um dado na capa do livro: “Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”. O número se refere aos mortos em Barbacena/MG, no hospício conhecido como Colônia. No auge do extermínio, o lugar chegou a ter dezesseis mortes por dia. 

O texto de Daniela Arbex, bem como as fotos de Luiz Alfredo, publicadas originalmente na revista O Cruzeiro, contam uma história sinistra que perpassou boa parte do século XX. Com sensatez e inteligência, Arbex não se rende ao sensacionalismo: em meio a relatos de vidas dilaceradas no hospício, não deixa de trazer à tona a capacidade que o ser humano tem de ser magnânimo — há histórias grandiosas no livro da jornalista. 

O genocídio sistematizado em Barbacena revela conivência de médicos, de funcionários da instituição e da população. Ao mesmo tempo, conta-se a atuação de alguns médicos, de alguns funcionários e de quem não gravitava na Colônia para que os pacientes de lá não precisassem nem comer ratos nem beber urina. Algumas mães, a fim de protegerem a gestação, passavam fezes no corpo, para não serem molestadas. 

Arguta, Arbex adverte: “Ontem foram os judeus e os loucos, hoje os indesejáveis são os pobres, os negros, os dependentes químicos”. “Holocausto brasileiro” evidencia o que o ser humano é capaz de fazer quando, movido por ódio ou ignorância, sente-se apto a realizar uma limpeza social, decidindo, arbitrariamente, quem pode e quem não pode estar em sociedade. “Holocausto brasileiro” é um livro fundamental. Leia.

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