Uma colega de trabalho me emprestou o livro Enquanto Eu Respirar, de Ana Michelle Soares, publicado pela Sextante. É sobre a convivência da autora com o câncer.
Quando comecei a ler, logo gostei de como Ana Michelle Soares, ou AnaMi, como ela gosta de ser chamada, não quis soar profunda nem quis soar literária em sua escrita. Justamente por assim escrever, o livro, em sua “simplicidade”, torna-se denso, bonito, triste, comovente. Outro grande mérito de Ana Michelle Soares é não cair num mequetrefe discurso de autoajuda nem cair em pobre pieguice.
O livro é triste e é bonito. Na vida, tristeza e boniteza não se excluem. A autora narra, com uma pitada de humor aqui e outra ali, que ter câncer não é o mesmo que assinar uma sentença de morte, ainda que se tenha plena consciência de que ela, a morte, possa vir antes do que se imaginava. O belo paradoxo narrado em Enquanto Eu Respirar é o de que a real consciência da finitude é libertadora.
Sempre digo que escrever um livro é um ato a favor da vida, um ato de crença na vida. Nesse sentido, a mera existência de Enquanto Eu Respirar é um atestado de fé; valho-me da palavra “fé” não no sentido religioso, cristão, mas uma fé que se faz no dia a dia porque a pessoa se dá conta de que a vida, apesar de todos os pesares, é um troço que vale a pena ser vivido.
A autora dedica grande parte do livro a relatar a amizade com Renata, carinhosamente chamada de Rê, que também tinha câncer. É emocionante acompanhar a convivência entre as duas, o amor de uma pela outra, ambas frequentemente às voltas com sessões de quimioterapia ou com outros procedimentos relacionados ao tratamento.
Por isso de que já falei, o livro já valeria a pena. Mas, há mais. Enquanto Eu Respirar, sem cair em conselhos bobos ou cheios de pseudossabedoria, alerta-nos para o quanto perdemos tempo com coisas que não têm importância alguma. Num sentido amplo, em seu jeitão simples e despojado, o livro nos conclama a amar, a mergulhar na vida, a não adiar sentimentos e a dar valor nas coisas ditas simples. Para quem está doente, uma brisa pode ser uma dádiva, mas por que precisamos ficar doentes para percebermos que a brisa é uma dádiva?
Outra questão mencionada no livro é o quanto alguns médicos ainda vacilam por não enxergarem no doente não uma estatística, não um número, não um entrave para o plano de saúde. Por um lado, há doentes que não facilitam tratamentos; por outro, há médicos que não entendem que no corpo com câncer ou com qualquer outra doença, mora um ser humano. Uma sintonia entre médico e paciente é possível.
Os trechos em que a relação médico-paciente é desenvolvida pela autora remeteram-me às obras de Oliver Sacks (um de seus livros é inspiração para o filme Tempo de Despertar) e ao livro Sem Causar Mal, escrito por Henry Marsh, médico inglês. Tanto Sacks quanto Marsh entenderam que um corpo doente é tão belo quanto qualquer outro corpo.
Essa atmosfera paira em Enquanto Eu Respirar. Os que se interessarem pelo livro podem também conferir o perfil @paliativas, mantido por Ana Michelle Soares, no Instagram. Ela escreveu em seu livro: “É triste não poder falar sobre amor”. Por isso mesmo, Enquanto Eu Respirar é um livro feliz, pois é um livro que exala amor.
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