Tendo lido A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado, do Jessé Souza, publicado pela editora Leya, não vacilo em inseri-lo na galeria de nomes como o de um Darcy Ribeiro, autor do imprescindível e brilhante O povo brasileiro. Ribeiro foi importante para a época e ainda é importante para se entender o Brasil. Souza é importante e seguirá sendo pela mesma razão.
Também do Jessé Souza, falta eu ler A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite e A elite do atraso: da escravidão à lava jato, que tenho aqui perto de mim enquanto digito este texto. Embora A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado não tenha a palavra “elite” no título, a obra é dedicada a esmiuçar os mecanismos pelos quais uma meia dúzia de endinheirados (que Jessé Souza considera ser a verdadeira elite do dinheiro) conseguiu incutir na tradicional classe média, que se julga mais refinada do que realmente é e mais inteligente do que do que de fato é, a bandeira da luta contra a corrupção, quando, de fato, no entender de Jessé Souza, o único interesse das aves de rapina da elite endinheirada foi o de sempre: saquear o país mais uma vez.
O texto de Jessé Souza é claro, direto, elegante. Ele não usa eufemismos, mas não está preocupado com polêmicas bobas nem com soar bombástico. Dizendo o que tem de ser dito de modo simples, Souza questiona bases do pensamento político e econômico brasileiro como, por exemplo, a edificada por Sérgio Buarque de Hollanda. Nem preciso dizer que Jessé Souza não cai na armadilha boba de querer soar iconoclasta em relação aos que critica.
Jessé Souza escreve: (...) “Os setores da classe média, que se julgam bem-informados por consumirem sua dose diária de veneno midiático, e se deixam manipular pelos endinheirados e seus interesses, não são tão inteligentes e racionais como se acreditam” [1]. Não sendo tão inteligentes quanto pensam que são, vestiram camisetas da CBF, bateram panelas e foram a passeatas, supostamente se manifestando contra a corrupção, quando, na visão de Jessé Souza, com a qual concordo, estavam apenas a serviço da mídia, que, por sua vez, está a serviço da elite do dinheiro, que, por sua vez, está apenas interessada em um modo de, mais uma vez, lesar o país; dessa vez, é com a roupagem do discurso anticorrupção.
Na visão de Jessé Souza, a classe média brasileira comprou fácil esse discurso por motivos conscientes e inconscientes. Dentre os motivos que podem ser rastreados, Souza menciona nosso vergonhoso passado de escravidão, que não é tão infame assim para setores dos endinheirados e da classe média. Além do mais, manipulada pela mídia, que é regida pela elite do dinheiro, “uma fração significativa da classe média interpretou o incômodo da maior proximidade física das classes populares em espaços sociais de consumo antes exclusivos da classe média como o primeiro passo de um processo que podia significar uma ameaça aos privilégios reais de salário e prestígio. Esse aspecto é irracional, já que a qualidade da incorporação do capital cultural típico da classe média é outro” [2].
Numa obra desse teor, natural que Jessé Souza critique a tão elogiada meritocracia. Valendo-se de argumentos sociológicos, o autor ataca a falácia de que a classe média se dá bem em termos financeiros porque é inteligente e trabalhadora, e que o pobre não consegue patamar de vida melhor porque é burro e preguiçoso.
Contundente e acessível, Jessé Souza vai juntando as peças do Brasil atual e compõe um painel lúcido, diante do qual é impossível ficar indiferente. Tenho dito que o Brasil está pagando caro (e vai pagar mais caro ainda) por um antiesquerdismo ora doentio ora interesseiro. Livros como o de Jessé Souza advogam não a favor de um partido, mas do povo brasileiro. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado escancara como a elite do dinheiro está mais uma vez, de modo canalha, minando o país para ter lucro agora. No jogo atual, estão dando a ideia de que tudo é em nome da moralidade, das pessoas de bem, da luta contra a corrupção.
É um livro que, se por um lado, deixa o leitor com nojo das artimanhas dos endinheirados, por outro, envia um sinal de esperança. Quem nunca engoliu o discurso de que tudo o que tem sido feito é para combater a corrupção não está sozinho. E quando um Reinaldo Azevedo aponta as incongruências jurídicas da galera do TRF4, isso torna a leitura de um Jessé Souza uma necessidade e uma inspiração. Que ele e a editora Leya prossigam com o trabalho que têm feito.
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[1] Souza, Jessé. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro. Leya. 2016. Pág. 84
[2] Idem. Pág. 85.
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