domingo, 21 de setembro de 2008

A TROCA DA PASTA DENTAL

Eu estava num supermercado, já no caixa. Antes, eu havia procurado por uma determinada marca de pasta dental, que não estava na prateleira. Uma funcionária me explicou que a marca estava na parte da frente do supermercado. Fui então pagar as poucas mercadorias que já havia comprado. Enquanto a atendente do caixa ia passando os produtos pelo leitor de códigos de barra, perguntei para ela se o pagamento da pasta dental deveria ser feito ali ou aonde eu deveria ir pegá-la.

O pagamento deveria ser ali mesmo. Fui até o local e apanhei a pasta dental. Havia pouca gente no supermercado, que estava prestes a ser fechado. Voltei para o caixa. Por falta de troco, a funcionária que estava me atendendo pediu a uma outra que fosse conseguir moedas. Enquanto esta se distanciava, a atendente comentou comigo que a pasta dental que eu queria teve de ser mudada de lugar porque estava se tornando comum a troca de pastas dentais: o freguês pegava uma pasta dental cara e a colocava na caixa de uma mais barata. Na hora de pagar, levava para o acerto a caixa da pasta dental mais barata, que continha, na verdade, a mais cara. Em virtude disso, a pasta dental mais cara passou a ser vendida na parte da frente do supermercado, pois ela é agora entregue ao freguês por uma funcionária.

Aguardando ainda a vinda do troco, eu e a atendente começamos a conversar sobre a prática das trocas. Ela, num tom calmo, disse: “Não entendo esse povo que rouba essas ninharias. Meu pai me dizia que a gente nunca deve roubar nada – nem se for pra ficar rico”. Talvez percebendo meu interesse na conversa, ela prosseguiu: “O pior é que essas pessoas que roubam mixarias são aquelas que depois falam mal dos políticos. É claro que os políticos roubam, mas não são os únicos. Numa boa? O cara que troca uma pasta dental num supermercado e vai embora se achando o máximo é igualzinho aos políticos corruptos que ele se sente no direito de criticar. O brasileiro não consegue olhar para o próprio umbigo. Acho isso muito esquisito. O sujeito leva vantagem em um real, acha isso o maior vantajão e sai contando pros amigos. Se tivesse a chance, ele também roubaria os milhões que os políticos roubam”. Nisso, a garota com o troco chegou. Eu me despedi das funcionárias e vim embora.

4 comentários:

Anônimo disse...

Estava eu a surfar nessa grande rede de informações até que me deparo com um grande texto, não sou um fã de grandes textos, mas seu título, por algum motivo que não sei porque, me atraiu. Talvez por saber qual seja sua pasta dental favorita, a qual você é tão 'loyal'.
Por fim, a conclusão: estamos em um país ou em um cortiço?

Lívio disse...

Num cortiço, Gabriel.

Anônimo disse...

Lívio,
O que mais gostei no texto "A troca da pasta dental" é que o narrador não se posiciona, apenas projeta uma ideia (forte, questionadora) a uma personagem que, a princípio, não seria o ponto de partida de uma grande reflexão política sobre o país. Mas acaba sendo. Parabéns pelo texto.
Luís André

Lívio Soares de Medeiros disse...

Valeu pelo comentário, Luís André.