Em Dubai, nem todos os fogos são de artifício. E todos queimam ao mesmo tempo. 2016 começou.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
PARA CARLOS
João atira pérolas aos porcos sabendo serem pérolas.
Teresa atira pérolas aos porcos supondo serem pedras.
Raimundo atira pedras aos porcos supondo serem pérolas.
Maria atira pedras aos porcos sabendo serem pedras.
Joaquim se matou por não ter conseguido transformar pedras em pérolas.
Lili e J. Pinto Fernandes criam porcos.
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TITO E O PNEU
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Tito (meu cachorro)
DIÁLOGO POP
— Cara, você sabia que o vocalista do Wallflowers é filho do Bob Dylan?
— E o que você quer dizer com isso?
— Eu quero dizer com isso que o Bob Dylan é pai do Jakob Dylan.
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EMPREENDER COM EMOÇÃO
Houve uma época em que a expressão “inteligência emocional” se espalhou mais do que o mosquito da dengue, num tempo em que este não se espalhava tanto como hoje. A tal da inteligência emocional foi um modismo. Não que o conceito estivesse errado (há séculos, sabe-se que a inteligência abarca mais do que habilidades com números), mas era apenas uma expressão marqueteira para se referir a ideias antigas, que há séculos habitam, por exemplo, o mundo da literatura. O engodo reluziu: a inteligência emocional vendeu livros, invadiu as escolas. A estratégia de dar nomes novos para coisas velhas passa, para os desavisados, a ideia de que estão antenados com o que há de mais ousado e inédito, quando estão, na verdade, revisitando (mal) velhos terrenos. Isso deu lucro.
Hoje em dia, a palavra da moda é “empreendedorismo”, que tem se espalhado mais do que o mosquito da dengue, num tempo em que este se espalha muito. O tal do empreendedorismo é um modismo. Não que o conceito esteja errado (há séculos, sabe-se que é preciso criar o novo e ter conhecimento), mas é apenas um termo marqueteiro para se referir a ideias antigas, que há séculos habitam, por exemplo, o mundo dos negócios. O engodo reluz: o empreendedorismo vende livros, invade as escolas. A estratégia de dar nomes novos para coisas velhas passa, para os desavisados, a ideia de que estão antenados com o que há de mais ousado e inédito, quando estão, na verdade, revisitando (mal) velhos terrenos. Isso dá lucro.
APONTAMENTO 308
Amor calado faz barulho em quem o cala.
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LEITURA MÉDICA
Ontem, li uma entrevista com Kate Edgar, que trabalhou com Oliver Sacks, o qual já mencionei em alguns textos meus. Sempre que falo de Sacks, chamo a atenção para o seguinte: ele tratava seus pacientes como... gente. É o que tem faltado para muitos médicos. Eles parecem se esquecer de que diante deles há, “simplesmente”, outra pessoa.
Mas o parágrafo anterior é para dizer que o Jung, numa frase, resume o que deveria ser a postura médica: “Não é o diploma médico, mas a qualidade humana, o decisivo”. A impressão que muitos médicos têm deixado é a de que negligenciam os pacientes. Será que a leitura de profissionais como Sacks e Jung poderia sensibilizá-los? Minha premissa é ao mesmo tempo uma esperança — a de que o interesse por humanistas pudesse levá-los à qualidade humana a que se refere Jung.
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terça-feira, 29 de dezembro de 2015
CEIA
Vinte e quatro de dezembro.
Mesa farta.
Comensais, idem.
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NO CONSULTÓRIO (5)
— Por que você parou de escrever?
— Quando eu escrevia, eu queria que as pessoas me amassem.
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NO CONSULTÓRIO (4)
— O que você acha que o ano novo trará?
— Janeiro.
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NO CONSULTÓRIO (3)
— Se eu não fosse tão inseguro, eu poderia ser uma espécie de Oscar Wilde.
— Ser uma espécie de Oscar Wilde requer coragem.
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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
CONTO 83
Maciel sempre relê “As relações perigosas”. Desde a primeira leitura, marca com chave, o sinal adotado na matemática, os trechos de que gosta. A cada releitura, novas marcações. Veio o tempo em que não sobrara nenhuma linha ou nenhum trecho sem chave. Há pouco, Maciel começou a ler o livro outra vez. Já inseriu o primeiro colchete.
domingo, 27 de dezembro de 2015
OS FEIOS
A linda morena, de Búzios, e o namorado dela, também de lá, estão visitando a cidade. No meio da conversa, ela declara: “Patos de Minas é uma cidade de homens feios. As mulheres são bonitas, mas os homens são muito feios. Que cidade de homens feios!”. Fiquei tão desconsertado com o vaticínio dela, que estou cogitando me mudar de Patos, na tentativa de ficar bonito.
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HOLANDA PODE PAGAR SALÁRIO A CIDADÃOS
Utrecht, cidade na Holanda, e mais dezenove municípios de lá estão aventando a possibilidade de pagar salário a todos os cidadãos, estejam eles trabalhando, estejam não trabalhando. Uma das intenções, caso a proposta se efetive, é dar a oportunidade para que as pessoas possam escolher o tipo de trabalho que querem ter.
Heleen de Boer, que tem atuação política na Holanda, alega que as pessoas não vão ficar assistindo à TV se receberem dinheiro do governo. O argumento dela é bonito, humanista: “Precisamos confiar nas pessoas”. Para mais informações, clique aqui.
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APONTAMENTO 307
À capacidade de criar o mal, chamam de demônio. À capacidade de criar o bem, chamam de deus. O homem tem as duas capacidades em si. Se as há fora do homem, não sei. Do que sei, é que uma ida à esquina mais próxima prova que a capacidade de criar o mal tem tido mais sucesso do que a capacidade de criar o bem.
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sábado, 26 de dezembro de 2015
(DES)APONTAMENTO 47
“Belos e malditos”, gravada pelo Capital Inicial, cuja letra é do Renato Russo, é sobre o mito da taverna.
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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015
PROMESSAS NOTURNAS
O céu escureceu.
A partir de agora,
tudo aquilo que a noite promete,
mas que a vida nunca cumpre.
Sussurros, apelos, suores...
Mas é para casa que as pessoas voltam.
A noite é aquilo que a vida deveria ser.
Utopia feita de corpos, luzes, músicas, álcool e semitons.
Depois, silêncio espesso.
Mas não esmorecemos.
A noite há de voltar.
Voltaremos nós para suas promessas.
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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
ANÚNCIO PUBLICITÁRIO
Leia a paciência.
Leia a ciência.
Leia a calma.
Leia a alma.
Leia a escanção.
Leia a canção.
Leia o confrade.
Leia o frade.
Leia o imundo.
Leia o mundo.
Leia o ateu.
Leia o teu.
Leia a procela.
Leia a cela.
Leia o vulcão.
Leia o cão.
Leia o ardor.
Leia a dor.
Leia o café.
Leia a fé.
Leia o Chico.
Esqueça o fuxico.
Leia o oblívio.
Leia o Lívio.
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(DES)APONTAMENTO 46
Primeiro, dispensou o Rodrigo Constantino; depois, deletou os textos dele do “site”. Até a Veja tem assomos de lucidez.
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Rodrigo Constantino
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
CARTEIRADA
O Brasil é pleno de patrões, autoproclamados paladinos da honestidade, que não assinam a carteira de trabalho dos funcionários com o valor real recebido pelos empregados. Só para constar: isso já ocorria antes de 2003.
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AT WORK
Eu me culpo quando não gosto de uma banda legal. Men at Work é show de bola. Não curto. Não me desculpo.
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MEIA-NOITE
Felicidade tem pressa
quando não vivenciada.
Estendamos o prazer.
Desdita é não saber
a transcendência que uma canção excita.
Somos bem-aventurados e gratos.
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terça-feira, 22 de dezembro de 2015
ABERTURA
Não há janela que não me faça lembrar de ti.
Que exista janela que se abra para o mundo.
Que exista janela que se abra para nossa casa.
Fiz projeto, medi a área, comecei a assentar alvenaria.
Com janela, a parede se enche de possibilidades.
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CHIQUE
Chico é chique.
Em Patos ou em Paris.
No Rio ou em São Paulo.
Agredir não é tomar partido.
Chico é chique.
Tem mais o que criar.
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APONTAMENTO 306
Em minha vida, com os que quero bem, sou verborrágico. No que escrevo, sou contido. Aborreço os amigos; tento não aborrecer o leitor.
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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015
APONTAMENTO 305
Quem volta não partiu.
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HAICAI 45
Agulhas apontam para o céu.
Estoicamente, ela as pisa.
Não há queixa nem escarcéu.
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APONTAMENTO 304
A feitura precisa estar à altura da ideia.
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HAICAI 44
Pipocam os celulares.
Mas, em feio às festas,
são poucos os lares.
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sábado, 19 de dezembro de 2015
HERÁCLITO
No limiar, esquecido de todo mistério,
refugiou-se em silêncio líquido e espesso,
mergulhando hábil nas águas do rio.
Do outro lado, acolhido pela margem,
voltou, mergulhado em todo mistério.
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"MIDNIGHT IN HARLEM"
Há momentos em que não tenho estrutura para o tamanho da beleza. Choro. Essas lágrimas são muito bem-vindas; são vislumbres de uma utopia, da possibilidade um mundo melhor, de uma beleza alcançável. Eu escutei, eu chorei, eu saí pulando, eu fiquei louco, eu urrei, eu devaneei. Nunca mais vou parar de escutar “Midnight in Harlem”.
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NOSSA EXPRESSÃO SOCIAL
Baldassare Castiglione publicou, em 1528, o livro “O cortesão”, que contém regras de como o nobre deveria se comportar em público. Trata-se de um manual de etiqueta para a nobreza renascentista. Num trecho, escreve Castiglione:
“Muitos existem que pensam fazer muito, desde que copiem um grande homem em alguma coisa; e muitas vezes se apegam ao que neles é apenas um vício. Mas, tendo eu várias vezes pensado de onde vem essa graça, deixando de lado aqueles que nos astros encontraram uma regra universal, a qual me parece valer, quanto a isso, em qualquer outra, a saber: evitar ao máximo, e como um áspero e perigoso escolho, a afetação; e, talvez, para dizer uma palavra nova, usar em cada coisa uma certa sprezzatura [displicência] que oculte a arte e demonstre que o que se faz e diz é feito sem esforço e quase sem pensar. É disso, creio eu, que deriva em boa parte a graça, pois das coisas raras e bem feitas cada um sabe as dificuldades, por isso nelas a facilidade provoca grande maravilha; e, ao contrário, esforçar-se, ou, como se diz, arrepelar-se, produz suma falta de graça e faz apreciar pouco qualquer coisa, por maior que ela seja. Porém, pode-se dizer que é arte verdadeira aquela que não pareça ser arte; e em outra coisa não há que se esforçar, senão em escondê-la, porque, se é descoberta, perde todo o crédito e torna o homem pouco estimado” [1].
O conceito da “sprezzatura” sempre me instigou. A princípio, ele me chamou a atenção, sem que eu soubesse exatamente o motivo pelo qual isso ocorrera. Os anos se passaram, sem fazer com que a ideia de Castiglione deixasse de me ocorrer com muita frequência.
Nela, o escritor advoga que, em público, as atitudes do nobre devem ter aspecto espontâneo, quando, na verdade, são estudadas, treinadas. Antes de atuar no teatro social, o nobre era orientado. Uma vez em sociedade, a graciosidade e o espírito arguto e refinado pareciam ser naturais, não pareciam ter sido exercitados de antemão, como se a graça e o refinamento fossem inerentes ao nobre.
Uma das coisas que sempre me chamaram a atenção na “sprezzatura” é que, em certo sentido, ela não deixou de existir. Se por um lado Castiglione tenha escrito seu livro para uma classe social do Renascimento, por outro, a convivência social requer de nós pose e “teatro”. Quer-se passar a ideia de espontaneidade e de ausência de afetação (nem sempre com sucesso), mesmo ciente de que tal comportamento é consequência de atitude premeditada. O contexto é outro, as classes sociais são outras; a essência da “sprezzatura” é a mesma.
Outra coisa que me instiga nela é a questão de que não somente a espontaneidade tem o potencial para ser encantadora (embora, em público, eu suponha que espontaneidade absoluta seja impraticável — a não ser pelos loucos): há um encanto advindo da técnica, da prática, do treino, do estudo, do polimento. É verdade que a espontaneidade pode ser cativante, mas isso não aniquila a possibilidade que o não espontâneo tem de ser atraente.
_______________
[1] CASTIGLIONE, Baldassare, 1478-1529. O cortesão / Baldassare Catiglione. Tradução Carlos Nilson Moulin Louzada. São Paulo. Martins Fontes. 1997. Pp. 40-41.
NANDO REIS E O SUCESSO
Há um tempão estou querendo escrever sobre o Nando Reis, em função da genuína admiração que tenho pelo trabalho dele. Já cheguei a rabiscar apontamentos sobre o trabalho do cantor e compositor em pedaços de papel. Esses apontamentos se perderam, o texto não foi escrito. Padeço de procrastinação mórbida.
É assombroso o quanto Nando Reis é capaz de fazer canções populares, com refrões e melodias grudentos, que têm uma excelência avassaladora. Ele é um criador de sucessos. Há nele um popular e apurado senso poético; tudo isso desemboca em obras-primas extremamente cantáveis.
A música popular (ou o pop, como queira) não raro é execrada por alguns, que partem do estranho princípio de que se é popular, é ruim. Admitir que há obras-primas na canção popular não é o mesmo que ser condescendente com o de ruim que esse tipo de canção produz.
Há muita coisa ruim que faz sucesso, mas isso não é o mesmo que dizer que tudo o que faz sucesso é ruim. Nando Reis é sucesso; é excelente. O que lamento não é a música popular fazer sucesso, mas não haver mais canções populares de outros mestres sendo conhecidas.
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APONTAMENTO 303
Podemos até contar os segundos, mas o que acerta os ponteiros é a vida.
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DOIS INTEIROS
Ele é pleno.
Ela é plena.
Fazem um
amor cheio
de plenitude.
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OFERTA
Das coisas possíveis,
tu és meu romance.
Das improváveis,
meu desejo.
Das coisas do tato,
tu és a pele sonhada.
Das coisas do verso,
teu é o poema concebido.
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LETRA DE MÚSICA 39
Todo mundo é um relicário,
mas nem todo mundo sabe
dos tesouros que tem em si.
Eu conto as gotas que caem da chuva.
Elas se tornaram tempestade,
mas eu não perdi a conta.
Eu conto os segundos para o trovão.
Eu me esqueci de estar na chuva para me molhar.
Bonito é dar certo, bonito é gostar de si.
Tu me contas de ti sem te saberes meu espelho.
A infelicidade que carregas é a que levo.
As paredes da sala não revelarão nosso segredo.
O pai que não fui quer te pegar pela mão e te guiar.
Eu nunca soube jamais o que fazer do que sou,
mas enxergo o ouro que não vislumbras em ti.
Eu vou ficar bonito como quem se ama.
Serei exemplo, pois tua beleza merece ser amada por ti.
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APONTAMENTO 302
Escrevo com uma ilusão: a de ser para algum leitor do futuro tão mágico quanto Borges é para mim. Borges mais do que me torna leve (o que já seria muito). Borges me deixa feliz, enleva-me. Não me canso de escrever sobre ele, não me canso de ler o que ele escreveu: a felicidade genuína não cansa, mas, sim, revigora o enlevo a cada releitura.
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APONTAMENTO 301
Se os livros não existissem, minha vida seria insuportável.
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terça-feira, 15 de dezembro de 2015
#OCUPACBF É HOJE À TARDE
O Bom Senso F.C. se compõe de jogadores e ex-jogadores de futebol. O grupo tem a intenção de propor caminhos modernos para o esporte. É claro que a Confederação Brasileira do Futebol (CBF) não o apoia. Para hoje, às 15h, está programado o #OcupaCBF, ato público que ocorrerá no Rio de Janeiro, diante da sede da entidade. Grandes nomes do esporte brasileiro estão apoiando o #OcupaCBF. Zico é um deles.
O próprio Bom Senso F.C. não descarta a possibilidade de ter um candidato à presidência da CBF, que mantém, há décadas, um modo de trabalho corrupto e antiquado. Como o modus operandi da CBF tem tentáculos nas federações e apoios dos cartolas do futebol, parece-me pouco provável que um candidato do Bom Senso vença as eleições; isso, obviamente, não é razão para que esse candidato não seja apresentado.
O Bom Senso F.C. é um alento, bem como é um alento o #OcupaCBF, que contará com a (já anunciada) cobertura da ESPN Brasil. Caso você se interesse por futebol, acompanhe a cobertura pelo canal, pois o SporTV pertence às organizações Globo, e a família Marinho é notória por não praticar jornalismo, mas interesses próprios e entretenimento imbecil e alienante travestido de trabalho jornalístico.
Gosto de futebol. Devaneio com o dia (que não virá) em que o torcedor compreendesse que é preciso tirar os calhordas da CBF do poder. Enquanto isso, que haja movimentos como o #OcupaCBF, que haja a cobrança e os protestos sugeridos pelo Bom Senso F.C. Em minha cabeça, não deixo de conceber um dia em que o torcedor boicote os estádios. Mesmo ciente de que isso não virá, fica o marcador: #Desocupaoestádio.
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domingo, 13 de dezembro de 2015
APONTAMENTO 300
Desde que cumpridas algumas protocolares, bobas e chatas obrigações civilizatórias, não deixe de achar um jeito de soltar a besta que há em você.
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(DES)APONTAMENTO 45
Sou um incompetente: não tenho a menor ideia do que fazer com o que sou.
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APONTAMENTO 299
O envolvimento não garante o gostar, mas não há gostar sem envolvimento. Onde não havia gostar, pode haver, desde que haja envolvimento. De imediato, pode haver uma fagulha que leve ao desejo de convivência; pode-se sentir uma atração imediata por algo ou por alguém. Isso, todavia, ainda não é envolvimento. Além do mais, é exatamente o envolvimento que pode fazer com que a fagulha inicial não vire chama.
Por outro lado, mesmo não tendo havido tal fagulha, o envolvimento pode levar à chama, à amizade, à paixão, ao amor. É possível passar a gostar ou a amar sem que, de início, nada tenha sido sentido ou pressentido. Há um desejo de proximidade que pode ir num crescendo à medida que nos envolvemos. Temos o poder de nos envolvermos. Por vezes, ele leva a outro poder, que é o de amar. Faz todo sentido dizer: passou a amar porque se envolveu.
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PALAVRA POR PALAVRA
Lendo o livro “Essa estranha instituição chamada literatura”, que contém uma entrevista com Jacques Derrida, deparo-me, na introdução, escrita por Evando Nascimento, com o instigante trecho: “Um dia a literatura poderá desaparecer (talvez já esteja desparecendo, submersa num contexto hipermidiático e hipermercadológico), pois não passa de uma simples inscrição, um traço discursivo diferencial”. O trecho é de Nascimento.
A literatura, tal como é configurada hoje, pode acabar. O que não pode acabar é a palavra. A princípio, o enunciado é paradoxal. É que estou considerando literatura não qualquer enunciado produzido a partir da palavra. Num sentido bem amplo, se há palavra, há literatura. Assim, um texto publicitário poderia ser considerado literatura, desde que nele houvesse palavra(s).
Chamo de literatura, numa definição rápida e simples, a literatura de imaginação; levo em conta textos ficcionais, poéticos; textos “inúteis”, no sentido da gratuidade com que podem ser escritos. Em suma, textos sem função mercadológica, ainda que posteriormente o autor venha a lucrar com eles. Essa literatura talvez acabe; a habilidade ao lidar com a palavra não pode acabar.
O manejo da palavra pode levar à clareza de pensamento, à lucidez. Muitas vezes não se tem uma noção clara das coisas exatamente por não se ter a capacidade de lidar com essa coisa por intermédio da palavra. Sim, há o inefável, mas se não se acha sequer uma tentativa de se transmiti-lo, ele morre com quem passou por ele. É preciso que se tente dizer, ainda que o inefável seja o que se esteja tentando dizer. A palavra é um meio de dizer. Um meio para a compreensão, a clareza.
Não considero perigoso não haver literatura; considero perigoso não haver palavra. Ou, igualmente perigoso, haver palavra somente para alguns; mais perigoso ainda, se esses alguns tiverem pretensões de poder. É preciso buscar, não necessariamente a literatura, mas a palavra. Sem ela, é-se vítima fácil, e quem tem interesse em vitimar ou dominar não se furtará a usar a palavra como uma das ferramentas. A palavra é para todos, pois todos podem se tornar melhores e mais inteligentes com ela.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
SEDES
A garganta acusa o desejo pela água,
mas a sede está no corpo todo.
O boca acusa o desejo pelo beijo,
mas a sede é do corpo todo.
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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
A QUE LUTA
Em noites insones,
ia do asfalto
às estrelas.
Em certa
madrugada,
perdeu o sono,
perdeu o juízo.
Mas só depois
de perder o medo,
achou-se.
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APONTAMENTO 298
A vida já é cheia demais do que poderia ter sido. Capricha no que é.
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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
COMO CONQUISTAR UM CLIENTE
1
Há uns quinze anos, entrei em uma loja para comprar um equipamento de som. Já na hora do pagamento, a gerente, que eu já conhecia, inicia com o vendedor um teatrinho:
— Uai, Fulano, você tem certeza de que o preço tá certo? Tá muito barato, não?
O vendedor, já devidamente amestrado pelos empreendedores, cumpre o papel dele exigido: maneja alguns papéis, finge estar consultando tabelas; por fim, diz à gerente:
— Conferi aqui; o preço é esse mesmo.
Quase pedi aos dois que parassem com aquele teatro fajuto, pois eu levaria o equipamento de som. Além do mais, por eu já conhecer a gerente, não esperava aquela atitude vindo dela. Levei o som. Nunca mais voltei à loja.
2
Hoje pela manhã, entrei em uma mercearia para comprar café, arroz e açúcar. O arroz era de marca desconhecida por mim. Ao perguntar a um rapaz se a marca era boa, ele pergunta para uma senhora, não sei se exercendo truquezinho de vendedor:
— Mãe, lá em casa a gente usa este arroz aqui, não é?
— Não. Lá em casa eu uso marca melhor.
Eu trouxe para casa o café e o açúcar. Mesmo não tendo trazido o arroz, a mercearia ganhou um cliente.
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domingo, 6 de dezembro de 2015
APONTAMENTO 297
Quando se ama, qualquer palavra ou manifestação vinda do ser amado assume significado transcendental. O que vem do ser amado eleva, por mais banal que seja. Um “bom-dia” via celular, um doce, o simplesmente estar perto de quem tanto se quer. A voz, a pele, o som da risada, o jeito de caminhar, os gestos, os talentos. As coisas que compõem o que a pessoa é significam demais para quem contempla; diante do ser amado, pacifica-se, agita-se, sonha, perde-se; longe dele, pacifica-se, agita-se, sonha, perde-se, comprazendo-se no desassossego. Quem ama quer falar do amor que sente. Se não pode fazê-lo, quanto mais se cala, mais sente necessidade de manifestar o amor sentido. Quando conversa com alguém, quer achar um modo de falar nem que seja o nome de quem se ama, pois é sempre gostoso pronunciar o nome de quem se ama.
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VASCO NA SÉRIE B
O Vasco é grande, é maior do que qualquer cartola, mas, neste momento, tem o tamanho de seu presidente.
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APONTAMENTO 296
Nunca nutri grandes esperanças nem quanto à humanidade nem quanto aos desígnios da vida, se é que os há. Há em mim um intenso sentimento de resignação; todavia, do outro lado da moeda, um intenso desejo de rebeldia. Eu me rebelo contra, para me valer de uma expressão do Drummond, o “sistema de erros” do mundo, mesmo sem nutrir expectativas quanto à mudança de atitude na pequenez do homem. Essa minha inútil rebeldia convive com a profunda certeza de que nada vai mudar. Se mudar, será para pior. Mas sei que minha rebeldia não se calará. Ela não deixa de ser uma espécie de esperança. Inútil. Mas esperança. É paradoxal, mas é assim. Apesar de minha resignação, eu me rebelo, também numa tentativa de me sentir mais próximo de outros que já se rebelaram. Minha rebeldia é meu jeito de ter esperança, ainda que uma esperança estranha. Minha rebeldia é meu modo de não me render à insanidade.
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Rebeldia
ZUM NO TITO
Para estas fotos do Tito, meu cachorro, decidi me valer de uma técnica chamada de “zooming”: aumenta-se o tempo de exposição, baixando-se a velocidade; a seguir, enquanto se aperta o obturador, move-se a lente, lidando com o zum dela, seja aproximando-se do assunto, seja afastando-se dele. É possível brincar bastante com a técnica.
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sábado, 5 de dezembro de 2015
"INVENCÍVEL"
Ter uma grande história em mãos pode, paradoxalmente, ser “perigoso” quando se deseja contá-la, pois, quando é contada, a produção pode ficar menor do que a história, pode não fazer jus a ela. É o que ocorreu com “O show de Truman”. O argumento do enredo é brilhante; mesmo assim, a execução dele não gerou um filme à altura.
Não é o que ocorreu com “Invencível” [Unbroken], de 2014. O roteiro, além de ter os irmãos Coen como autores, conta com o trabalho de Richard LaGravenese e William Nicholson. É baseado no livro “Unbroken: A World War II Story of Survival, Resilience, and Redemption”, de Laura Hillenbrand (a mesma autora de “Seabiscuit”). Não conheço o livro, mas, a partir dele, nasceu um grande filme.
A produção é dirigida pela Angelina Jolie. Para mim, isso foi surpresa. Eu não sabia da atuação dela como diretora. Comecei a assistir a “Invencível” nos momentos iniciais, sem saber que havia sido dirigido pela atriz. Terminado o filme, já nos créditos, é que fiquei sabendo que ela é a diretora. E que direção ela realizou!
“Invencível” narra a trajetória real do atleta Louis Zamperini. Durante a Segunda Guerra, o avião em que ele estava cai no Pacífico. Quarenta e sete dias depois, período esse passado num bote, Zamperini e outros dois sobreviventes da queda do avião são resgatados — por japoneses. O que já estava penoso para eles torna-se tortura, humilhação e desumanidade.
Como cheguei desavisado ao filme, eu o assisti pensando que se tratava de história “meramente” ficcional. Eu, que já estava gostando do que estava assistindo, mais ainda gostei quando, nas cenas finais, fiquei sabendo que a produção é inspirada na vida de Zamperini. “Invencível”, a despeito da violência que retrata, humaniza e sensibiliza, por Zemperini mostrar a força e a nobreza que o espírito humano pode ter.
APONTAMENTO 295
Ora, já que a educação é um produto, pode-se descer o cacete à vontade: um produto não sente dor.
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Educação
O PRODUTO DA EDUCAÇÃO
Para alguns empreendedores,
educação é um produto.
Para alguns empreendedores,
educação é um produto
em que se pode bater com cassetete.
Para alguns professores,
educação é gente.
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APONTAMENTO 294
Se a burocracia resolvesse alguma coisa, as coisas estariam... resolvidas...
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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
CONTRA SI
Ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. É sabido, todavia, que governos e autoridades já se valeram de determinado ato legal realizado pelo cidadão para condenar o indivíduo. Uma, digamos, inocente ida ao cinema poderia ser usada pelas autoridades como justificativa para encarceramento, sob alegação de que o sujeito, em vez de assistir ao filme, estava... hum... tramando contra o Estado. Havia ainda a ação de delatores, simpatizantes de alguma causa repressora. Pode-se, é claro, tramar algo num cinema, mas nem sempre é o caso. Contudo, qualquer gesto pode ser usado a fim de punir quando o algoz é insano.
Hoje, um celular capta áudio e vídeo. O cidadão pode produzir, numa escala bem maior do que a que existiu no passado, condenação contra si mesmo. Há uma vigilância e um desejo de punir que são bem mais perigosos do que foram outrora: essa atitude punitiva continua sendo exercida não somente por quem é considerado ou nomeado autoridade, mas, de modo bem mais vigoroso do que no passado, pelos concidadãos, que, devido à tecnologia, têm mais possibilidade de registrar ações num dispositivo eletrônico; tais ações podem ser usadas numa condenação, seja ela de ordem legal, seja ela de ordem estritamente moral.
Muito mais do que no passado, é preciso ficar atento, é preciso não confiar, é preciso tomar cuidado com o que é dito para alguém ou com o que é feito diante de alguém. Além do mais, as redes sociais fizeram boa parte das pessoas banir o limite entre o público e o privado. Nos tempos que correm, viver é produzir “provas” contra si mesmo.
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