domingo, 13 de dezembro de 2015

PALAVRA POR PALAVRA

Lendo o livro “Essa estranha instituição chamada literatura”, que contém uma entrevista com Jacques Derrida, deparo-me, na introdução, escrita por Evando Nascimento, com o instigante trecho: “Um dia a literatura poderá desaparecer (talvez já esteja desparecendo, submersa num contexto hipermidiático e hipermercadológico), pois não passa de uma simples inscrição, um traço discursivo diferencial”. O trecho é de Nascimento.

A literatura, tal como é configurada hoje, pode acabar. O que não pode acabar é a palavra. A princípio, o enunciado é paradoxal. É que estou considerando literatura não qualquer enunciado produzido a partir da palavra. Num sentido bem amplo, se há palavra, há literatura. Assim, um texto publicitário poderia ser considerado literatura, desde que nele houvesse palavra(s).

Chamo de literatura, numa definição rápida e simples, a literatura de imaginação; levo em conta textos ficcionais, poéticos; textos “inúteis”, no sentido da gratuidade com que podem ser escritos. Em suma, textos sem função mercadológica, ainda que posteriormente o autor venha a lucrar com eles. Essa literatura talvez acabe; a habilidade ao lidar com a palavra não pode acabar.

O manejo da palavra pode levar à clareza de pensamento, à lucidez. Muitas vezes não se tem uma noção clara das coisas exatamente por não se ter a capacidade de lidar com essa coisa por intermédio da palavra. Sim, há o inefável, mas se não se acha sequer uma tentativa de se transmiti-lo, ele morre com quem passou por ele. É preciso que se tente dizer, ainda que o inefável seja o que se esteja tentando dizer. A palavra é um meio de dizer. Um meio para a compreensão, a clareza.

Não considero perigoso não haver literatura; considero perigoso não haver palavra. Ou, igualmente perigoso, haver palavra somente para alguns; mais perigoso ainda, se esses alguns tiverem pretensões de poder. É preciso buscar, não necessariamente a literatura, mas a palavra. Sem ela, é-se vítima fácil, e quem tem interesse em vitimar ou dominar não se furtará a usar a palavra como uma das ferramentas. A palavra é para todos, pois todos podem se tornar melhores e mais inteligentes com ela. 

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