terça-feira, 30 de abril de 2019

Os que não suportam a arte

Há quem não suporte a arte. Esse alguém pode ser um intelectual, um presidente, um professor, um gari. Há quem não suporte a arte por ter medo dela. Ou por ter inveja dela. Ou porque é imbecil. A arte incomoda certas pessoas porque elas têm medo de olharem para si no espelho; elas têm medo de olhar para quem se olha no espelho e têm medo de serem olhadas por quem se encara no espelho e as encara.

Há quem tenha medo da arte porque ela inquieta, rebela-se, pergunta, analisa, maravilha-se, denuncia, zomba. Já queimaram livros, já queimaram pessoas, mas a arte, teimosa e bela, aí está, encarando e deixando sem chão criaturas destituídas de senso artístico. Sem saber o que fazer com a arte, essas pessoas ora matam, ora xingam, ora torturam...

Os que não suportam a arte sabem destruir, desfazer, desmanchar, gritar, prender, matar; incapazes de edificar, o verbo, neles, é somente fúria, demolição e ausência de pensamento. Há analfabetos que não suportam a arte; há pessoas cultas que não suportam a arte. Os que se esqueceram de que foram crianças não suportam a arte.

Não suporta a arte quem não entende que somos mais obscuros do que gostaríamos e quem supõe que as questões da vida estão demarcadas rigidamente, como num tabuleiro de damas. Não suporta a arte quem é incapaz de sentir o belo ou quem é incapaz de produzi-lo. Quem não vislumbra no outro homem todos os outros homens não suporta a arte.

Não suporta a arte quem se fecha no próprio corpo, quem não o entende, quem tem medo do próprio corpo, quem demoniza o que ele quer e quem tem medo do corpo do outro, do querer do corpo do outro. Não suporta a arte quem não é capaz do refinamento da inteligência ou da grandeza de ações. Não suporta a arte quem não percebeu que somos, ao mesmo tempo, ricos deuses e pobres diabos.

Os maniqueístas não suportam a arte. Os machões que berram forte a fim de esconder a criançona chorona que há neles não suportam a arte. Não suportam a arte os que não admitem diversidades. Não suporta a arte quem não quer se conhecer e quem não quer conhecer o outro.

Não suporta a arte quem não aguenta três acordes de lucidez. Não suporta a arte quem não sabe o que fazer com uma mulher sedenta ou com uma que procura aconchego. Não suportam a arte os que dependem de um revólver para se sentirem homens. Não suportam a arte os vassalos das fardas, os que cantam com fingida pungência o hino nacional e lesam os cofres públicos.

Não suportam a arte os que erguem muros. Não suportam a arte os que não têm a menor ideia do que sejam sutilezas, do que sejam detalhes, do que sejam pequenas, frequentes e frutíferas transformações. Quem não planta não suporta a arte; não suporta a arte quem destrói a plantação.

Quem só sabe ser barulhento não suporta a arte, bem como quem não sabe se calar. Quem não é capaz de amar não suporta a arte. Os que não gostam de gente não suportam a arte; os destituídos do senso do espanto não a suportam. Os que esquartejam, torturam e assassinam não a suportam. Os que defendem esquartejamentos e torturas não a suportam. Os que defendem ditadores não a suportam. Os ditadores não a suportam. Os que confundem patriotada com patriotismo não suportam a arte. Pode-se esquartejar ou torturar ao som de Mozart. Quem assim age não entendeu a essência da arte, que é comunhão, elevação.

O terreno da arte não são engessadas e superficiais certezas, mas movediças, inspiradoras, iluminadoras e profundas incertezas. A arte requer coragem. Também por isso os covardes não a suportam. 

domingo, 28 de abril de 2019

Velozes e furiosos

A família Bolsonaro tem pelo menos quarenta e quatro multas de trânsito. O presidente, a atual esposa dele e os filhos do militar da reserva foram multados nos últimos cinco anos. As infrações estão registradas no Detran/RJ. As multas da família perfizeram R$ 5.800,00. A maioria delas, vinte e quatro das quarenta e quatro, é por excesso de velocidade.

O presidente anunciou que cancelaria a instalação de oito mil fotossensores nas estradas. Ele também quer revisar contratos já existentes. Além disso, anunciou que é intenção dobrar para 40 pontos o limite de infrações em um ano. Na legislação atual, o limite são 20 pontos. 

A filosofia que cria cordeirinhos para abate

Alegar questões financeiras para não investir em filosofia e em sociologia nas universidades é balela. Em si, os cursos não requerem investimentos pesados, pois não requerem laboratórios nem equipamentos caros, o que é demanda de outros cursos; outro dado que deve ser levado em conta é o de que discentes de filosofia e de sociologia representam 2% dos que estão em cursos superiores em universidades públicas. Fosse mesmo questão econômica, o governo preocupar-se-ia, dente outras coisas, em gastar menos com o cartão corporativo, também mantido pelos contribuintes. Nos dois primeiros meses do atual governo federal, o aumento de gastos com o cartão corporativo foi 16% maior em relação à média dos últimos quatro anos. E olha que esse perdulário governo defendida o fim desse cartão. Não só o manteve como elevou os gastos com ele.

Respeitar o dinheiro do contribuinte é dar a ele oportunidades, não privá-lo delas, não privá-lo do conhecimento, e só uma mente limitada hierarquiza o saber, separando-o em útil e em inútil. Não existe conhecimento inútil. Atribuir níveis de importância aos diversos afluentes do conhecimento é não querer dar a oportunidade ao cidadão de ser uma pessoa mais plena, mais capaz, com maior noção do mundo em que vive, não importa se essa pessoa é um técnico em eletrotécnica ou se é um neurologista. Dominar uma engenharia não significa que alguém não possa conhecer o percurso histórico, sociológico e filosófico por que vem passando a humanidade; isso faz parte da plenitude do que é ser cidadão. A estratégia de excomungar filosofia e sociologia nada tem a ver com questões econômicas, embora seja esse o pretexto.

Para o governo federal, os estudos de humanas não respeitam o dinheiro do contribuinte e não dão retorno imediato. Mentes pequenas não conseguem vislumbrar mais longe do que o dia de amanhã. Há retornos que são imediatos e há retornos que demoram a surgir. Além do mais, o imediatismo não dever ser essência política de um governo. Ao mesmo tempo em que há questões pragmáticas e urgentes, por outro lado, um país precisa de planejamento para o que não é imediato. Qualquer gestor de qualquer área sabe disso. Todavia, é mais fácil apelar para um imediatismo inconsequente do que apresentar um projeto que vislumbre décadas no porvir.

A estratégia de banimento dos estudos de humanidades é simples, mas de eficácia incontestável. Em essência, é uma estratégia que não permite ao ser humano o acesso à palavra. Sem esse acesso, a pessoa vai se tornando algo parecido com um autômato, uma criatura sem capacidade de organizar pensamento e sem capacidade de (se) observar, dois graves entraves para essa própria criatura e para a elevação do pensamento social. Esse cenário é perfeito para engodos políticos. Nesse viés, distopias como “1984”, do George Orwell, e “O planeta dos macacos”, do Pierre Boulle, são contundentes retratos do que pode ocorrer quando o acesso à palavra vai se esvaindo. Mas livros são palavras. Palavras ampliam e refinam o cidadão. Um sujeito com noção histórica, sociológica e filosófica é pedra no sapato e rocha recalcitrante em qualquer projeto que pretenda execrar o pensamento. Para muitos, o negócio é gerar cordeirinhos que se jactam de serem enfileirados para tosa e abate. 

Passeio













Robusta clausura

Tenho medo do mundo,
do meu país, 
da minha cidade.

Tenho medo de ti.

Tenho recebido o mundo
em telas que reluzem
e em páginas que elucidam.
Eu me fechei,
fechei as portas da casa, 
acionei todos os cadeados.

Lá fora, 
armas calibradas 
e encontros desequilibrados,
sem filosofia, sem sociologia,
sem palavras.
Estão ocos e furiosos.

Nem suspeitam de que
não sou o único
que não desistiu.
Nem desconfiam
da existência dos
que acreditam no belo.
Não sabem que são 
transitórios como um tiro
e que somos teimosos
como um verso. 

Do alto

Eu estava a uns treze quilômetros de Patos de Minas quando tirei a foto. O drone estava a mais ou menos duzentos metros de altura de onde eu estava. 

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Charge 12

Presidente preocupado com higiene peniana

Sumário de hoje das aventuras no planalto central: o presidente do Brasil mandou tirar do ar um comercial do Banco do Brasil. O filme de trinta segundos contém diversidade racial e sexual. O diretor de comunicação e marketing da estatal, Delano Valentim, foi afastado do cargo. O equitativo dignatário manda afastar ou exonerar quem não pensa como ele ou quem, por exemplo, aplica multa nele devido a pesca irregular.

Ainda em questões relativas ao ambiente sexual, hoje pela manhã, em café com jornalistas, o consciencioso comandante disse que “o Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias”. Mais: o atencioso mandatário disse, ao visitar o MEC, estar preocupado com um dado alarmante: as amputações de pênis no Brasil por falta de higiene. Consciente de seus atributos, o presidente disse que “é preciso buscar uma maneira de sair ajudando as pessoas”. O governante está certo, pois cuidados higiênicos assegurariam um “golden shower” limpinho. 

terça-feira, 23 de abril de 2019

Charge 10

Tenho feito uma série de charges sobre a atual relação Brasil/EUA. Na série, eu me valho de alguns cenários urbanos famosos no Brasil. Não é o caso do cenário local; ainda assim, decidi inseri-lo na série.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Defensores de Olavo de Carvalho x defensores dos militares

Um vídeo em que Olavo de Carvalho critica os militares foi postado no sábado no canal de Jair Bolsonaro no Youtube (a crítica foi retirada do canal posteriormente). Carlos Bolsonaro compartilhou esse mesmo vídeo no Twitter. Carvalho diz: “Qual foi a última contribuição nacional das escolas militares para a alta cultura nacional? As obras do Euclides da Cunha. Depois de então foi só cabelo pintado e voz empostada. Cagada, cagada”.

A troca de farpas entre os integrantes do governo que defendem Carvalho e os integrantes do governo que pertencem ao exército parece que vai continuar, o que é indicativo de que a governança seguirá sem início. Além dessa inócua discussão, há quem prefira debater questões relativas a “golden shower”, há quem demore para se posicionar sobre assassinato — “o exército não matou ninguém” ou há quem tenha se predisposto a esconder estudos que, em tese, justificam a reforma da previdência. 

Charge 9

Charge 8

domingo, 21 de abril de 2019

O governo que (se) esconde

O governo federal decretou sigilo sobre os estudos que embasam a reforma da previdência. Isso, na prática, significa que nós, cidadãos, não teremos acesso a dados econômicos e sociais que a sustentam. Vou sempre repetir: essa reforma prevê, dentre outras atrocidades, que uma pessoa venha a receber, entre os sessenta e os setenta anos, quatrocentos reais por mês. Sob ponto de vista estritamente financeiro, descontadas as implicações desumanas da reforma, entendo os empresários a apoiarem, mas quem não é empresário, que pode, aliás, estar nesse grupo que receberá quatrocentos reais por mês durante dez anos, só pode apoiar a reforma da previdência por desinformação ou por estar inserido em grupo que será pouco afetado por ela. Ainda assim, isso seria um total descaso desses grupos quanto à maioria do povo, o que não é surpresa em se tratando de Brasil.

Quanto ao sigilo acerca dos “estudos” que embasam a reforma, ora, o raciocínio chega a ser simplista: se ela fosse boa para o povo, por que esconder dele, povo, os “cálculos” que a sustentam? Por que esconder do povo algo que fosse bom para ele? Se, de fato, ela fosse boa para a população, esses “estudos” tinham de ser, sim, divulgados, espalhados, explicados. Mas não: mais uma vez, o governo opta por atuar na surdina, nas sombras, longe das luzes da humanidade.

É preciso lembrar que não é a primeira vez que o atual governo tenta esconder dos cidadãos informações que são de direito dele, cidadão, conhecer. Já haviam tentado privar a população de dados essenciais, restringindo a lei de acesso à informação; agora, querem esconder do povo os “estudos” em que se baseiam para realizar a reforma da previdência. O que se tem é um governo que nega o óbvio (“o exército não matou ninguém”) e que decidiu esconder do povo dados que terão como consequência um país de velhos miseráveis, desvalidos e sem amparo, precisamente na fase da vida em que mais precisam de apoio. Como a reforma tem incentivo dos grandes empresários, será aprovada, com ou sem divulgação de “estudos” que a sustentam. 

sábado, 20 de abril de 2019

Cruzeiro é campeão mineiro

No dia dez de abril, o Atlético/MG, jogando fora de casa pela Libertadores, tomou quatro gols; no mesmo dia, o Cruzeiro, em casa, também jogando pela Libertadores, fez quatro gols. Depois disso, no Atlético, Levir Culpi foi demitido. O próximo compromisso dos times seria a decisão do campeonato mineiro. O momento do Atlético, complicado na Libertadores, deixou otimistas alguns cruzeirenses e deixou apreensivos alguns atleticanos para a decisão do mineiro.

O primeiro jogo da final foi no domingo passado. Embora o Atlético tenha perdido por dois a um lá no Mineirão, o time já não foi a bagunça que vinha sendo com o Levir Culpi. Sob o comando de Rodrigo Santana, técnico que entrou no lugar de Levir, o Atlético já deu mostras, na primeira partida da decisão do campeonato mineiro, de que o time havia, por assim dizer, renovado-se.

Aos cinco minutos da decisão de hoje, Ricardo Oliveira acertou o travessão do Cruzeiro; aos onze, Ígor Rabelo, em lance contra o próprio gol, acertou o travessão do goleiro Vítor. Aos vinte e nove, o Atlético, merecidamente, já que vinha jogando melhor, marcou: após defesa de Fábio em chute de Ricardo Oliveira, Elias, de cabeça, fez o gol.

Após o intervalo, o Atlético continuou jogando melhor. Percebi no Cruzeiro uma certa apatia, como se o time não estivesse com vontade de jogar, como se demonstrasse pouco interesse pela partida. Mesmo assim, aos trinta e quatro, Fred, cobrando pênalti, que foi marcado após análise de vídeo pelo árbitro, marcou. A Raposa segue invicta na temporada.

Fosse eu torcedor do Atlético, estaria otimista quanto ao futuro, a despeito da situação ruim do time na Libertadores. A equipe errou feio ao demitir Thiago Larghi e ao contratar Levir Culpi. Agora, tenta corrigir a lambança, investindo em Rodrigo Santana, que é promissor. Do lado do Cruzeiro, o torcedor, embora campeão hoje, se for sincero, saberá que o time tem de jogar melhor do que o que jogou hoje se quiser ir longe na Libertadores ou se quiser fazer um belo campeonato brasileiro. 

quarta-feira, 17 de abril de 2019

O não desejado 2

Depois do não do Museu de História Natural de Nova York (comentei o fato em nota anterior), agora foi a vez de outro prestigioso local na cidade não querer o presidente brasileiro, segundo informou Helena Chagas, do site Os Divergentes. Dessa vez, a negativa foi do restaurante Cipriani. Por enquanto, o evento da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em meados de maio, continua sem local. 

Charge 5

O terno não faz o político

O governo federal estuda a possibilidade de que servidores no Palácio do Planalto sejam proibidos de usar jeans no trabalho. A normativa pode se estender a visitantes da casa. Enquanto isso, anuncia que o salário mínimo não terá aumento real... 

Charge 4

Onde o país?

O país havia começado
para mais gentes.
Os donos de sempre
não gostaram;
destruíram esse começo.

Hoje, outra vez,
moro num país
que, novamente,
não começou.
Moro num arremedo
de nação que adoece
quem edifica
e enriquece
quem demole. 

terça-feira, 16 de abril de 2019

Resumão

O governo federal propôs que o salário mínimo não tenha aumento real (aumento real é quando o salário sobe além da inflação, o que vinha sendo feito em governos anteriores). Enquanto isso, projeto de lei do governo que se nega a dar aumento real para trabalhadores assalariados cogita perdoar bilhões de endividamentos de ruralistas. O rombo aos cofres públicos seria de R$ 30 bilhões.  

Damares, a ministra que viu Jesus na goiabeira, disse que a submissão da mulher no casamento é uma “questão de fé”. Já o Paulo Guedes disse que o presidente não vai mais interferir nos aumentos de preços da Petrobras.

Os caminhoneiros, por sua vez, não descartam nova greve, já que, para eles, o pacote de medidas anunciado pelo governo federal não passa de, segundo eles, “cortina de fumaça” a fim de se evitar que eles, caminhoneiros, entrem em greve. 

O país segue risível, estático, perigoso e caótico. 

Charge 3

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Charge 2

Charge 1

O não desejado

As rejeições e as trapalhadas internacionais do governo federal prosseguem. O mandatário do poder executivo já havia causado mal-estar entre políticos do Chile quando por lá esteve, elogiando Pinochet (há ditadores que o presidente do Brasil elogia e há ditadores que ele critica; o critério, suspeito, é o Trump quem define).

Depois, veio o mal-estar com os palestinos, quando o governo federal anunciou a transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém; ao voltar atrás, ficou mal com Israel; na semana passada, voltou a ficar mal com Israel, após comentar o Holocausto. Voltando atrás, o presidente escreveu carta para autoridades israelenses. Sim, o governante brasileiro se indispôs, em questão de dias, com palestinos e com israelenses.

Também na semana passada, a atualmente ridícula diplomacia brasileira recebeu outro golpe: Bill de Blasio, prefeito de Nova York, fazendo menção ao político brasileiro, disse que este tem “racismo evidente” e mencionou a homofobia do chefe do executivo brasileiro. Afirmou Bill de Blasio: “Esse cara é um ser humano muito perigoso”. De Blasio completou, referindo-se ao Museu de História Natural de Nova York, que abrigaria evento em que o presidente brasileiro estaria presente: “Se você está falando de uma instituição apoiada publicamente e está falando de alguém [o presidente brasileiro] que está fazendo algo tangivelmente destrutivo, fico desconfortável com isso” — declarou De Blasio à rádio WNYC.

As declarações da autoridade americana foram dadas porque estava havendo apelos dele e de outras pessoas para que o presidente brasileiro não recebesse, no Museu de História Natural de Nova York, homenagem em um evento promovido pela Câmara do Comércio Brasil-EUA. De fato, hoje foi publicada uma nota: “Com respeito mútuo pelo trabalho e pelos objetivos da nossa organização individual, decidimos conjuntamente que o Museu não é a locação ideal para o jantar de gala da Câmara de Comércio Brasil-EUA. Esse tradicional evento será direcionado para outra locação na data e horário originais”.

Antes do cancelamento, o próprio Museu já havia declarado: “Estamos profundamente preocupados, e o evento não reflete de forma alguma a posição do museu de que há uma necessidade urgente de conservar a floresta Amazônica, que tem implicações tão profundas para a diversidade biológica, comunidades indígenas, mudanças climáticas e a saúde futura de nosso planeta. Estamos avaliando as nossas opções”. Hoje, de fato, decidiu-se pela não realização do evento no local.

Como esperado, houve quem assumisse as dores do presidente brasileiro. O assessor do presidente para assuntos internacionais, Filipe Martins, disse que o prefeito de Nova York é “uma toupeira”. Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, também se condoeu: “É a prova que ‘o idiota’ não habita somente a América Latina”. Enquanto digito estas palavras, não fiquei sabendo ainda se alguém já comentou a negativa do Museu de História Natural de Nova York ao presidente brasileiro. 

sexta-feira, 12 de abril de 2019

"Não matou ninguém"

“O exército não matou ninguém”; alega-se que ele é do povo. Não matou ninguém, mesmo atirando oitenta vezes. Oitenta tiros são um “incidente”. A morte de Evaldo Rosa dos Santos foi um “incidente”. Oitenta balas perfazem um “incidente”.

Segundo o dicionário Houaiss, uma das definições para a palavra “incidente”: “Dificuldade passageira que não modifica o resultado de uma operação, de uma linha de conduta”. A morte de um é tida como “incidente”. Quantas mortes são necessárias para que a morte depois de oitenta tiros deixe de ser considerada “incidente”? 

Do que se recomenda

É mais fácil ser político em meio a um bando de desinteressados. Infeliz daqueles (e, em especial, infeliz dos jovens) que endossam as palavras de um mandatário quando ele diz querer que os jovens não se interessem por política. Para os políticos, o desinteresse do cidadão é ótimo. Todavia, a partir do momento em que o cidadão não se interessa por política, ele nem saberá como cobrar o que é dele por direito, por mais que esbraveje em redes sociais.

Consequências do não interesse por política são visíveis quando a pessoa cobra de um vereador o que é da alçada do presidente, quando cobra do presidente o que é da alçada de um governador, cobra de um governador o que é da alçada de um deputado federal... As redes sociais escancararam outra consequência do desinteresse por política: publicações que se querem politizadas não passam de deselegância, notícia falsa ou destempero.

Num país de despolitizados que acreditam estar fazendo política quando insultam, mentem ou divulgam notícias falsas, querer jovens que não se interessem por política é um desserviço ao país (mais um), ainda mais vindo de alguém que deveria incentivar o conhecimento, em vez de ficar fazendo gesto, enquanto segura uma criança, como se estivesse com uma arma em mãos. Cargos políticos são para serem escrutinados vinte e quatro horas por dia. Um cidadão que não se interesse por política abre mão de seus direitos e é manipulado para que apoie causas que são prejudiciais a si mesmo. O desinteresse por política faz com que o cidadão não exija aquilo que ele merece. Acreditar em mamadeira de piroca e em kit gay é sintoma de desinteresse por política.

Política é possibilidade de transformação; o mesmo com a arte, com a ciência. Além do mais, o jovem não pode se iludir: se é para que ele seja um astronauta, como parece desejar o mandatário, é preciso, antes, predispor-se a estudar com dedicação, por anos, pelo menos, muita matemática, muita astronomia e muita física. Não é fácil ser um astronauta, mas é fácil proferir tolas platitudes.

Querer que um jovem não se interesse por política (ou banir da juventude a possibilidade de ela se interessar por política) é correr o risco de que no futuro o jovem seja um político tão obtuso quanto um político que diz querer uma garotada que não se interesse por política. O conhecimento é fascinante demais, tudo é fascinante e diverso demais; em contraposição, nada mais perigoso e boçal do que alguém que despreza os afluentes do conhecimento. No mais, um imbecil é um imbecil — seja na Terra, seja fora dela. 

Interpretação

Toda noite, 
em seu sono inquieto, 
a verdade se te revela.
Não sabes interpretá-la.

Todo dia, 
em tua vigília desatenta, 
a verdade se te revela.
Não sabes interpretá-la. 

quarta-feira, 10 de abril de 2019

A inflação e as mangas

Mais um índice do governo federal neste ano: a inflação do mês de março atingiu a maior taxa desde 2015, segundo o Valor: 0,75%. Todavia, o próprio governo já deu a solução para o problema, pelo menos no que diz respeito à alimentação: se faltar grana para a comida, a ministra da agricultura, pecuária e abastecimento, Tereza Cristina, dá a dica: “Nós não passamos muita fome porque temos mangas nas nossas cidades”.

Não sei como estão os mangueirais no Brasil afora. Nas palavras da ministra, “não passamos muita fome”, o que autoriza a conclusão de que há quem passe alguma fome; e que só não passam mais fome graças às mangas; ou que se o sujeito estiver com fome, é só ele se valer de mangas, já que, de acordo com a ministra, há delas em nossas cidades. De fato: daqui de casa, pude divisar dois pés de manga, um em cada um de quintais nas redondezas.

A fala de Tereza Cristina também autoriza concluir que aquele que por ventura estivesse passando fome poderia ter uma alimentação à base de manga; ou só de manga, já que se o sujeito não tem dinheiro para comprar outros alimentos, restaria a ele a opção de ir ao pé de manga mais próximo e colher uma fruta. Se ela não estiver totalmente madura, esse sujeito pode, talvez, pedir algum sal emprestado, na tentativa de temperar a iguaria.

A ministra não revelou dados sobre se o número de mangueirais atenderia de modo apropriado os que têm fome. Mas caso ela concorde com o pensamento do Paulo Guedes, pode ser que ela esteja levando em conta que, dependendo da situação, quando o sujeito se aposentar, recebendo quatrocentos reais por mês, como a reforma da previdência prevê num dos casos, haverá, quem sabe, dinheiro para comprar... mangas, as quais, além de estarem à disposição, segundo Tereza Cristina, nas cidades, podem ser adquiridas nas casas do ramo. 

Trabalhos meus à venda

Fotos de minha autoria estão à venda em bancos de imagens. Podem ser adquiridas por intermédio deles ou diretamente comigo. Concentro-me principalmente sobre a fauna e a flora do cerrado, bioma em que vivo; as fotos podem ser itens de decoração.

Eu me dedico também à literatura, tendo já lançado seis livros (os últimos quatro, pela Chiado, editora portuguesa). Os livros são os seguintes:

• Leve poesia (2000): poemas; temáticas variadas;
• Algo de sempre (2003): poemas; temáticas variadas;
• Dislexias (2016): poemas; cada um deles contém um trocadilho com a língua portuguesa;
• Amor de palavra (2017): poemas; a temática é o amor, numa abordagem mais carnal;
• Anacrônicas (2018): coletânea de crônicas que publiquei na imprensa desde a primeira metade da década de 90;
• O livro de João (2018): livro infantil.

Abaixo, links para aquisição de minhas fotos ou de meus livros.
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https://bit.ly/2D7HoZr

https://adobe.ly/2UKOoFA

https://bit.ly/2uYbKcc

https://bit.ly/2UiJlZx 

Entranha

Sou 
a mosca na sopa,
a pedra no sapato,
a alface no dente,
a mancha no branco,
a dúvida na fé,
o silêncio no vozerio,
a página que falta,
a sede no deserto,
a unha encravada,
o silêncio que ignora,
a palavra que desconheces,
o sim que almejas,
o não que tens,
o buraco na estrada,
o zíper que emperra,
o ás que não tens,
o bolso furado,
a gravata que aperta,
o dente que dói,
a nota desafinada,
o frio sem blusa,
o calor que sufoca,
o mindinho na quina,
o caminho por engano,
o gás que acaba,
o nó górdio,
o cisco no olho,
a casca no chão,
o sono que não vem,
a coceira nas costas,
o bicho na goiaba,
o dinheiro perdido,
a contraindicação do remédio,
a palavra que não consegues,
o sino sem igreja,
os quilos a mais,
o arroz queimado,
a equação não resolvida,
o salto que quebrou.

Se conseguisses,
ficarias livre de mim.
Estou em ti
no que és.
Sou uma das coisas
que não querias ser. 

Prioridades

Para saber o que é “golden shower”, rapidez. Para se posicionar sobre oitenta tiros dados “por engano”, silêncio (até o momento em que digito estas palavras). Cada um tem suas prioridades. 

Oitenta

Oitenta tiros.
Todos esses disparos
são culpados.
Não serão punidos.
Darão quantos tiros
forem desnecessários.
Só vão sossegar 
quando tudo estiver
branquinho, limpinho.
O sangue derramado 
não deixará manchas,
os disparos não deixarão rastros.
Tiros não são de festim,
fogos não são de artifício,
balas não são doces.
Os atiradores não pensaram
para atirar.
Não pensaram depois.
Cidadãos de bem consigo,
não esperam respostas porque 
não fizeram pergunta.´

Ah, o ministério da educação...

O novo ministro da educação, Abraham Weintraub, disse em setembro do ano passado que as universidades do nordeste não deveriam ensinar conteúdos como sociologia e filosofia (sic). Vélez já foi um erro infame. Agora, Weintraub. O Reinaldo Azevedo escreveu que com Weintraub na educação, o Planalto “só dobra a dose do remédio errado”. 

Números 2

Há quem prefira culpar a chuva 
quando o bueiro entope.

Há quem prefira culpar a chama do fogão 
quando o alimento é queimado.

Há quem prefira culpar os números 
quando o político vai mal. 

Mulheres e policiais, segundo Damázio


Acabei me esquecendo de comentar: Moro nomeou Wilson Salles Damázio como conselheiro no ministério da justiça. Damázio considera que homossexualidade é desvio de conduta e que as mulheres acham “o máximo estar dando para um policial”. Moro, que já aceitara os pedidos de desculpa de Lorenzoni, aceitou as de Damázio, que ainda disse: “O policial exerce um fascínio no dito sexo frágil. Eu não sei por que mulher gosta tanto de farda”. Ainda de acordo com o pensamento do conselheiro, é no veículo oficial dos fardados que o furor aumenta: “Dentro da viatura, então, o fetiche vai lá em cima”.

Negações

Nega 
os números,
as palavras,
a ciência.

Nega 
o fato,
o bom senso,
o patente.

Nega 
a mim,
a você,
o que somos.

Nega 
o outro,
ao outro,
você.

Nega 
a lógica,
a história,
a si mesmo.

Nega 
o destempero,
o despreparo,
a cegueira.

Afunda 
negando
a inteligência.
Leva-nos.

Negando,
morre afogado,
insano,
negando a morte. 

Números

O presidente do Brasil é ruim ou péssimo para 30% dos brasileiros, a pior avaliação no primeiro trimestre entre os presidentes eleitos para um primeiro mandato desde a redemocratização. Os números são ainda piores do que os divulgados no mês passado, quando 24% julgaram o governo ruim ou péssimo. Pesquisa foi realizada pelo Datafolha.

A pesquisa é divulgada poucos dias depois de o mandatário declarar não ter nascido para ser presidente, o que os mais atentos já haviam percebido há muito. A queda até agora foi rápida demais em muito pouco tempo. Um deputado pode dizer bravatas e, no máximo, tornar-se figura folclórica. Bravatas de um presidente têm custo doloroso, se não para ele, para a população.

Reflexos de um governo que ainda não começou desembocam nos números da pesquisa: na região sul, o presidente obteve 68% dos votos; 54% já dizem que ele fez menos do que o esperado. Na região sudeste, ele obteve 65,4% dos votos; o percentual de frustrados chega a 59%.

Enquanto isso, na mesma semana em que afirmou que nasceu para ser militar, não presidente, o presidente deu a entender que talvez o MEC tenha um novo chefe a partir de amanhã. Se, por um lado, resta a esperança de que isso ocorra, por outro, há o temor, pois aquele ou aquela que virá pode ser pior do que o atual ministro.

À parte o que vier no ministério da educação, tivesse o presidente a sabedoria de escutar menos os sectários e mais os sensatos, pode ser que ele começasse a governar. Só que os cem primeiros dias de governo não dão a entender que ele e os filhos tornar-se-ão dispostos a prestar atenção em quem ainda tenta ajudá-los. Em vez de começar a agir, o presidente prefere não aceitar ou ironizar, pelo menos publicamente, os números que evidenciam a rejeição contra o governo federal. Nada mais esperado. 

terça-feira, 2 de abril de 2019

"Que vocês se explodam!"

Não se pode dizer que não houve aviso. Não me refiro ao que escrevo, ao que publico. Refiro-me ao que a imprensa nacional tem publicado. Não escrevo para avisar, para aconselhar. Escrevo porque gosto de escrever; escrevendo, atendo a essa necessidade. Isso é o que importa. De quebra, se o texto é de teor político, eu me sinto um cidadão melhor, o que também é o bastante para que eu escreva.

Eu tenho escrito, a imprensa nacional — e internacional — tem escrito, tem admoestado, tem avisado, tem dado a dica: em relações internacionais, palavras podem ter um peso desastroso. O representante de um país é capaz de um estrago econômico e humano. A escolha das palavras é importante em toda situação, das mais corriqueiras às mais valiosas. Diplomacia não é terreno para destemperos, para rompantes, para amadores, para os que não têm polidez nem equilíbrio.

“Quero que vocês se explodam”. Foram essas as palavras de Flávio Bolsonaro, publicadas no Twitter, sobre a nota de repúdio publicada ontem pelo Hamas (em postagem anterior, comentei sobre o assunto). A nota de Flávio Bolsonaro foi apagada depois. Claro que o estrago já estava feito.

É direito dele querer que qualquer um se exploda. Só que não é direito dele, no caso em questão, manifestar isso publicamente porque as implicações de uma declaração assim não vão recair somente sobre a vida pessoal dele, com a qual ele faz o que bem entender, mas sobre todo um país. Declarações como essas são graves, podem ter drásticas consequências econômicas.

Quando se representa um país, é dever de qualquer cidadão manter um mínimo de compostura, de tato, de controle. A mais dura das assertivas pode ser dita com a escolha correta das palavras. Prova disso é a própria nota do Hamas divulgada ontem. Justamente pela escolha cuidadosa das palavras é que ela é incisiva. Houvesse alguém escrito “quero que o Brasil se exploda”, isso seria coisa de quem é despreparado e de quem se entrega a rompantes — o que poderia implicar danos econômicos. Diplomacia é terreno melindroso. Cada discurso, casa texto, cada declaração, cada palavra devem ser refletidos, ponderados. Um país não deve pagar pelas bravatas de um inconsequente. A diplomacia é bem mais complexa do que um “que vocês se explodam”.

Qualquer ser humano com algum senso de responsabilidade e com alguma inteligência sabe disso. Só que não se pode deixar de apontar o destempero e as consequências que ele pode ter numa questão tão delicada. Não na esperança de que isso vá mudar o temperamento e a mentalidade do bufão destrambelhado, mas na certeza de que a palavra corretamente aprendida e apreendida é capaz de ajudar na construção de muita coisa, incluindo na de um ser humano. 

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Era uma vez a diplomacia

Mais trapalhadas da diplomacia brasileira. Dessa vez, por causa da visita a Israel. O colunista Josias de Souza, do UOL, elenca o que ele chamou de três gols — contra: a não transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém desagradou a Israel; o que vai haver em Jerusalém é um escritório de representação comercial (primeiro gol contra); os palestinos, mesmo cientes da não abertura da embaixada em Jerusalém, condenaram a abertura do escritório comercial e chamaram de volta Ibrahim Alzeben, o embaixador no Brasil. Consequências na prática: prejuízos para o agronegócio, pois os árabes podem passar a comprar de outros (segundo gol contra); por fim, o governo brasileiro já tem um escritório comercial em Ramallah, que fica a quinze quilômetros de... Jerusalém. Não há a necessidade de mais um escritório comercial na região (terceiro gol contra).

Foi isso o que noticiou Josias de Souza em seu blogue. A lambança já seria o bastante fosse só isso. Só que em diplomacia as consequências são internacionais, não ficam restritas ao quintal de casa. O Hamas, movimento de resistência islâmica, publicou hoje em seu site nota de repúdio contra a visita do governo brasileiro a Israel. O Hamas pede recuo quanto à abertura do escritório em Jerusalém, ao mesmo tempo evidenciando que as jogadas da diplomacia brasileira na recente visita ameaçam os laços com nações árabes e islâmicas.

Em sanha de negar conquistas de governos anteriores, a diplomacia brasileira (e o governo como um todo) pode jogar por terra o que o Itamaraty construiu. Estou lendo Quem manda no mundo? [Who rules the world?], do Noam Chomsky, publicado em 2016. Sobre a questão Israel-Palestina, ele escreve: “Negociações sérias teriam que ocorrer sob os auspícios de alguma parte neutra, de preferência uma parte que imponha algum respeito internacional — talvez o Brasil” [1].

A diplomacia brasileira, até recentemente, gozava de prestígio. Agora, é achincalhada. A revista Jacobin, em matéria publicada em 26 de fevereiro, chamou Ernesto Araújo de “o pior diplomata do mundo”, já condenando, no lide, a patética subserviência do governo brasileiro ao governo trumpista. Estou curioso para ler outra matéria, esta, publicada na piauí deste mês, intitulada “O anti-iluminista”: Consuelo Dieguez faz o perfil de Araújo. A chamada de capa: “Ernesto Araújo, o chanceler brasileiro que idolatra Donald Trump”. 
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[1] Chomsky, Noam. Quem manda no mundo? Tradução de Renato Marques. 1ª edição. São Paulo. Planeta. 2017. Pág. 102.