terça-feira, 9 de outubro de 2018

Os bons costumes

Para muitos, eleições são pretexto para se fundar uma teocracia, que no fundo corrobora o machismo e camufla preconceitos, valendo-se de leis escritas há dois mil anos e, mesmo assim, cumprindo somente aquelas que interessam aos teocratas, que desprezam o princípio básico de que, em tese, o Estado é laico — ou deveria ser. O que há é uma teocracia que camufla desejo de assepsia e de embranquecimento do país; ou seja: racismo. Uma teocracia que alega patriotismo sem entender que um patriotismo genuíno abarca o outro, o diferente, o “outsider”, o estrangeiro. Gostar mesmo de um país é gostar da diversidade que ele tem e entender que nem todo mundo está interessado em bater continência, em ir a um templo ou a uma igreja, em vestir camisa da CBF ou em constituir família. Não há o menor problema em não querer essas coisas, bem como não há o menor problema em querê-las, desde que os que as querem deixem aqueles com diferentes anseios tomarem os rumos que desejarem.

Exibir bandeira do Brasil em casa ou no carro é fácil; defender a ditadura é fácil; apostar num salvador é fácil. O que não é fácil é estudar, é conhecer a história. Não é fácil, mas é um caminho civilizado. Levar arma para a cabine de votação é fácil, tentar entender o contexto que gera a violência é difícil. É mais confortável eleger um único culpado e arvorar-se como representante do bem, da moral, da lei ou de Deus, empunhando uma arma, uma Bíblia ou um preconceito. Um patriotismo que quer calar a pluralidade de vozes em nome de uma narrativa que se diz ou religiosa ou guardiã dos bons costumes não passa de ignorância, de desinformação e de preconceito travestidos de boas intenções. O verdadeiro patriotismo é solidário para com os concidadãos e não quer impor sua teocracia nem seu modo de vida, por entender o simples direito do outro de poder escolher outros caminhos.

Um patriotismo que defende coerções, torturas, linchamentos e assassinatos está mais preocupado em dizimar do que em buscar a raiz do problema. Um patriotismo que defende um messias é ingênuo. Quem se diz patriota repetindo coisas como “a corrupção vai acabar no ano que vem, teremos segurança pública com a população armada, os bandidos vão pra cadeia, a família será preservada” está repetindo perigosos chavões que estão longe de serem soluções para problemas reais. Um país complexo como o Brasil não tem soluções fáceis. Um patriotismo que apresente soluções fáceis, arbitrárias, rápidas e ditatoriais é coisa de quem não conhece o próprio território que habita, ou seja, não é coisa de patriota.

Quem alega que tudo é em nome dos bons costumes, da moral e da ausência de corrupção ou mente ou é desinformado. Ditaduras não impedem corrupção. A própria ditadura que tivemos é a prova disso, embora muitos prefiram acreditar que não houve corrupção no período. Querer que o outro tenha o credo que você tem, pensar que a disciplina só existe quando há farda ou cerceamento da liberdade, acreditar em solução veloz para problemas difíceis e acreditar em bastiões de honestidade não é ser patriota: é ser pueril. Ou interesseiro. Não faz sentido declarar-se patriota mas querer um país somente para si e para seus pares. Patriotismo que quer intimidar pela força e pela bala não é patriotismo, mas adunamento com repressão e com preconceitos. 

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