terça-feira, 29 de novembro de 2016

Diante das câmeras

Voltou a circular um vídeo com a história de bastidores da famosa “cena da manteiga”, do filme “O último tango em Paris”, dirigido por Bernardo Bertolucci e estrelado por Marlon Brando e por Maria Schneider. Ela morreu em 2011.

Schneider já havia dito que não queria fazer a cena. Disso, eu sabia. Do que eu não sabia é que Bertolucci e Brando haviam combinado de não contar para ela o que ocorreria na filmagem. Outra coisa que eu não sabia é que de fato Brando fez sexo anal em Schneider. Pode ser que eu já tivesse lido isso por aí; se li, não entendi que tivesse havido sexo, digamos, real.

Em sua abjeção, Bertolucci alega que queria a reação da atriz como garota, não como atriz. A abjeção, que também foi de Brando, está, é claro, não no ato em si, mas no fato de a cena ter sido feita sem que Schneider soubesse de antemão o que ocorreria; tudo se deu sem o consentimento dela. Bertolucci diz que não se arrepende de ter feito a sequência, mas que se sente culpado. O diretor diz que a intenção dele foi fazer com que Schneider sentisse o que estava acontecendo, e não que ela atuasse.

O diretor afirma que não se arrepende do ocorrido, mas que se sente culpado. Nesse contexto, não consigo desassociar sentir-se culpado de ter arrependimento. Nesse caso, não se arrepender, do como encaro a situação, implica não se sentir culpado. Mas posso estar com o senso turvado ao analisar o discurso do diretor.

Do que não tenho dúvida, é de que ainda que Schneider fosse o tipo de atriz que oferecesse favores sexuais, seja nos bastidores, seja enquanto estivesse encenando diante das câmeras (não estou dizendo que esse fosse o comportamento dela), isso não daria nem a Bertolucci nem a Brando a permissão de terem armado um “complô” em nome de algum realismo torpe.

O episódio levanta ainda outra questão: até que ponto ir em nome da arte? Teriam Bertolucci e Brando o direito de, em nome de alguma suposta conquista no cinema, agir do modo como agiram com Schneider? Não, não teriam. Podem não ter mentido para ela, mas omitiram o que seria feito. A omissão pode ser tão perniciosa quanto a mentira.

Nem foi sadismo o que ocorreu durante as filmagens de “O último tango em Paris”. Sadismo, em essência, implica concordância e respeito quanto aos limites do outro. Schneider não teve essa escolha. O que houve foi voyeurismo e estupro. O trecho em que o diretor fala da sequência pode ser conferido neste link

Um avião que cai ou mais uma das ironias da vida

A Alanis Morissette, em “Ironic”, uma das mais fabulosas letras da música pop (composição dela e de Glen Ballard) canta: “O Sr. Precavido tinha medo de avião / Ele fez as malas e deu um beijo de despedida nos filhos / Ele esperou a vida toda para pegar aquele voo / E enquanto o avião caía, ele pensou: / ‘Ora, mas que ótimo / Que irônico, você não acha?’”.

O avião em que a Chapecoense estava caiu nessa madrugada. Quando tragédias assim ocorrem, a gente fica matutando sobre o que é a vida, sobre os caminhos à espreita, sobre a inescrutabilidade do futuro, sobre a questão de que poderia ter sido a gente. Aqui estamos agora; amanhã, poderemos desaparecer. O que estamos fazendo do tempo em que estamos aqui?... A Chapecoense estava prestes a disputar o maior título de sua trajetória quando o avião em que o time estava caiu. “Que irônico, você não acha?” 

sábado, 26 de novembro de 2016

Dupla celebração?

Há gremistas que poderão celebrar duplamente nos dias que virão. É que na quarta-feira o tricolor do sul pode ser o campeão da Copa do Brasil. Mas, para alguns gremistas, uma comemoração já pode ocorrer neste fim de semana — o rebaixamento do Inter. 

Peregrinação

Vai
a pé 
à fé.

A história por trás da foto (97)

Nesta imagem, foram duas, as brincadeiras: uma, com o Tito, meu cachorro. Sempre que chego em casa, ele está louco para farras. A outra brincadeira foi com o tempo de exposição. Como o Tito queria brincar e a noite já estava quase se fazendo por completo, tive a ideia de colocar a câmera num apoio rente ao chão (usei uma panela), baixar a velocidade e disparar.

Na boca do Tito, um pneuzinho de que ele gosta demais; a relação entre os dois já é de simbiose. O registro foi feito há pouco. A velocidade baixa foi usada para dar a ideia de movimento na corrida do Tito. Talvez essa ideia tenha sido “drástica” demais, a ponto de ele quase se tornar um “borrão” na foto. Mas tudo foi feito em nome da brincadeira. Mostrei o resultado para o Tito. Ele me autorizou a postar. 

Dia dançante

O dia amanheceu dançante.
Meu corpo e o ritmo são duas coisas
vibrando num só idioma.
Nessa simbiose,
ele repercute,
eu danço.

A manhã vai se fazendo
enquanto vou me (des)fazendo
ao som de prosaica 
e sonora manhã.
Meu louvor
tem som,
ritmo
e corpo.
Dançar me expurga
de meus pesos. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Mais um poema de meu livro

Grêmio derrota o Atlético/MG

Em jogo terminado há pouco no Mineirão, o Grêmio, que jogou melhor do que o Atlético, venceu por três a um. Num estranho regulamento, não há na final da Copa do Brasil o que chamam de gol qualificado (nas demais fases do torneio esse gol é levado em conta). Na prática, isso significa que o Atlético precisa de ganhar por uma diferença de dois gols, independentemente do placar, para levar a partida para os pênaltis, no jogo da semana que vem.

O time gaúcho foi melhor em grande parte do jogo. Ainda no primeiro tempo, poderia ter feito dois ou três gols. No segundo, depois de ter jogador expulso, recuou demais; o Atlético começou a pressionar. Todavia, uma pressão feita muito mais na garra do que na técnica ou no esquema tático. Obviamente, a garra é um elemento crucial também no futebol, mas somente ela não é capaz de ganhar uma partida.

Os talentos individuais do Atlético não brilharam. O esquema tático do time foi inócuo. O jogo estava fácil para o Grêmio até o momento em que ele ficou com um jogador a menos. Fiquei até com a impressão de que houve um certo comodismo ou uma certa apatia do time gaúcho. Dada a fragilidade do Atlético, havia a sensação de que se o time do sul tivesse sido mais aguerrido, o placar poderia ter sido mais amplo.

Irresponsabilidade dizer que o Grêmio já é o campeão da Copa do Brasil. Não é delírio o torcedor atleticano conceber o Atlético ser campeão no Rio Grande do Sul, desde que a equipe jogue bem melhor do que o que jogou hoje. Por outro lado, não se pode deixar de afirmar que a equipe gaúcha deu um grande passo na partida terminada há pouco lá no Mineirão. Ganhando mesmo a competição, será pentacampeão do torneio. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Poema malcriado


Anteontem, tive a honra de ter mais um poema que escrevi musicado por um amigo. Dessa vez, pelo Hérico Noronha. Assim que leu o Poema Malcriado, que postei mais cedo no Facebook, o Hérico comentou que o texto havia ficado a cara do Arnaldo Antunes. Diante disso, em tom de brincadeira, sugeri a ele que musicasse o poema. O resultado está nesta postagem.

A rigor, o texto foi escrito em treze de dezembro de 2011, data em que o postei aqui. Tentando achar outra postagem também aqui, acabei me deparando com o poema. Foi então que me decidi por publicá-lo no Facebook.

Ao Hérico, muito obrigado por ter musicado as palavras e muito obrigado pelas conversas divertidas que tivemos via WhatsApp, enquanto decidíamos que rumos tomar quanto à letra e ao astral da melodia criada pelo Hérico. 

Luzes e nódoas

Vira e mexe, como diriam os antigos, eu cito um trecho do Manuel Bandeira no qual ele diz que a poesia é “nódoa no brim”. Uma rápida consulta em meu blogue me revela que já mencionei esse trecho do Bandeira em pelo menos três postagens.

Volto a ele pela mesma temática sobre a qual já escrevi: em termos modernos, uma beleza imaculada demais pode, de modo paradoxal, não ser tão sedutora quanto uma beleza “conspurcada”. Metaforicamente, é preciso haver uma nódoa, sob o risco de se incorrer numa beleza limpinha demais, bem-comportada demais.

É preciso “estragar” o belo, “dessacralizá”-lo, “desrespeitá”-lo. Uma beleza que descambe para a assepsia absoluta corre o risco de parecer artificial. Podemos ter o anseio de sermos imaculados ou de produzirmos algo imaculado, mas sob qualquer aspecto estamos longe disso. Além do mais, nossas “impurezas” têm seu encanto e beleza. Belezas e encantos humanos, é verdade, mas belezas. Ainda bem que temos nódoas.

Ontem, folheei alguns livros do Manoel de Barros em busca de uma frase dele. Eu me lembrava do teor dela, mas não me lembrava das palavras exatas. Enquanto a procurava, eu me deparei com o seguinte trecho, extraído de “O livro das ignorãças”:

“Aos blocos semânticos dar equilíbrio. Onde o abstrato entre, amarre com arame. Ao lado de um primal deixe um termo erudito. Aplique na aridez intumescências. Encoste um cago ao sublime. E no solene um pênis sujo” (1). Os oximoros que o poeta usa intensificam a ideia de que o imaculado deve ser “poluído”. É quando fica pleno de humanidade.

O preceito do Manoel de Barros acabou me remetendo a um do Mario Benedetti, que li recentemente. Cito como está no texto original, com tudo em minúsculas:

“com o desejo mais terno do que outras noites
tateou as pernas da mulher nova
que felizmente não eram de carrara (...)
com o polegar e o indicador reconheceu os lábios
que felizmente não eram de coral” (2).

A idealização é capaz de prodígios, de produzir obras-primas. Ela é inevitável; perpassa não só nosso imaginário, mas toda a história da arte. Seria irresponsável afirmar que idealizações não contém verdades humanas.

O Modernismo, que para muitos produziu uma arte “menor” se comparada com a arte clássica, investiu pesado na dessacralização do fazer artístico e da arte em si mesma, o que é uma de suas grandes conquistas. Boccaccio, Rabelais, Cervantes ou Sterne já haviam feito uma saudável farra com a literatura. No Modernismo, isso se tornou muito forte.

Trechos como o de Manoel de Barros ou o de Benedetti, citados acima, são exemplos do que a literatura moderna conquistou. São nódoas a revelar nossa condição de seres que comportam o sublime e o sujo. Em nós, o elevado e trivial se misturam. Que haja luzes e nódoas.
_____

(1) BARROS. Manoel de. O livro das ignorãças. 4ª edição. Rio de Janeiro. Record. 1997. Pag. 21.
(2) BENEDETTI, Mario. O amor, as mulheres e a vida. Tradução de Julio Luis Gehlen. Campinas. Verus. 2010. Pág. 63.

Morte líquida

Uma gota de lucidez
num mar de desrazão.
Mergulhou nela.
Afogou-se. 

Mariposa

O Manoel de Barros, no livro “Concerto a céu aberto para solos de ave”, escreveu que “besouro no estrume está no palácio”. Lembrei-me ontem, pela manhã, do aforismo do poeta quando me deparei com essa mariposa pousada no piso do banheiro.

Que pena

Ontem, eu estava brincando com o Tito, meu cachorro. Na beirada do continente de ração dele, vi as penas; decidi tirar uma foto.

Acho que as penas não são do Tito.

Fora de alcance

Sei onde estás.
Não te amasse,
não desejaria eu
que teu lugar
estivesse ao
alcance de
minhas mãos.

Apontamento 353

Encaro a palavra como possibilidade de lucidez. A lucidez em si é bela. E pode ter nuances. Tanto é assim que existe a poesia.

Os que são contra a democracia

 Os que em nome de um patriotismo canhestro defendem mais um golpe militar, alegando que há uma presença comunista pairando no Brasil, não somente revelam ignorância histórica, mas são, em si, a ameaça. Dizendo serem patriotas, invadem a Câmera dos Deputados e pedem ditadura que afaste os comunistas que dizem estar enxergando.

Há um paradoxo: anunciam uma ameaça que é teórica, ao mesmo tempo em que se tornam, na prática, a ameaça. Em nome do que não há (o comunismo), têm implementado o que há — a violência deles contra o outro e contra as instituições, as quais somente são úteis se estiverem a serviço deles.

Eu não concordo com o conservadorismo e com o elitismo da Câmara e do Senado. É vergonhoso aceitarem jantares oferecidos por Temer (e bancados por nós) para que aprovem PEC contra a educação e contra a saúde. Todavia, isso não me dá o direito de invadir as Casas.

A grande ameaça à democracia tem vindo de quem diz que a democracia está sendo ameaçada. Inventando inimigos, seja por má-fé, seja por burrice, eles é que estão querendo minar o regime democrático, defendendo, dentre outras aberrações, golpe militar. O perigo que representam é real, palpável.

Ostentando preconceitos e divulgando riscos inexistentes, eles é que são o entrave para que a democracia avance. Inventando perigos e contando com a anuência da grande mídia, são eles, o perigo. Para destruírem conquistas democráticas, inventam e espalham monstros. Uma das pessoas que invadiram a Câmara gritava: “O general está vindo”. Se depender deles, virá.

Preconceito e loucura

A doença da sociedade brasileira tem sido escancarada em virtude dos desdobramentos políticos e das redes sociais. O que outrora era velado é divulgado em todo o País, exibindo uma face doentia e preconceituosa. O que me leva a escrever isso é o ocorrido hoje (20/11) em São Paulo.

O Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua convocaram manifestação em apoio à operação Lava Jato, em São Paulo/SP, na Avenida Paulista. Todavia, no mesmo local, estava ocorrendo a XIII Marcha da Consciência Negra.

A reação de um homem ao estar diante de uma integrante da Marcha da Consciência Negra foi típica do momento de burrice e de perigosa intolerância pela qual o Brasil tem passado. Usando um chapéu verde e amarelo sobre o qual estava escrito o nome do País e uma bandeira do Brasil pendurada no pescoço, o homem gritou para a manifestante: “Tira foto do meu pau! Eu tô louco, sim! Eu sou machista, sim! Vagabunda!”.

Tem-se então que ele pode manifestar o preconceito dele. Pode exibi-lo, pode se orgulhar dele. Na ótica dele, basta usar um chapéu com as cores da bandeira nacional e atacar o outro para que se possa ser considerado patriota. A moça que disse que a bandeira do Japão era manifestação comunista (depois ela se retratou) também se disse patriota.

Desse modo, o conceito de patriotismo é desvirtuado já em sua raiz; a partir do instante no qual esse “patriota”, em nome do que ele considera o banimento da corrupção, propõe um País que exclua, por exemplo, o negro, ele está indo contra o que está no DNA do lugar em que vive.

Não bastasse, esse “patriotismo” de parte dos que põem sobre o corpo a bandeira do Brasil e saem em manifestações que dizem ser contra a corrupção é seletivo nos protestos que realizam. O corrupto é sempre o outro.

O problema é sempre o outro, o que imprime a esse “patriotismo” mais um elemento: a ausência de cosmopolitismo, por mais que se viaje pelo mundo. É que o cosmopolitismo, em essência, não é o mesmo que viajar. Ele diz respeito a um estado mental em que há o interesse em saber o que é outro, seja quem for esse outro, seja em que país for.

Autorretratos na Torre Eiffel e vinhos saborosos em restaurantes legais podem não ser expressão de cosmopolitismo. Uma pessoa que, numa manifestação, xinga a outra do modo como o que citei acima não quer saber nem do outro nem de seu País. Ele está, sim, defendendo o interesse de seus iguais, de seus pares.

Para uma parcela da população do Brasil, se o outro é preto e vem, digamos, de Cuba, está roubando os empregos daqui; se o outro é loirinho, tem olho azul ou verde e fala inglês, ele está contribuindo para nosso crescimento. O preconceituoso jamais enxerga que o crescimento cultural é possível com qualquer outro, não só o outro que atenda a quem o preconceituoso considera detentor de humanidade.

O ocorrido na Paulista é sintomático de um Brasil que mostrou haver nele pessoas inflamadas que estão dispostas a tudo em nome seja de golpe militar seja de um processo de “limpeza” do País. Nesse mundo, cores outras ou ideias outras seriam banidas em nome da ordem e do progresso, lema que tanto gostam de bradar.

Sem o interesse genuíno pelo outro, a visão doente que têm de patriotismo e de cosmopolitismo seria risível. Seria. Eu queria ter achado graça da moça que disse que a bandeira do Japão era evidência de invasão comunista no Brasil, mas não consigo rir de coisas assim. Considero a ignorância exacerbada perigosa demais para que eu consiga zombar dela. Ela é doentia e numerosa. Não bastasse, tem apoio de parte dos grandes meios de comunicação.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Entrevista com Luís André Nepomuceno


Neste áudio, bate-papo com o professor, ensaísta e ficcionista Luís André Nepomuceno, que vai lançar em breve seu quinto livro de ficção. 

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Amores vaidosos

Stendhal (1783-1842), logo no começo de seu “Do amor”, enumera quatro tipos de... amor. Um deles, ele chama de “o amor de vaidade”. Sobre ele, escreve, segundo tradução de Roberto Leal Ferreira: “A imensa maioria dos homens, sobretudo na França, deseja e tem uma mulher da moda, assim como se tem um belo cavalo, como algo necessário ao luxo de um rapaz”. (1)

Outro francês muito agudo ao analisar os meandros do amor foi Choderlos de Laclos (1741-1803), que, no monumental “As relações perigosas”, mostra com sutileza a questão da vaidade. Só que o ensaio de Stendhal e o romance de De Laclos, embora lidem com a vaidade, fazem-no com diferentes abordagens.

No texto de Stendhal, a vaidade se concretiza na exibição pública da conquista. Já em “As relações perigosas”, o sórdido jogo entre o Visconde de Valmont e a Marquesa de Merteuil, os personagens centrais do romance, faz com que ele, por vaidade, não admita que ama a Presidenta de Tourvel, mulher que tanto lutara por seduzir.

Em Stendhal, embarca-se na vaidade para se exibir um amor; em De Laclos, para se ocultar o amor que se tem. Na trama do romance, a marquesa, em mais uma de suas maquinações, havia garantido que Valmont não era capaz de seduzir a Presidenta de Tourvel. Ele obtém sucesso. O que ele não esperava é se apaixonar por ela. Em nome da vaidade, a fim de tentar desmerecer os cruéis gracejos da Marquesa de Merteuil, nega o amor que grita dentro dele.

Stendhal desdenha dos que, por vaidade, exibem em público o amor como mercadoria; De Laclos investiga um espírito que, por vaidade, esconde o amor que de fato sente. Em um, a vaidade tentando fazer crer que o que se tem é amor; em outro, a vaidade tentando fazer crer que o amor que se tem é só mais uma conquista para o rol de eficaz sedutor.
_____

(1) STENDHAL. Do amor. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo. Martins Fontes.1993. Pág. 4. 

Apontamento 352

City streets, sucesso com a Carole King, de que o Eric Clapton participa tocando guitarra, é uma canção triste e lírica. Há o sentimento de solidão, intensificado pelo movimento das... ruas da cidade. Um eu lírico solitário diante da agitação urbana, em meio a vidas que, pelo menos na aparência, estão acompanhadas. Uma pérola da música pop. 

Proximidade

Em tua companhia,
quero minha vida.
Antes de tudo,
quero-te aqui.
Basta que estejas por perto.

Que tua inteligência
me acompanhe.
Eu tenho prazer 
quando leio tuas palavras.
São tão elegantes 
quanto tua elegância.

Escutar tua voz,
seja ela sussurro,
gemido, leitura,
conversa, riso.
Esmiuçar
teu corpo
com olhos,
mãos e tudo
o que em mim
é corpo.

Amor quer pele
e o que ela reveste.
Quero tua superfície
e tuas profundezas.
Amor requer presença.
Basta que estejas por perto. 

domingo, 13 de novembro de 2016

Instintos e política

Ontem, li um texto do Alain de Botton no qual ele diz que, muitas vezes, o cenário político de um país vai mal nem tanto devido a questões políticas ou econômicas, mas por causa do que o filósofo e escritor chama de imaturidade política. De Botton elenca alguns dos sintomas dessa imaturidade:

— a culpa é sempre do imigrante;
— a fraqueza do imaturo é causada pelo outro; 
— o bem-estar do outro é necessariamente a causa do mal-estar do imaturo; 
— grandes problemas demandam soluções radicais;
— o imaturo alega que discordar dele é não saber o que é normal, pois ele representa o senso comum;
— o imaturo não se vale da polidez, pois, na opinião dele, foram os bons modos que nos levaram ao ponto em que estamos.

Ignacio Ramonet, em artigo que já mencionei, alega que as falas de Donald Trump durante sua campanha à presidência se valeram de um tom que apela para os instintos, não para a razão: “Su discurso es emocional y espontáneo. Apela a los instintos, a las tripas, no a lo cerebral, ni a la razón”.

Em se tratando de política, a partir do momento em que o apelo aos instintos fala mais alto do que o apelo à razão, o palco está à disposição para que entre em cena o imaturo político sobre o qual discorre Alain de Botton. A questão não é banir os instintos; queiramos ou não, eles vão nos acossar, vão se manifestar, esgueirando-se entre os poros.

Que achemos maneiras de dar vazão aos instintos, em nome de nossa sanidade. A questão é que a arena política não é o local para dar liberdade a energias instintivas. A política é (ou deveria ser) terreno da razão. Não deveria ser encarada pelos cidadãos como se eles estivessem numa arquibancada de estádio. 

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A eleição de Trump e a mídia

Nos EUA, um dos líderes da Ku Klux Klan escreveu, após declarada a vitória de Trump: “This is one of the most exciting nights of my life”. Naftali Bennett, ministro da educação de Israel e importante figura de coalizão do país na questão com a Palestina, disse que a eleição de Trump é uma oportunidade de Israel se retrair quanto à noção de um Estado palestino. Texto de David Remnick, publicado na revista The New Yorker, afirma que a vitória de Trump é uma tragédia para a Constituição deles e um triunfo do autoritarismo, da misoginia e do racismo. O texto de Remnick aponta que o problema de Trump é o outro, que pode ser afro-americano, hispânico, mulher, judeu ou muçulmano.

Muitos ainda têm se perguntado como alguém tão obtuso obteve tantos votos. A questão é que ele foi eleito precisamente por ser xenófobo, machista, petulante, inconsequente, vulgar e dado a bravatas. Muitos eleitores disseram ter votado em Trump por ele não ser um político “típico”, e, por isso, estaria apto a livrar a política dos que fizeram com que ela se tornasse o que é hoje. Tais eleitores são ingênuos; contudo, Trump foi eleito em função dos preconceitos que ele já demonstrou ter, não em função de eliminar da política os maus políticos (como se isso fosse possível).

Ignacio Ramonet, num brilhante texto publicado no desinformemonos.org, escreveu sobre Trump: “Apela a los instintos, a las tripas, no a lo cerebral, ni a la razón. Habla para esa parte del pueblo estadounidense entre la cual ha empezado a cundir el desánimo y el descontento. Se dirige a la gente que está cansada de la vieja política, de la ‘casta’. Y promete inyectar honestidad en el sistema; renovar nombres, rostros y actitudes”.

Se parte do eleitor de Trump está cansado da “velha” política, não nos esqueçamos jamais de que uma grande quantidade dos votos que ele obteve foi dada por quem está interessado não em banir essa “velha” política, mas em intensificar antigos preconceitos. Em janeiro deste ano, Trump declarou: “Eu poderia ficar no meio da Quinta Avenida e dar um tiro em alguém e eu não perderia nenhum eleitor”. Ele conhece muito bem o perfil de parte dos que votaram nele.

Nos EUA, diferentemente do que ocorre por aqui, boa parcela dos grandes meios de comunicação deixa claro para o eleitorado que candidato estão apoiando. Tomar partido é uma coisa; ser tendencioso é outra. O tendencioso amplifica os defeitos do que se opõe a ele, escondendo as qualidades que essa oposição possa ter, ao mesmo tempo em que esconde os defeitos daquilo que defende, amplificando as qualidades das ideias por que luta. Nessa estratégia, o tendencioso, não raro, mente, seja quanto àquilo que defende seja quanto ao que ataca. Tomar partido é deixar claro, com honestidade, com discernimento e com discurso civilizado o que se pensa, o que é defendido, não somente no terreno político.

No Brasil, os poderosos meios de comunicação são tendenciosos; nos EUA, nesta eleição, como nunca, a mídia tomou partido, o que acabou fazendo com que houvesse rusgas entre Trump e ela. Na cobertura da campanha política, The Washington Post, Politico e Huffington Post tiveram suas credenciais retiradas pelo magnata, segundo informa Ignacio Ramonet. Ainda segundo Ramonet, até a Fox, pró-Trump, foi atacada por ele. A mídia dos EUA não pode ser acusada de ter orquestrado em uníssono a eleição do preconceituoso e arrogante Donald Trump. 

Fotopoema 399

A história por trás da foto (96)

Nesta foto, tirada hoje pela manhã, reflexo da janela da cozinha aqui de casa sobre água que estava numa pequena xícara de café. 

Pétalas

Se gostasses 
de flores, 
dar-te-ia
um buquê.
Já que 
não gostas,
oferto-te
versos.
Se te tocarem, 
terão florescido. 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Lua nova

Lua morena
veio do alto.
Desfilando com
elegância
no mesmo chão 
que piso,
me faz
desejar
o céu. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Sport dá uma aula de futebol

Se eu não tiver contado incorretamente, o Sport, que derrotou o Grêmio, há pouco, no Rio Grande do Sul, trocou quarenta e sete passes antes que Diego Souza marcasse o terceiro gol (o Grêmio não marcou) do Sport.

O time nordestino tomou posse da bola aos quarenta e dois minutos e dezenove segundos do segundo tempo. A partir daí, fez o jogo girar, tendo levado a pelota por todo o campo, num vaivém envolvente e cadenciado, com a bola indo para o ataque, voltando para a defesa e novamente para o ataque.

Aos quarenta e quatro minutos e vinte e sete segundos, Diego Souza marcaria o segundo gol dele na partida, sendo que o primeiro gol do jogo, também dele, foi um golaço. A rigor, os três gols do Sport foram belíssimos (Rogério marcou o segundo).

Por mais de dois minutos, o Sport parecia estar brincando, dando uma aula de futebol, de passes, de paciência, de como tocar a bola. Ainda que se alegue que o Grêmio está é de olho na decisão na Copa do Brasil, pouco se importando com o campeonato brasileiro, o Sport marcou um gol raro no futebol brasileiro tal qual é jogado atualmente. 

domingo, 6 de novembro de 2016

O “sorteio” da CBF para a final da Copa do Brasil

Paulo Henrique Amorim, no Conversa Afiada, publicou postagem que dá a dimensão do poderio dos tentáculos da Globo: na sexta-feira, a CBF realizou “sorteio” para a final do Copa do Brasil, que neste ano será disputada por Grêmio e por Atlético/MG.

O “sorteio” da CBF foi às 9h. Só que horas antes, às 5h55, em um de seus jornais, a Globo já havia anunciado que o primeiro jogo da final da Copa do Brasil seria em Belo Horizonte. Não há como saber se os cartolas dois times envolvidos na decisão fazem parte desse esquema. 

Episódios desse naipe envolvendo a Globo são corriqueiros. Os cartolas dos grandes times, no geral, não se rebelam contra a emissora, que dá as cartas políticas e futebolísticas na Terra de Vera Cruz. A matéria no Conversa Afiada pode ser conferida aqui

sábado, 5 de novembro de 2016

As formas de Escher

O fascínio que sempre tive pelos trabalhos de M.C. Escher tem aumentado ao longo dos tempos. Sempre que volto a contemplar a obra dele, a pergunta que me vem é: “Como é que esse cara conseguia fazer isso?”.

Escher é uma espécie de matemática e de geometria ilustradas. Mas noções de perspectiva e de lógica se desfazem, ao mesmo tempo em que ele se vale delas. O artista faz com que perspectivas e simetrias se tornem arte. Enquanto remete a um universo matematizado, cria realidades que desafiam as leis matemáticas e físicas criadas para explicar a natureza.

Diante de um trabalho de Escher, o olhar, ao se deparar com figuras matemáticas, logo quer achar a verossimilhança e a confirmação da ordem natural. Todavia, à medida que os olhos vão percorrendo os trabalhos, a lógica da geometria vai se desfazendo, e o espectador vai descortinando um mundo de ilusões de ótica, de impossibilidades, como se diante de um universo não regido pelas leis que regem este universo aqui.

Escher materializa um mundo que nossa lógica não aceita. A geometria dele cria uma realidade intrincada. Uma arte bi ou tridimensional, mas que cria planos e planos que se entrelaçam, que se encontram, que se voltam para si mesmos e que são impossíveis de existir na prática, o que acaba sendo expressão de um dos grandes poderes da arte: criar o que não existia.

A princípio, o cérebro procura a lógica com que estamos acostumados, mas não a acha. Não a achando, embarca num jogo fascinantemente lúdico que acaba remetendo à falta de lógica que se tem, por exemplo, em “Alice no país das maravilhas”. Escher, em formas que o olhar de imediato reconhece, cria um universo que as leis científicas não reconhecem. 

I can bear

Nada como um acorde após o outro: quando “More than I can bear”, do Matt Bianco, fez sucesso, eu não gostava da canção; há pouco, eu a escutei. E não é que ela é um barato? 

Rio Paranaíba

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

As ocupações contra a PEC-55

Em 1758, Jean Blondel, discorrendo sobre os pobres, escreveu: “Eles têm menos paixões porque têm menos ideias. Estão tão habituados a sofrer que não têm ideia de que sofrem”. Em Voltaire, há textos nos quais ele afirma que a felicidade das camadas populares e rurais seria de pouco interesse.

Essa introdução está aqui como argumento de que o desinteresse em que o pobre aprenda ou em que tenha acesso ao conhecimento não foi inventado há pouco. Já existia mesmo antes do Iluminismo, e continua existindo. O que a época atual possibilita é o acesso a dados que não sejam somente os que agradam aos que desejam a desinformação dos pobres.
Informação e conhecimento podem levar à rebeldia. Esta é sempre perseguida por aqueles que têm interesse em que o estado das coisas permaneça como está. Uma ideia libertária que se oponha contra quem detém o poder pode ser criminalizada; as penas variam de acordo com as épocas.

Se depender de alguns meios de comunicação e do julgamento de parcela da população, qualquer movimento que se rebele contra o atual governo será taxado de coisa de moleques, de irresponsáveis, de baderneiros. Ou então de um movimento que seria expressão de jovens doutrinados por ideólogos, que são vistos, nesse prisma, como igualmente arruaceiros, como gente preguiçosa e prejudicial.

Representantes da “ordem” já estão apresentando as armas, seja representante do judiciário, seja parcela da população que, não raro, intitula-se como cidadãos “de bem”: qualquer um que navegue por redes sociais já se deparou com postagens de cidadãos “de bem” defendendo que os estudantes devem ser retirados das escolas com “porradas e cassetetes”.

Em vez do diálogo, em nome do que consideram o bem, a ordem e o progresso, propõem a solução violenta, como se o movimento de ocupação das escolas fosse um ato de moleques inconsequentes e de rebeldes sem causa, que estariam apenas atrapalhando o andamento da educação e prejudicando os colegas de escola e os professores que são contra as ocupações. O que vai prejudicar a educação não são as ocupações, mas a PEC criada contra ela. O “transtorno” das ocupações vai passar rápido; os estragos da PEC contra a educação vão reverberar por décadas.

Generalizar, por si, é algo simplista; generalizar por má-fé é falta de caráter. Baderneiros há dentro e fora das escolas, com ou sem ocupações. Simplesmente afirmar que elas são coisa de quem não está a fim de nada é ser reducionista e se negar à conversa, à análise. O movimento de ocupação das escolas é legítimo por questionar o congelamento de investimentos na educação. Pagando jantar para deputados, o governo fez com que a PEC-241 fosse aprovada na Câmara dos Deputados, e ela será aprovada no Senado, onde recebe o nome de PEC-55.

Já escrevi anteriormente sobre a rebeldia. Quando ela não é burra e vem dos jovens, isso é sinal de alento. Um jovem inteligentemente rebelde é um tapa na cara de um sistema hipócrita, interessado em incutir na população o pensamento de que a ausência de protestos é, necessariamente, sintoma de uma sociedade com boa saúde. Nem todo silêncio é reflexo de um país saudável; há silêncios que são resultado de medo, não de tranquilidade.

Há uma pseudo-ordem interessada em que os rebeldes não se manifestem. Que eles não se calem, que continuem ocupando os espaços que o governo atual quer sem investimento. O argumento de que os jovens os quais estão ocupando as escolas são paus-mandados é, antes de tudo, um desrespeito à inteligência deles. Um jovem inteligente e rebelde é empecilho para quem não quer dialogar, para quem é truculento, para quem deseja a derrocada dos que serão prejudicados pela PEC-55.

Um jovem inteligente e rebelde que assume o dever de protestar contra o modo como o governo atual quer tratar a educação é a esperança de haver pessoas não partidárias de um “patriotismo” muito mais interessado no próprio umbigo do que na universalização de oportunidades. Quem se diz patriota e supõe que as coisas são resolvidas com cassetete não é patriota, mas herdeiro de quem alega que a solução está em golpes, sejam eles contra o corpo do cidadão, sejam contra a efetivação da democracia. Em breve, as ocupações país afora serão história; o gene da rebeldia, não. 

Nos anais da Globo

A Globo, sempre conivente com ditadores, não nos esqueçamos, dá provas, mais uma vez, de ridícula sisudez. Desde que um internauta, que se nomeou — atente-se para o cacófato — Cuca Beludo teve seu nome pronunciado na Globo News, os comandantes do império deram a ordem de que o vídeo seja banido da internet.

A consequência foi a de que uma brincadeira (sem graça), a qual teria sido comentada por um dia, seja agora acessada, comentada e compartilhada, a despeito das tentativas da Globo de banir o vídeo da internet. A crise histérica da emissora fez com que a reação dela é que se tornasse a piada. Vindo da Globo, a atitude não surpreende. Só que em vez de conseguirem fazer com que o vídeo desapareça, fizeram com que mais e mais internautas o estejam compartilhando.

Enquanto apoia golpes, sejam militares, sejam não militares, a emissora da família Marinho, num episódio bobo e banal, exibe mais uma vez suas garras. Fossem espertos, poderiam ter se valido da estratégia da CNN: nos trinta e cinco anos do canal, postaram no site deles uma coletânea de situações engraçadas pelas quais passaram seus repórteres e apresentadores. O vídeo da CNN pode ser conferido aqui

Telúrico

Certo é:
serei pó.
Enquanto
isso,
deposito
na terra
algumas
sementes.