terça-feira, 29 de novembro de 2016

Diante das câmeras

Voltou a circular um vídeo com a história de bastidores da famosa “cena da manteiga”, do filme “O último tango em Paris”, dirigido por Bernardo Bertolucci e estrelado por Marlon Brando e por Maria Schneider. Ela morreu em 2011.

Schneider já havia dito que não queria fazer a cena. Disso, eu sabia. Do que eu não sabia é que Bertolucci e Brando haviam combinado de não contar para ela o que ocorreria na filmagem. Outra coisa que eu não sabia é que de fato Brando fez sexo anal em Schneider. Pode ser que eu já tivesse lido isso por aí; se li, não entendi que tivesse havido sexo, digamos, real.

Em sua abjeção, Bertolucci alega que queria a reação da atriz como garota, não como atriz. A abjeção, que também foi de Brando, está, é claro, não no ato em si, mas no fato de a cena ter sido feita sem que Schneider soubesse de antemão o que ocorreria; tudo se deu sem o consentimento dela. Bertolucci diz que não se arrepende de ter feito a sequência, mas que se sente culpado. O diretor diz que a intenção dele foi fazer com que Schneider sentisse o que estava acontecendo, e não que ela atuasse.

O diretor afirma que não se arrepende do ocorrido, mas que se sente culpado. Nesse contexto, não consigo desassociar sentir-se culpado de ter arrependimento. Nesse caso, não se arrepender, do como encaro a situação, implica não se sentir culpado. Mas posso estar com o senso turvado ao analisar o discurso do diretor.

Do que não tenho dúvida, é de que ainda que Schneider fosse o tipo de atriz que oferecesse favores sexuais, seja nos bastidores, seja enquanto estivesse encenando diante das câmeras (não estou dizendo que esse fosse o comportamento dela), isso não daria nem a Bertolucci nem a Brando a permissão de terem armado um “complô” em nome de algum realismo torpe.

O episódio levanta ainda outra questão: até que ponto ir em nome da arte? Teriam Bertolucci e Brando o direito de, em nome de alguma suposta conquista no cinema, agir do modo como agiram com Schneider? Não, não teriam. Podem não ter mentido para ela, mas omitiram o que seria feito. A omissão pode ser tão perniciosa quanto a mentira.

Nem foi sadismo o que ocorreu durante as filmagens de “O último tango em Paris”. Sadismo, em essência, implica concordância e respeito quanto aos limites do outro. Schneider não teve essa escolha. O que houve foi voyeurismo e estupro. O trecho em que o diretor fala da sequência pode ser conferido neste link

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