Pessoas, está no ar a nova edição do Caiu na Rede. Há também um novo “player” para rodar o programa. Caso tenham alguma dificuldade em escutá-lo, gentileza me dizer.
Muito obrigado ao gentil garoto Caio Loiola, que participa desta edição do Caiu na Rede lendo o poema “Amor”, de Carlos Drummond de Andrade (o texto está transcrito abaixo). Valeu, Caio. _____
O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.
“Amor” – eu disse – e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.
Pessoas, fiz um calendário 2010 com fotos tiradas por mim. Caso queira recebê-lo, basta deixar um comentário neste blogue com seu e-mail (que não será divulgado).
Pessoas, no ar, versão inédita do Caiu na Rede. Caso queira baixar o programa, gentileza clicar aqui. Há a participação de Grazielle Sousa. Eu a convidei para que participasse da atração; ela topou de imediato, pelo que agradeço.
A Grazielle lê “tanka” de Jorge Luis Borges. “Tanka” é uma estrofe japonesa que consta de um primeiro verso de cinco sílabas, de um de sete, de um de cinco e de dois últimos de sete. Também no original, não é necessário que haja rimas. A tradução (transcrita abaixo) a partir do original espanhol é de Josely Vianna Baptista.
Em postagem do dia 18, sexta-feira passada, mostrei, em duas fotos, um ninho de beija-flor. Numa das fotos, há dois ovos no ninho; na outra, a mãe beija-flor cuida dos ovos. Nessa postagem, eu disse que era minha intenção postar fotos dos filhotes ainda no ninho.
Isso não será possível porque ninho e ovos não mais existem: Arthur, quatro anos, e Luís Gustavo, oito, derrubaram o ninho e mataram os ovos. Os primos usaram uma vassoura e uma bola de basquete. Isso foi no sábado, em torno de 17h, um dia depois de eu fotografar o ninho.
Os ovos no ninho acima vão se tornar beija-flores.
Não foi fácil tirar esta foto. O ninho foi feito num toldo que protege uma janela. Tive de subir numa escada. Mesmo assim, o tamanho da câmera não se ajustava à pequeneza do espaço para que se pudesse tirar a foto com conforto.
Com a mão direita, segurei a câmera; com a esquerda, o flash externo, conectado à câmera por intermédio de cabo. Contudo, não pude usar o flash, pois não havia como posicioná-lo adequadamente no espaço mínimo.
Foi então que uma luminária dessas usadas para leitura foi trazida. Com a luz dela incidindo sobre o ninho, pude fazer a foto sem “flash”.
Durante toda essa peleja a mamãe beija-flor esteve por perto, às vezes voando a centímetros de mim, na tentativa de proteger os ovos. Quando desci para o chão, ela voltou para o ninho – foto abaixo.
Meu muito obrigado a toda a família da Gasparina, em cuja casa o ninho foi feito. Além de agradecer à Gasparina (que segurou a escada), devo agradecer à sua filha Ana Cecília, que segurou a luminária. Além de agradecer a elas, agradeço ao esperto Arthur, que tem quatro anos de puro alto astral; ele esteve por perto o tempo todo.
A família vai me dizer quando os filhotes nascerem. Pretendo voltar para fotografá-los.
Eu havia chegado a uma escola para dar aula. Na recepção, havia um exemplar da revista Veja de 7 de novembro. Como eu ainda tinha alguns minutos, comecei a folhear a publicação.
O entrevistado da edição foi Bruno Senna, sobrinho de Ayrton Senna, cuja carreira, infelizmente, não segui, por jamais ter acompanhado uma temporada de Fórmula 1.
A Veja destacou a declaração de Bruno Senna em que o jovem disse: “Ayrton não é meu ídolo”. Depois disse que quase ficou com a vaga de Barrichello para a temporada do ano que vem.
À medida que eu ia lendo, foi se formando em mim a imagem de um jovem muito cheio de empáfia (não pelo fato de ele ter dito que Ayrton Senna não é ídolo dele), alguém que ostenta o pensamento de que nada tem a aprender com os outros.
Dias se passaram, e o que considerei empáfia me parece agora um ímpeto juvenil ou a tentativa de um jovem em se firmar. Um jovem que já entra em... cena carregando sobrenome famoso, o que, naturalmente, implicará comparações e expectativas.
Mesmo sem experiência na Fórmula 1, ele declara: “Estou muito seguro a respeito de minhas possibilidades. Sempre que tenho um bom carro, entrego bons resultados. Mostrei isso na Fórmula 3 e na GP2, as categorias de acesso à Fórmula 1”.
Senna nada mostrou ainda na Fórmula 1. Não deve ser fácil para ele ser comparado o tempo todo com o tio vitorioso. O mesmo deve ter ocorrido com o filho de Piquet, de quem Senna também falou: “O Nelsinho pode ser bem rápido, mas vai ser difícil ele arranjar emprego” (Nelsinho Piquet tornou público que bateu de propósito, atendendo a ordem da equipe para a qual trabalhou).
Que a primeira impressão que tive, a de que Bruno Senna está chegando à Fórmula 1 com muita empáfia, não se confirme. E que ele tenha uma carreira vitoriosa.
Há pouco, assisti pelo Canal Brasil a um show da cantora Roberta Sá, que só agora conheci. O show é o DVD “Pra se ter alegria”, gravado ao vivo no Rio de Janeiro em abril deste ano.
Quando liguei a TV, a faixa "Alô, fevereiro" estava bem no comecinho. Mal a percussão começara, pensei: "Taí: gostei". Terminada a faixa, eu já sabia que eu teria de assistir ao espetáculo por completo, pois, de uma vez só, o carisma e a bela voz da cantora, além da força da banda, já haviam me fisgado.
E gostei demais mesmo de imediato. A presença que ela tem no palco é ao mesmo tempo sutil e expressiva – ou talvez essa expressividade resida exatamente na sutileza. Os gestos dela são comedidos, mas não deixam de ser poderosos. Ela canta, dança, samba – tudo com graciosidade e extrema beleza.
O vestido bem longo que ela usava deixava a impressão de que ela estivesse na verdade deslizando pelo palco enquanto caminhava – o que, afinal, está mais do que em sintonia com a sutileza do espetáculo. Já quando Pedro Luís entra no palco, o vestido bate na altura dos joelhos (Pedro Luís e ela são casados). Algumas canções depois ela já usa uma camisa com mangas compridas. Todas as roupas, bem como o palco, têm o vermelho como tom predominante.
O samba é a tônica do show. Os arranjos são impecáveis e a banda é de uma competência absoluta. Há clássicos da MPB, como “Pelas tabelas”, de Chico Buarque, e canções de Pedro Luís e Carlos Rennó, compositores que figuram entre os prediletos de Roberta Sá.
O Caiu na Rede que vai ao ar na quarta-feira que vem já está gravado, mas em breve pretendo executar a cantora no programa.
No fim de semana, tive o privilégio de conferir novamente, aqui em Patos de Minas, mais um show com o Trem das Gerais.
Os integrantes são de Araguari e pertencem à mesma família. Adolfo (voz/violão) e Vânia (voz/percussão) são casados. João Paulo (tambores) e Pedro (violão/viola) são os filhos do casal e completam a banda. No show do fim de semana, também esteve presente o baixista Márcio Bonesso.
Antes de formar o Trem das Gerais, Adolfo já havia trabalhado na noite com música, bem como já havia se dedicado à fabricação de instrumentos musicais (os tambores que seu filho utiliza nos shows foram fabricados por Adolfo).
O grupo já lançou dois CDs: “Cantos gerais (2003) e “Embornal de cantoria” (2006). Ambos estão esgotados. Nos registros, interpretam canções próprias e de outros compositores. Há a intenção de se lançar o CD “Nos trilhos de Minas”, que, segundo Adolfo, será um trabalho mais autoral.
O Trem das Gerais executa com poeticidade e rica simplicidade clássicos da música popular brasileira (em especial, da música mineira). Mas no repertório não estão presentes apenas o lirismo e a rica tradição poética disso que podemos chamar de mineiridade. Há momentos em que o show se torna decididamente dançante. Impossível mesmo ficar parado. Tanto que no show do fim de semana houve casal que se rendeu e fez dos poucos espaços livres uma pista de dança.
Abaixo, um documentário de 15 minutos que apresenta um resumo da trajetória do Trem das Gerais. O registro é de 2006, e a direção é de Marcel Naves.
Fazer com vagar e frequentemente rende muito mais do que fazer com pressa e de vez em quando. Mas fazer com pressa e frequentemente rende muito mais do que os dois.
Frase dita por um jogador do Fluminense, após término da partida contra o Atlético Paranaense, no Maracanã, há pouco: “Apesar de baixinho, o Conca é muito inteligente”.
Há pouco, fui tomar água e me deparei com esta aleluia morta na pia da cozinha. Ao mesmo tempo em que é idiossincrático, é inevitável: sempre que vejo um corpo morto (não importa do que seja o corpo), eu me pergunto para onde foi a vida que estava ali.
Na sala da casa onde moro há uma telha maior que é de vidro. Além de clarear o ambiente, ela frequentemente deixa confundidos os bichos que por ventura vêm aqui.
Foi o caso desta borboleta. Entrou pela janela e ficou dando voltas pela sala. Quando percebeu que o mundo lá fora estava mais interessante, tentou sair pela telha de vidro – como ela é transparente, é possível enxergar céu, nuvens...
A borboleta começou então uma luta infrutífera em busca das prometidas amplidão e liberdade. Debateu-se contra o vidro até parecer se cansar. Por fim, pousou no lugar em que está nesta foto e ficou quieta.
Enquanto digito, chove. E a borboleta ainda está lá; parece observar a chuva que escorre pelo vidro...
Pessoas, já no ar mais uma edição do Caiu na Rede. Neste programa, entrevisto Diego Bueno Guimarães, que é enfermeiro formado pela Federal de Goiás. Ele também lida com acupuntura. Na entrevista, fala de seu trabalho e também de sua convivência com o rock - os clássicos do gênero executados no programa foram escolha dele.
A você, Diego, muito obrigado por ter me concedido a entrevista.
E, pessoas, caso queiram baixar o programa e escutá-lo onde vocês quiserem, basta clicar aqui.
Pessoas, quero agradecer demais ao Ismael, leitor deste blogue e que gentilmente conseguiu para mim a canção “Let the river run”, com The Saint Thomas Choir of Men and Boys.
(Ismael, acredite: há no mínimo uns dez anos eu procurava por essa canção. Eu a descobri na trilha sonora do filme “Working girl” (“Uma secretária de futuro”), num tempo em que existiam LPs – ela era a última faixa do lado B, salvo engano. Na época, a versão com a Carly Simon fez sucesso. Mas desde que escutei a versão com o coral, gostei de imediato Devo-lhe essa, Ismael.)
Anteriormente, já pedi a vocês algumas canções. Peço mais uma: “Let the river run”. Não a conhecida gravação com a Carly Simon, mas, sim, a versão com The Saint Thomas Choir of Men and Boys. Eu a procuro há muitos anos.
A faixa é trilha sonora do filme “Working girl”. Em português, o filme se chama “Uma secretária de futuro”. Caso alguém consiga, gentileza entrar em contato por intermédio deste blogue, deixando e-mail (que não será publicado) para contato.
Pessoas, eu vinha divulgando no Caiu na Rede que os programas estariam à disposição. E estão. A partir de agora, você pode baixá-los, salvá-los no seu tocador de MP ou “pen drive” e curtir o programa onde você quiser, seja em seu carro, em sua casa ou durante sua caminhada. Abaixo, os linques.
Por vezes tenho a forte impressão de que há uma verdade óbvia que está bem na minha cara – o tempo todo. Ainda assim, não consigo enxergá-la, por mais que eu corra atrás dela, por mais que eu deixe de correr atrás dela. Mas nem sei se tal verdade existe mesmo.
Pessoas, está no ar mais edição do Caiu na Rede. Este programa tem uma novidade – entrevista com Dionathan Santos. Ele é meu primeiro entrevistado. Minha intenção é realizar entrevistas com personagens locais que geralmente não aparecem na mídia. Obviamente, a despeito de as entrevistas serem feitas com gente daqui, a intenção é dar a elas um enfoque que não seja bobamente bairrista.
Agradeço demais ao Dionathan por ter me concedido a entrevista, em que ele falou de seu trabalho (gerente e foto e ótica) e de seu entusiasmo pela dupla inglesa Pet Shop Boys. Generoso, Dionathan, além da predisposição, trouxe fotos e vídeos que ele e Fernanda, sua esposa, fizeram em dois shows recentes do duo inglês, em São Paulo e no Rio. As fotos e os vídeos deles estão abaixo. O desprendimento dos dois enriqueceu não somente esta postagem, mas também o Caiu na Rede.
Frequentemente me perguntam por que mantenho um blogue. Alguns chegam a dizer que manter um blogue, em meu caso, é perder tempo, já que não ganho dinheiro com isso. De fato, não ganho. Para se ganhar dinheiro com um blogue, é preciso que a página seja acessada por milhares e milhares de pessoas.
Há ainda quem argumente que o blogue é lido por uma minoria – no que estão certos. Mas fosse eu exigir numerosos leitores, eu jamais teria escrito nada – não somente aqui.
Ao manter o blogue, tenho a oportunidade de escrever com frequência – enquanto escrevo, curto. Isso, por si, penso, já justifica a existência do saite.
Recentemente, tenho postado o Caiu na Rede, que é atualizado semanalmente e que pode ser escutado por intermédio desta página.
Por fim, não fico com a imaginação estática. Se por um lado pode-se argumentar que não há prodígios arrebatadores por aqui, por outro, posso argumentar que estar envolvido com textos, fotos e áudios é um prazer.
Em nome da sanidade, temos de nos conceder alguns prazeres; sem eles, a vida seria ainda mais complicada. Em nome da sanidade, temos de atender ao que nos pedem a imaginação e a vontade.
A vida é cheia de burocracia e tolhimento; apesar deles, todos temos de vivê-la. Manter o blogue é mais uma tentativa de tornar minha vida menos burocrática, chata e monótona.
Estranharam a timidez do efusivo, serelepe e eloquente palestrante à mesa do restaurante, depois de terminada a palestra em chique recinto. Não perceberam que à mesa ele estava em mais um de seus papéis.
As diferenças entre pobres e ricos acabam depois de algumas taças de vinho ou de alguns goles de cachaça. Pena que não se reúnam – seja para tomar vinho ou cachaça.
Jornal local publicou recentemente texto de Luís André Nepomuceno, professor do Unipam (Centro Universitário de Patos de Minas), sobre a peça teatral “O caderno secreto de Lori”. Abaixo, com a devida autorização do autor, o texto que saiu no jornal.
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HILDA HILST CONTINUA NOS INCOMODANDO
Espetáculo baseado na obra da escritora, e apresentado no III Festival de Teatro em Patos de Minas, é visão amarga da infância destruída
Luís André Nepomuceno
Dentre os espetáculos apresentados no III Festival Nacional de Teatro Universitário de Patos de Minas, promovido pelo UNIPAM, “O caderno secreto de Lori” parece ter provocado um debate bem mais caloroso e acirrado do que os demais espetáculos normalmente vinham provocando. O monólogo, resultado do Trabalho de Conclusão de Curso de Jéssica Azevedo na UFMG, dirigido por Marcelo Rocco, e tendo Jéssica Azevedo no papel de Lori, é uma adaptação do polêmico romance de Hilda Hilst, “O caderno rosa de Lori Lamby” (1990), cuja mais recente edição saiu pela Editora Globo, com desenhos de Millôr Fernandes (2005). Lori é uma menina de 8 anos, vítima de seduções e da iniciação sexual que vem de seus próprios familiares, como os pais, os tios, ou de fregueses que participam das bandalheiras de que a menina é obrigada a participar. Seria comovente e, por certo, receberia a aprovação de qualquer espectador disposto a condenar um dos mais graves crimes do mundo moderno, a pedofilia, não fosse um detalhe comovente e incômodo: Lori (a exemplo de outras personagens clássicas da literatura libertina) registra, em boa parte de seu monólogo, que, embora seja ingênua, sente-se naturalmente inclinada aos favores sexuais que os adultos lhe impõem, nada vendo de reprovável no fato de que, para isso, receba chocolate e sorvetes como prêmio.
Uma das acusações feitas ao olhar de Marcelo Rocco e Jéssica Azevedo é a de que o diretor teria conduzido todo o espetáculo a uma exaltação dos prazeres da menina, em detrimento de uma denúncia mais pungente dos crimes que lhe são impostos. Em suma: que a direção estaria evidenciando na menina muito mais o prazer de ser pervertida do que o sofrimento que isso certamente acarreta.
Rocco, na verdade, optou por uma saída engenhosa e sutil, levando o espectador a rever seus próprios preconceitos. A primeira atitude de quem está diante da cena é acusar a menina de safadinha, de pervertida, de quem está gostando das orgias de que é obrigada a participar. Mas é nisso que reside o lado provocador do texto: o sofrimento da menina, que existe com profundidade, é preenchido por espaços vazios e quase invisíveis, sempre a nos revelar que sociedade nunca os enxerga. Cabe ao espectador (tanto quanto ao leitor, no livro da Hilda Hilst) completar e compreender esses espaços, como os terríveis momentos de silêncio de uma menina que não compreende o que está dizendo e o que está acontecendo com ela. É um exercício de revisão de valores por parte do espectador. Na verdade, um exercício de compreensão sutil de quem fez um julgamento precipitado.
Há pontuações evidentes do sofrimento de Lori: a dor física que ela sente, depois de se entregar aos homens; o processo cruel de sedução dos adultos (que ela não entende que é sedução); a dança desengonçada e sofrida de um balé estranho; a cegueira insinuada, quando ela tem os olhos vendados; e por fim, a crueldade da cena final, quando ela é sugestivamente violentada por um ícone da indústria infantil, um bichinho de pelúcia que se transforma num monstro. Aliás, entre as armadilhas da sedução dos adultos, evidencia-se no drama de Marcelo Rocco uma sátira cruel à imensa indústria infantil de erotização da criança. Como aponta Alcir Pécora, na apresentação do livro de Hilda Hilst, “a obscenidade n’O caderno não é senão demonstração ostensiva do lixo nacional, particularidade (nunca exceção) do sórdido humano”.
Hilda Hilst parte de uma estratégia que considero entre as mais engenhosas na estrutura de uma narrativa: ela é capaz de construir a identidade de um narrador que conta uma história, a partir de um determinado enfoque ingênuo e mal compreendido. A personagem do romance de Hilst e a personagem do monólogo de Marcelo Rocco são narradoras a quem não se pode dar crédito, pela sua própria incapacidade de discernimento do real. É o que o crítico John Gledson chama de “narrador impostor”, a respeito dos personagens dos romances de Machado de Assis. São narradores incapazes de compreender a própria natureza daquilo que veem e narram, ou narradores que arrastam o leitor a uma compreensão parcial dos fatos. O discernimento, nesse caso, é um exercício do leitor, ou do espectador, jamais do narrador. Trata-se de uma ironia cruel e amarga. Se o espectador não souber compreender esse exercício de desdobramento das vozes da narrativa, ou da linguagem cênica, por certo não será capaz de ter compaixão pela menina (exercício imprescindível no acompanhamento do espetáculo), e terá por ela um sórdido sentimento de preconceito. É uma safadinha, não mais que isso.
Mas devemos lembrar sempre que, na arte cruel da sedução, Lori é a seduzida, não o sedutor, é a vítima, não o carrasco. Mais que isso, de depravada, torna-se ingênua, quase inocente. Mais ainda: torna-se limpa e pura na sua simplicidade extrema de falar o que vem à boca. Não é à toa que um dos mais comoventes momentos do espetáculo é a “Ave Maria” que se toca ao fundo, enquanto ela nos revela o seu caderno secreto, o seu diário de menina.
Sim, Marcelo Rocco poderia ter optado por evidenciar o sofrimento de Lori, com toda a clareza possível, de tal forma que a peça ficasse mais óbvia e mais didática. Mas sua narradora tem apenas 8 anos e não é capaz de discernir moralmente os fatos; no entanto, narra-os de tal forma que nos obriga a fazer esse discernimento por ela.
Está aí a percepção sensível do que foi mostrado. Comovente, belo, irônico, amargo e desafiador, o espetáculo de Rocco acrescenta muito ao romance de Hilda Hilst. Pena que a peça não recebeu premiação alguma no Festival em Patos de Minas.
Pessoas, já no ar, mais uma edição do programa Caiu na Rede. Para escutá-lo, gentileza apertar a tecla “play”, abaixo do título do blogue.
No programa anterior, informei que o avião Enola Gay havia jogado uma bomba sobre Hiroshima e outra sobre Nagasaki.
Na verdade, o Enola Gay e Paul Tibbetts, seu comandante, não participaram do ataque sobre Nagasaki. A segunda bomba foi jogada por Charles Sweeney, que estava no comando do Great Artiste.