terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Feitos um para o outro

Sou antiGlobo. Isso é coisa antiga, vem desde a juventude. A emissora da família Marinho e as ramificações do império que edificaram são contra o Brasil. Muitos se deixam levar por questões técnicas e por um populismo interesseiro, alegando que haveria boas intenções na Globo e nos afluentes dela. A emissora vende bem a ideia de que se importa com o Brasil. O flerte com a ditadura e o silêncio quando do famoso comício a favor das eleições diretas em São Paulo são apenas duas provas patentes que os interesses da família Marinho não são os interesses do Brasil. Ditadores e golpistas ditam a pauta do que a família Marinho divulga. Não sou vassalo deles nem teleguiado pelo que transmitem.

Hoje, no Rio de Janeiro, representantes do exército dariam uma coletiva sobre a invasão (sim: invasão) realizada pelo exército na cidade. A rigor, não houve coletiva. As perguntas tiveram de ser escritas e foram previamente analisadas pelo exército (o que não havia sido divulgado anteriormente), que respondeu basicamente às perguntas da... Globo. Claro que isso não surpreende. Só uma emissora que cala os interesses do povo poderia ser contemplada numa pseudocoletiva dada pelo exército.

Naturalmente, o jornalismo do exterior sabe das intenções escusas da emissora. Tanto é assim que Dom Phillips, que é inglês e esteve hoje na “coletiva” do exército, publicou no Twitter que a Globo havia sido favorecida no evento. Obviamente, esse favorecimento ocorre por a emissora não fazer as perguntas que realmente interessam à população. A Globo e o exército se entendem, realizam conversa de compadres.

Fossem as coisas transparentes, que mal haveria em responder a perguntas que fossem honestas ou contrárias à decisão do exército? Por que a necessidade de ler as perguntas anteriormente? Não bastasse, integrante do exército, durante a coletiva, declarou que o Rio de Janeiro “é um laboratório para o Brasil”. Antigamente, os golpes vinham da noite para o dia; hoje, vêm em doses homeopáticas.

Há um ditado o qual diz que grandes mentes pensam semelhantemente. Não nos esqueçamos, todavia, que mentes pequenas não pensam muito diferentemente umas das outras. Globo e exército estão em sintonia; não os considero grandes mentes. O poder que têm não me seduz. Enquanto isso, fazem do Brasil o laboratório deles. O brasileiro não merece isso. 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Mandando balas nos estudos

A mais recente do Trump foi divulgar a ideia de que o problema das mortes causadas por atiradores nas escolas de lá pode ser resolvido assim: dê armas para os professores. O presidente dos EUA aventou a possibilidade de pagar bônus aos docentes que topassem. Trump sabe que não está sozinho na burrice dele, não somente lá. No Brasil, há quem sente até frêmitos em pensar na excitante possibilidade de trocar horas de leitura e de estudo por um curso de tiro. 

Na terra e no céu

Um helicóptero pode servir
para jogar panfletos sobre favela
ou para transportar cocaína.
Num caso ou noutro,
o “aviãozinho”
cairá por terra,
voará pelos ares. 

"As impurezas do branco"

Embora, ao longo dos séculos, os detentores do poder tenham se valido de diferentes estratégias, um dos objetivos continua o mesmo: varrer os pobres para debaixo do tapete. Com o advento da República, por exemplo, no Rio de Janeiro, houve o bota-abaixo, que teve como consequência o deslocamento de milhares de pobres das áreas centrais para locais de difícil acesso. A intenção era correr com os pobres para que dessem lugar a largas avenidas, no projeto de urbanização da época. Recentemente, foi a vez de João Doria tentar afugentar pobres do centro de São Paulo. O “modus operandi”? Contratar empresa para jogar água fria nos mendigos que estivessem dormindo nas calçadas.

No Rio de Janeiro do século XXI, com suas largas avenidas, a ocupação da cidade pelo exército é teatro sinistro que, se prender, prenderá os de sempre — negros, pobres. Não há cerco contra poderosos corruptos, apenas contra pobres, não importa se desonestos ou honestos. Dândis ricos continuarão a comercializar e a cheirar a cocaína deles em helicópteros. Ricos (ou os que se acham ricos) podem circular ou voar ou cheirar à vontade. 

Haicai 63

Retina 
cansada:
rotina. 

“Gilbert Grape: Aprendiz de sonhador”

É comum a ideia de que livros ruins geram filmes bons e a de que livros bons geram filmes ruins. Há exceções. “Drácula”, do Coppola, é um filmão baseado num grande livro. Não sei se “What's eating Gilbert Grape”, de Peter Hedges, é um grande livro, mas ele é a base de um grande filme, de 1993, que em inglês tem o mesmo título do livro. Releve o título brega que o filme recebeu em português (Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador). É um filmaço. O diretor é Lasse Hallström; Peter Hedges é também o autor do roteiro do filme.

Há as atuações de Leonardo DiCaprio, que tinha dezenove anos na época, e de Johnny Depp, então com trinta anos. Depp interpreta o Gilbert Grape do título; Arnie, interpretado por DiCaprio, é irmão de Gilbert. Arnie tem problemas mentais. Quem cuida dele a maior parte do tempo é Gilbert. A mãe deles é Bonnie Grape. Ela é interpretada por Darlene Cates, que morreu em março do ano passado. Ela tinha obesidade mórbida. Bonnie Grape foi um dos poucos papéis dela no cinema.

Este trabalho de Lasse Hallström tem o maior dos apelos que uma narrativa pode ter: é uma boa história. Sei que isso soa impreciso, turvo, mas sabemos reconhecer uma grande história quando estamos diante de uma. “Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador” não precisa apelar para firulas técnicas a fim de convencer e de sensibilizar. A poderosa narrativa fala por si.

Um grande filme não precisa ter espiões, magnatas, gente com superpoderes. Personagens assim podem estar em belos filmes; mesmo assim, é bonito assistir a uma produção em que a força das pessoas está exatamente nos dramas por que passam em suas “vidinhas”. Não é fácil produzir arte a partir de personagens tão triviais. A maioria de nós é gente sem nada de acachapante. Todavia, trabalhos como “Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador” não nos deixam esquecer de que as pequenas-grandes lutas da maioria de nós todos os dias podem assumir dimensões artísticas ou grandiosas. 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Uma história e um vídeo



No dia treze de janeiro de 2008, Edgar, meu irmão, levou um tiro após uma briga de trânsito aqui em Patos de Minas. O que atirou e o que estava dirigindo a moto (ambos não tiraram os capacetes) no momento do disparo nunca foram identificados.

Quando recebi a notícia de que o Edgar havia sido baleado, eu estava em Caldas Novas com amigos. Momentos antes de eu ficar sabendo do ocorrido, eu havia comido muito. Tendo recebido a notícia, meu estômago ficou embrulhado, mas não cheguei a colocar para fora os alimentos.

Eram em torno de 21h quando fiquei sabendo do que havia ocorrido com meu irmão. Após ligações que fiz aqui para Patos, ficou decidido que eu sairia de Caldas Novas no dia seguinte, no primeiro horário de ônibus para Uberlândia. De lá, eu teria carona até Patos. Não consegui dormir naquela noite.

Os primeiros dias são muito difíceis. A gente fica sem saber o que fazer com o corpo de quem, de uma hora para outra, fica paraplégico. A esperança de que a pessoa volte a caminhar causa, no leigo, o temor de manejar o corpo do outro. Logo, logo, contratamos Diego Bueno Guimarães, enfermeiro que ficava aqui em casa durante o dia.

Ao mesmo tempo, eu e amigos passávamos os dias tentando vaga para que o Edgar pudesse ser atendido no Sarah, em Brasília, o que ocorreu pouco mais de um mês depois da briga que causou a paraplegia. Às noites, quando o Diego não estava aqui, eu colocava o relógio para despertar de duas em duas horas, a fim de mudar a posição do corpo do Edgar, para que ele não ficasse com escaras; devido ao tempo passado na cama e à quase imobilidade inicial, a pele pode ter feridas. O Sarah não admite pacientes com escaras.

Antes mesmo de meu irmão ir para Brasília, eu disse a ele que a partir do instante em que ele havia levado o tiro, a vida dele poderia ser encarada de dois modos: que ela havia acabado ou que ela havia renascido. É claro que eu torcia pela última alternativa, embora sem saber o que fazer para que ela existisse de fato no espírito do Edgar.

Na época, argumentei com ele que o mesmo capricho o qual fizera com que a bala o deixasse paraplégico poderia ter atingido um órgão vital. É uma questão de centímetros. Anos depois de ele ter levado o tiro, perguntei para o Edgar se ele achava que tinha valido a pena sair vivo daquela briga de trânsito. Ele respondeu: “Cê tá é louco: claro que sim!”.

Mas nada do que eu ou os amigos disséssemos não teria efeito se não fosse a atitude do Edgar em relação ao ocorrido e à vida como um todo. Dez anos depois do triste episódio, ele continua trabalhando, continua produtivo. Tanto é assim que está gravando um CD com músicas de autoria dele. A alternativa do renascimento tanto prevaleceu que o próprio Edgar diz que ele faz aniversário em duas datas: no dia em que nasceu e no dia em que levou o tiro.

Quando comentou comigo que gravaria um CD, propus a meu irmão fazermos um clipe que mostrasse o dia a dia dele. Ele topou. O clipe que mostra o cotidiano dele não é o desta postagem, embora já tenhamos filmado parte desse vídeo. O clipe desta postagem não deixa de mostrar uma parte do que o Edgar faz em seu dia a dia, mas a proposta foi desde o começo criar um clima mais intimista, devido ao astral da música.

Gravamos no Teatro Municipal Leão de Formosa, na tarde do dia dois de fevereiro de 2018. As pessoas a quem temos de agradecer por terem ajudado a realizar o projeto estão nos créditos; é o primeiro clipe que realizo. Para as tomadas estáticas, usei tripé. Para as tomadas em que há movimento, usei um trilho apoiado sobre duas cadeiras, que por sua vez estavam apoiadas sobre uma mesa, que por sua vez era carregada pelo palco do teatro. Em apenas uma das tomadas, a câmera estava sobre o piano. A fim de não danificá-lo, em vez de ela ficar sobre o trilho, eu a coloquei sobre uma toalha e puxei o tecido, imitando o movimento que o trilho possibilita.

Para os registros, usei uma Canon EOS 70D e duas lentes: uma delas (para a maioria das tomadas), uma Canon 50mm F/1.4; para duas ou três tomadas, uma Canon 18-135mm F/3.5-5.6. Em ambas as lentes, usei sempre a abertura máxima, variando ISO e velocidade conforme a luz.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Uivo

Noites de Lua cheia 
são para lobos.
Se quiserem, 
que os cordeirinhos 
façam suas preces.
De qualquer modo, 
morrerão. 

Vindo

São enganados ou querem enganar

Tendo lido A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado, do Jessé Souza, publicado pela editora Leya, não vacilo em inseri-lo na galeria de nomes como o de um Darcy Ribeiro, autor do imprescindível e brilhante O povo brasileiro. Ribeiro foi importante para a época e ainda é importante para se entender o Brasil. Souza é importante e seguirá sendo pela mesma razão.

Também do Jessé Souza, falta eu ler A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite e A elite do atraso: da escravidão à lava jato, que tenho aqui perto de mim enquanto digito este texto. Embora A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado não tenha a palavra “elite” no título, a obra é dedicada a esmiuçar os mecanismos pelos quais uma meia dúzia de endinheirados (que Jessé Souza considera ser a verdadeira elite do dinheiro) conseguiu incutir na tradicional classe média, que se julga mais refinada do que realmente é e mais inteligente do que do que de fato é, a bandeira da luta contra a corrupção, quando, de fato, no entender de Jessé Souza, o único interesse das aves de rapina da elite endinheirada foi o de sempre: saquear o país mais uma vez.

O texto de Jessé Souza é claro, direto, elegante. Ele não usa eufemismos, mas não está preocupado com polêmicas bobas nem com soar bombástico. Dizendo o que tem de ser dito de modo simples, Souza questiona bases do pensamento político e econômico brasileiro como, por exemplo, a edificada por Sérgio Buarque de Hollanda. Nem preciso dizer que Jessé Souza não cai na armadilha boba de querer soar iconoclasta em relação aos que critica.

Jessé Souza escreve: (...) “Os setores da classe média, que se julgam bem-informados por consumirem sua dose diária de veneno midiático, e se deixam manipular pelos endinheirados e seus interesses, não são tão inteligentes e racionais como se acreditam” [1]. Não sendo tão inteligentes quanto pensam que são, vestiram camisetas da CBF, bateram panelas e foram a passeatas, supostamente se manifestando contra a corrupção, quando, na visão de Jessé Souza, com a qual concordo, estavam apenas a serviço da mídia, que, por sua vez, está a serviço da elite do dinheiro, que, por sua vez, está apenas interessada em um modo de, mais uma vez, lesar o país; dessa vez, é com a roupagem do discurso anticorrupção.

Na visão de Jessé Souza, a classe média brasileira comprou fácil esse discurso por motivos conscientes e inconscientes. Dentre os motivos que podem ser rastreados, Souza menciona nosso vergonhoso passado de escravidão, que não é tão infame assim para setores dos endinheirados e da classe média. Além do mais, manipulada pela mídia, que é regida pela elite do dinheiro, “uma fração significativa da classe média interpretou o incômodo da maior proximidade física das classes populares em espaços sociais de consumo antes exclusivos da classe média como o primeiro passo de um processo que podia significar uma ameaça aos privilégios reais de salário e prestígio. Esse aspecto é irracional, já que a qualidade da incorporação do capital cultural típico da classe média é outro” [2].

Numa obra desse teor, natural que Jessé Souza critique a tão elogiada meritocracia. Valendo-se de argumentos sociológicos, o autor ataca a falácia de que a classe média se dá bem em termos financeiros porque é inteligente e trabalhadora, e que o pobre não consegue patamar de vida melhor porque é burro e preguiçoso.

Contundente e acessível, Jessé Souza vai juntando as peças do Brasil atual e compõe um painel lúcido, diante do qual é impossível ficar indiferente. Tenho dito que o Brasil está pagando caro (e vai pagar mais caro ainda) por um antiesquerdismo ora doentio ora interesseiro. Livros como o de Jessé Souza advogam não a favor de um partido, mas do povo brasileiro. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado escancara como a elite do dinheiro está mais uma vez, de modo canalha, minando o país para ter lucro agora. No jogo atual, estão dando a ideia de que tudo é em nome da moralidade, das pessoas de bem, da luta contra a corrupção.

É um livro que, se por um lado, deixa o leitor com nojo das artimanhas dos endinheirados, por outro, envia um sinal de esperança. Quem nunca engoliu o discurso de que tudo o que tem sido feito é para combater a corrupção não está sozinho. E quando um Reinaldo Azevedo aponta as incongruências jurídicas da galera do TRF4, isso torna a leitura de um Jessé Souza uma necessidade e uma inspiração. Que ele e a editora Leya prossigam com o trabalho que têm feito.
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[1] Souza, Jessé. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro. Leya. 2016. Pág. 84
[2] Idem. Pág. 85.