terça-feira, 29 de agosto de 2017

Apontamento 369

A questão não é de as pessoas lerem mais — é de lerem. 

When in Rome

No fim de Spotlight, filme sobre o qual escrevi recentemente, fica-se sabendo que cardeal que acobertava pedofilia na cidade de Boston, nos EUA, foi transferido, em 2002, para Santa Maria Maggiore, prestigiosa basílica na hierarquia da igreja católica em Roma. A conclusão triste a que se chega depois de assistirmos ao filme é a de que fosse todo padre envolvido com pedofilia encaminhado para Roma, não haveria igrejas o bastante na cidade para abrigá-los. 

sábado, 26 de agosto de 2017

Desistência nacional

Não sou como os que nunca desistem.
Queria ser.
Eu desisto muito.

Já desisti
das palavras,
de planos,
de mim,
de ti.

Há desistências permanecentes.
Outras são vaivém.

Hoje, desisto de meu país.
Sou tão sombrio quanto ele.
Hoje, desisto do brasileiro:
parte de mim desistindo de mim
e de outros milhões. 

Convite

Corpo e verbo

Não sou somente palavras.
Meu corpo é teu. 
Aceita o que sou,
dá-me o que és.
Sejamos o corpo da palavra,
a palavra do amor,
o amor do corpo. 

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Linhas

Spotlight

Spotlight (2015) conta a história do trabalho de quatro repórteres que investigaram abusos sexuais de padres contra crianças em Boston, nos Estados Unidos. O diretor é Tom McCarthy. O roteiro é dele e de Josh Singer. No Brasil, o filme recebeu o título de Spotlight: segredos revelados. A denúncia inicial (houve outras posteriormente) foi publicada em 2002 no jornal Boston Globe, em trabalho dos jornalistas Matt Carroll, Sacha Pfeiffer, Michael Rezendes e Walter V. Robinson.

À medida que o número de padres envolvidos nos abusos vai aumentando, o filme toca feridas, mencionando o acobertamento da igreja católica quanto ao comportamento abusivo dos religiosos e mostrando que há quem lucre a partir dos graves delitos de que o filme trata. Enquanto o número de padres pedófilos vai se agigantando, há o inevitável momento em que o espectador encara a questão de que Boston é só um microcosmo das atrocidades de parte do clero.

O roteiro acerta ao humanizar as vidas dos repórteres e as das vítimas que dão depoimentos para os investigadores do Boston Globe. Outro acerto louvável é o tom do filme, que, não sendo panfletário, não deixa, ao mesmo tempo, de contundentemente expor esse câncer da igreja católica. Spotlight é maduro, corajoso. A denúncia que realiza não soa rançosa nem soa como “vingança” contra a igreja católica.

Além disso, o filme evidencia a importância de algo que tem se tornado cada vez mais raro nos meios de comunicação: a matéria investigativa que demanda tempo, que foge da urgência diária da correria das redações. Não sei se as empresas do exterior têm investido em matérias que precisam de fôlego para serem realizadas (as daqui não têm). Do que sei, é que Spotlight joga luz sobre a nobreza que o jornalismo pode ter. 

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Apontamento 368

Que haja amor sem ingenuidade, pois ela estraga não somente o amor. O amor de que falo implica ausência de ingenuidade, que não é a mesma coisa que falta de humor ou falta de senso de pureza.

O mundo sempre foi um lugar violento, desonesto, desleal, perigoso. Não saber disso ou não se precaver contra isso é de uma ingenuidade que pode ser fatal. Não ser ingênuo não torna ninguém imune aos perigos do mundo. Todavia, é menos arriscado viver com a noção das armadilhas do caminho.

Para muitos, não há lugar para o amor num mundo tão conspurcado e burro. Contudo, o amor pode ser encarado como rebeldia, ato de coragem, ousadia, não rendição ao que o mundo nos oferece de ruim todos os dias. Amor é força, é energia. Aquele que tem a coragem de exercer, sem ingenuidade, essa força dá a mais poderosa e loquaz negativa contra o que o que há de estúpido.

Que se supere a ingenuidade, que se busque a maturidade, que a maturidade traga amor. Perigos estão à espreita, a tolice grita. Num cenário em que a selvageria dirige carros, publica em redes sociais ou mata o próximo por ninharias, amar é resistência. 

Perfil

O silêncio dele é imbecil.
O barulho é burro.
A voz é gritante. 
Os textos são em caixa alta.
O ódio é maiúsculo. 
A ignorância é em negrito.

Não sabe que é tolice
o nome do que se orgulha.
Desconhece matizes, nuanças,
sutilezas, semitons.
A disciplina que o excita
é fardada, bate continência.
Ele não sabe que não sabe quem é.

Quando sofre,
a culpa é do outro.
Quando o sexo não se eleva,
a culpa é do outro.
Quando é rico,
tem nojo de pobre.
Quando é pobre,
tem nojo de pobre.

Tosquiaram-no, mas ele não sabe.
Está nu, mas é bufante.
Inchado e doente,
bafeja a morte,
alicia os iguais,
alija os diversos.

Ama o país;
quer construir um muro para dividi-lo.
Ama o estado;
quer construir um muro para dividi-lo.
Ama a cidade;
quer construir um muro para dividi-la.
De tijolo em tijolo, faz ruir.
De tijolo em tijolo, está ruindo. 

domingo, 20 de agosto de 2017

Ventos

Não cogito o que
os ventos de agosto trarão. 
Eu me contento com agosto
trazer ventos.
Se por ventura 
me soprarem versos,
tu saberás. 

Vamos para o Rio?...

Love

A arte ruim explica tudo. Isso não quer dizer que a arte boa não explique nada. Precisamente por ser arte, ela não tem a obrigação de explicar, mas, é claro, precisa fazer algum sentido. Quando li a sinopse de Love (2011), disponível na Netflix, eu me interessei pelo filme. Comecei a assisti-lo numa madrugada qualquer. O sono veio. Deixei para assistir numa outra ocasião.

Terminei há pouco. Love é humanista, a despeito da cara de ficção científica que tem. Funciona como um filme de ficção científica, mas como toda obra de arte boa, não importa o gênero nem o meio de que se valha, encerra uma verdade humana. Love explica pouco e sugere muito. Todavia, o que é sugerido autoriza algumas possíveis conclusões ou interpretações.

William Eubank é diretor e roteirista do filme. Lee Miller [Gunner Wright] é astronauta e está na estação espacial quando perde contato com a Terra. A partir daí, ele tenta, no ambiente claustrofóbico em que está, preservar a sanidade. A certeza do não contato com a Terra é definitiva quando é sugerido que um evento catastrófico dizimou a humanidade. Miller, na órbita do planeta em que nascera, é o último humano.

Em determinado momento, ele se depara com um livro, que é o diário de um soldado que havia lutado na Guerra de Secessão, nos EUA. Tendo recebido autorização para abandonar seu regimento, o soldado deixa o campo de batalha com a missão de investigar um estranho objeto numa cratera.

À medida que eu ia assistindo ao filme eu ficava me perguntando como o roteiro amarraria eventos tão dispersos entre si. Na abertura, há imagem da Terra, mostrada parcialmente; logo a seguir, cenas da guerra civil americana; pouco minutos depois, o espectador está novamente no espaço (esses momentos iniciais acabaram me remetendo àquele imenso corte temporal de 2001: uma odisseia no espaço, quando um osso arremessado por um símio se “torna” uma nave no espaço). Enquanto Miller tenta manter-se racional na estação espacial, há cenas de pessoas dando testemunhos simples sobre vivências que tiveram. Nos minutos finais do filme, tudo isso faz sentido (ou parece fazer).

Os átomos de que cada um é feito são os átomos de toda a humanidade, de tudo o que existe. Em seu desfecho, é como se Love fosse a versão imagética das belas sugestões de Walt Whitman, as quais afirmam que cada um é todos os outros. Não bastasse a beleza disso por si, a poética e bonita sequência final do filme relativiza o micro e o macro, além de mergulhar o homem numa poderosa beleza atômica e universal. 

Apontamento 367

Esbravejar, vociferar, dizendo que o brasileiro é passivo e que aceita tudo é só outro modo de aceitar tudo.

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O marqueteiro do Acre

Os meios de comunicação criaram para Bruno Borges o estranho epíteto de “o menino do Acre”. Quando li a expressão pela primeira vez, pensei se tratar de uma criança. Ao ler, há mais ou menos cinco meses, matéria sobre Bruno, logo fiquei sabendo que ele tem vinte e cinco anos. Achei a alcunha de “menino” inapropriada para uma pessoa dessa idade.

Diante da matéria, pensei em duas possibilidades: ou Bruno era louco ou se tratava de alguma armação toscamente fantasiada de misticismo. Quando de seu “desaparecimento”, cogitou-se a possibilidade de ele estar morto. Na época, pensando na agonia da família dele, torci para que o “menino” estivesse vivo. Está. Voltou hoje para casa.

Segundo texto veiculado no G1, o livro de Bruno Borges, lançado pela editora Arte e Vida, intitulado “TAC: Teoria da Absorção do Conhecimento”, é muito ruim. Cauê Muraro, autor da resenha da obra de Bruno publicada no G1, escreveu: “Ele tem aversão a sexo, gula e crase. Faz zero questão de parecer modesto (cita a si mesmo, inclusive)”. Parece que os revisores da Arte e Vida quiseram manter o texto dele imaculado. Ao longo do texto, Muraro menciona outros escorregões gramaticais de Bruno Borges. Não bastassem questões técnico-gramaticais, ainda de acordo com o texto publicado no G1, fazer sentido não é grande preocupação de Bruno.

O livro dele está vendendo bem, segundo o que a mídia tem divulgado. Em maio deste ano, Marcelo Ferreira, de vinte e dois anos, amigo de Bruno, foi detido pela polícia por crime de falso testemunho. Na casa de Marcelo, havia dois contratos. Um deles era sobre porcentagem de lucros com a venda dos livros de Bruno. Outro envolvido seria Bruno Gaiote, em cuja casa havia móveis do quarto de Bruno Borges. Ninguém está preso.

Se encarado com olhar estritamente financista, o plano de Bruno Borges é perfeito. Ele conseguiu visibilidade nacional, conseguiu despertar curiosidade para um livro que nem havia sido lançado e tem conseguido, de acordo com os meios de comunicação, fazer com que seu livro venda bem. Num prisma estritamente marqueteiro, Bruno Borges é um sucesso.

Não há nada de errado em estratégias de marketing. Além do mais, Bruno não é o primeiro a se valer de um engodo para ganhar dinheiro. Todavia, sem querer soar ingênuo, há uma questão ética que deve ser levada em conta. Ele posa de místico, quando na verdade é um excelente estrategista de marketing. A questão que se impõe: é preciso enganar para vender?

Investir na credulidade, no medo, na burrice, em produtos de fácil consumo e em pseudomistérios não é garantia de êxito, mas, levando-se em conta somente critérios monetários, pode ser um belo começo. Bruno sabe disso. Poder-se-ia alegar que o azar é de quem acredita em balelas de falsos religiosos, de pseudomísticos ou de gurus da autoajuda, gastando dinheiro com produtos desse teor. Mesmo havendo muita gente que acredita nesse filão, isso não anula a questão ética de que os produtores desse mesmo filão sabem que vendem uma mentira, lucram com um embuste.

O caso de Bruno será debatido nos cursos de publicidade e propaganda. Não consigo levar em conta unicamente o caráter lucrativo da empreitada dele. Todo mundo sabe que dinheiro é bom e que cada um se vale do que é capaz para consegui-lo. Bruno deu-se bem ao contar com as crendices de quem o considera místico ou com os delírios dos que acreditaram que ele teria sido abduzido. No futuro, quando ninguém mais falar dele nem dos livros dele, haverá outros crédulos e outros Brunos fomentando um mercado em que sempre há tapeadores e iludidos. Em qualquer época, existem espertalhões com a manha da TAD: Teoria da Absorção do Dinheiro. 

Água e espelho

A água cristalina me reflete;
é mais fugidia do que eu.
O espelho cristalino me reflete;
sou mais fugidio do que ele.

A água cristalina me reflete
enquanto se move.
O espelho cristalino me reflete
enquanto me movo.

A água se move:
meu reflexo é difuso.
O espelho é estático:
eu sou difuso.

A imobilidade do espelho,
o movimento da água.
Refletido em ambos,
escorro pelo tempo. 

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Ao leite

Toda vasilha, panela, caçarola, vasilhame ou continentes similares vêm com um acurado detector de distração. O dispositivo é acionado para que o leite fervido inunde o fogão. 

Nosso futebolzinho

Deve-se olhar para as eliminações de Atlético e de Palmeiras na Libertadores, ontem, num panorama maior. Num menor, nenhuma das duas equipes é forte. Tanto é assim que foram eliminadas por times pequenos. No panorama maior, Atlético e Palmeiras são reflexo do ruim futebol brasileiro.

O Corinthians tem sido exceção caso o comparemos com as demais equipes do Brasil. A seleção, treinada por Tite, passou a ter bons resultados nas eliminatórias para a Copa do ano que vem. Todavia, Corinthians e seleção brasileira não são o bastante para que não se enxergue o amadorismo de nosso futebol, que, ademais, é reflexo do que somos.

Basta acompanhar qualquer uma das rodadas do campeonato nacional para se perceber em campo o horrendo jeitinho brasileiro, a falta de criatividade e a ausência de ousadia. O mundo inteiro já percebeu que talento, por si, não é o bastante. O que o futebol daqui tem é só um pouco de talento.

O esquemão CBF/Globo está falido há tempos. A derrota para a Alemanha na Copa de 2014 evidenciou essa falência. Como é fácil perceber, o futebol nos gramados é tão incompetente e não profissional quanto as maracutaias de cartolas e de empresários. Não é ficando de joelhos que se resolve uma estrutura viciada e vergonhosa. 

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Apontamento 366

Na produção de conhecimento, não raro, todo um edifício é construído quando um simples cômodo bastaria. (Não custa lembrar que há longos edifícios em que cada cômodo é imprescindível.) 

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Haicai 52

Com amor, sem alarde.
Sendo assim, eu convido:
vem fazer amor à tarde. 

Haicai 51

Hoje foi dia de façanha.
Com zelo e com gosto,
fiz a primeira lasanha. 

Fome e vírgula

Ela escreveu para ele: “Vem comer, amor. Vem comer amor”. Ele respondeu: “A ausência de vírgula na segunda frase indica que vou comer amor porque a lasanha foi feita com amor ou indica que vou comer amor porque vou comer você?”. Ela respondeu: “Com vírgula ou sem, comendo com amor, coma o que quiser”. 

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Inscrição na Bienal confirmada

Conforme postagem que fiz recentemente, vai haver sessão de autógrafos de meu mais recente livro, Amor de Palavra, na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, no dia sete de setembro, às 13h. Minha inscrição no evento foi confirmada há pouco.

Para quem ainda não adquiriu o livro, ele está à venda nos seguintes locais: 

• Livraria Nobel, no Pátio Central Shopping
• RR — Renato Representações, no prédio da Rádio Clube
• A Musical. Rua José de Santana 436 (Centro)

Há também exemplares do Dislexias, meu livro anterior. 

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Corinthians vence mais uma

Eficácia. Essa é a palavra que define o time do Corinthians, que parece ter decidido que nunca mais vai perder. Ainda que não apresente um futebol que possa ser chamado de bonito, a absurda eficiência do time paulistano fez mais uma vítima há pouco, no Mineirão — o Atlético/MG.

Rodada após rodada, jogo após jogo, há meses todos estão se perguntando quando o Corinthians vai perder; o time não perde. Hoje, no Mineirão, a despeito do incentivo da aguerrida torcida atleticana, o líder do campeonato venceu mais uma vez, mesmo tendo chutado menos a gol, o que comprova a capacidade de decisão do time e a excelente fase do goleiro Cássio.

A eficácia do Corinthians está ligada ao entrosamento e à disciplina tática. Jogando com calma, ciente de suas deficiências e consciente de seus pontos fortes, o time, treinado por Fábio Carille, tem tudo para ser o campeão do torneio. A última rodada do primeiro turno será no fim de semana; é cedo para vaticinar que o campeonato já é do Corinthians. Todavia, se a equipe mantiver o equilíbrio fatal que tem mostrado até aqui, dificilmente não será o campeão brasileiro deste ano.

Segundo o divulgado pelo Premiere, durante a transmissão da partida, o Atlético/MG teria tomado a decisão de jogar no Mineirão em busca de “mudança de ares”. O Corinthians não deu a mínima para os ares da Pampulha, fazendo com que o time de BH perdesse mais uma em casa. 

Sessão de autógrafos no Rio de Janeiro

No mês que vem, no dia sete de setembro, vai haver sessão de autógrafos de meu livro Amor de Palavra na Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro. Será às 13h. 

Bora pro Rio?... 

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Desinência -m

Até,
atém.

Até,
atêm.

Bê,
bem.

Cê,
cem.

Ene,
Enem.

Mi,
mim.

Ri,
rim.

Se, 
sem

Sê,
sem.

Si,
sim.

Só,
som.

Te,
tem.

Tê,
têm.

Vê,
vêm.

Vi,
vim.

Ame.
Fim. 

Culinária

É o primeiro 
dia do mês.
Tempere
a gosto. 

Sentindo na pele

O deputado federal Wladimir Costa (SD-PA) tatuou o nome de Temer no ombro. Estão dizendo que a tatuagem seria daquelas que saem rapidinho, muito comuns em praias. O político declarou que a tatuagem é permanente; segundo o InfoMoney, declarou ainda que fará outra, essa com os dizeres “Temer, o único estadista do Brasil”. O hiperbólico “único” está em sintonia com o que Wladimir Costa disse sobre a tatuagem já feita: “Cada um com suas paixões”. Estava certo quem disse que o amor é coisa de pele.