quarta-feira, 29 de julho de 2015

HAICAI 39

Sem mas nem porém. 
O que há é sempre mais. 
Assim seja: amém. 

HAICAI 38

Madrugada; silêncio ativo. 
Nesta hora, eu me desponto. 
Tens um corpo: sou cativo. 

OUTRA QUADRINHA

Ele é o sujeito. 
Ela é o objeto. 
Ele é o abjeto. 
Ela se sujeita. 

QUADRINHA

Ela não precisa da rima, 
ele não precisa da musa.
Tudo então é sem escusa. 
Com palavra, dá em cima. 

HAICAI 37

Que a casa não caia.
Mais Darcy Ribeiro
e menos Malafaia. 

TRAJETOS

As mãos sabem o caminho 
que o pensamento sugere. 
O corpo sabe os desejos 
que a imaginação incendeia. 
Eu sei onde fica tua casa. 

terça-feira, 28 de julho de 2015

BAHIA

Bahia de todos os cantos. 
De todos os corpos. 
A Bahia é África. 
É casa em forma
de Brasil.

Meu ar, 
meu bar, 
meu lar,
meu mar, 
meu par.

Sabem meus pés 
que a Bahia
é minha asa. 

segunda-feira, 27 de julho de 2015

MEU POEMA SOBRE A FALTA DO QUE DIZER

O melhor poema
sobre a falta
do que dizer
seria o branco
sem palavras.
Agora é tarde:
a falta do que
dizer tornou-se
algo que não
deveria ter
sido dito. 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

APONTAMENTO 271

Nem todo mundo está pronto para a beleza, e mesmo quando se está, sempre é possível estar mais pronto para ela. 

APONTAMENTO 270

Ao ler a frase “se você se suicidasse, estaria matando a pessoa errada”, Fulano entende o aforismo como carta branca para matar o próximo... Alguém escreve que não gosta da cor amarela: um leitor interpreta que a pessoa não gosta nem de verde nem de vermelho nem de azul... Sujeito diz que é canhoto — é entendido que ele está achincalhando os destros... Uma pessoa ironiza o radicalismo, mas pelos radicais é enaltecida... É moeda corrente a incapacidade de interpretação levar a vitupérios. Swift, dentre outras coisas, zomba dessa incapacidade no “Viagens de Gulliver”. Ela é tão velha quanto o homem. As redes sociais a escancararam. 

quarta-feira, 22 de julho de 2015

VEJA x RECORD

A Veja pergunta para que serve o Pan; a Record pergunta para que serve a Veja. Esta, por não lucrar o bastante com o torneio; aquela, por lucrar. 

APONTAMENTO 269

Não sem motivo, está no imaginário a eficaz ideia de que o mundo é um palco e de que somos os atores. Não nos esqueçamos contudo de que histórias pululam na coxia de cada um. 

APONTAMENTO 268

Tenho em mim turbilhão. Se for para falar dele, que seja em forma de arte (ou que haja a tentativa dela). Se não for assim, que esse turbilhão permaneça, para os que estão de fora, silêncio. 

CHOVENDO DINHEIRO

Depois que o comediante Simon Brodkin, na pele de seu personagem Jason Bent, aproximou-se de Sepp Blatter, cartola da Fifa, no início de uma coletiva de imprensa, e jogou dinheiro (falso) sobre Blatter, o ainda presidente da Fifa disse que teriam de limpar o recinto antes de a conferência se iniciar, retirando o “dinheiro” que Brodkin jogara. O chefão da Fifa disse, referindo-se ao que acontecera por causa da atitude do comediante: “Isso nada tem a ver com o futebol”.

A frase de Blatter é apenas protocolar, pois o episódio tem, sim, muito a ver com o futebol. Se posteriormente tiver pensado sobre o assunto e se tiver sido sincero consigo em sua reflexão (do que duvido), Blatter admitirá que a performance de Brodkin levou ao palco o que, em essência, é o futebol.

Simon Brodkin, contundente, levou para o palco o mundo dos que comandam o futebol no mundo. Ao executar seu papel, ele, interpretando, fingindo ser Jason Bent, revelou, exatamente por intermédio desse fingimento, o... fingimento que é a Fifa, o teatro que é a Fifa. Esse é exatamente um dos poderes do teatro, um dos poderes da arte: ao fingir, escancara a realidade, descortina o que somos.

A atitude de Brodkin é circense: nada mais apropriado para o circo macabro que a Fifa se tornou. Ele joga “dinheiro” sobre Blatter: nada mais adequado para quem é o chefe de uma entidade que, em nome ganância, destruiu o espírito de verdadeiro futebol. Brodkin foi moleque, ousado, sagaz. Por essas atitudes, ele, sim, tem a ver com o futebol. Blatter e sequazes engessados é que nada têm a ver com o esporte. 

terça-feira, 21 de julho de 2015

CONTA-GOTAS

No primeiro dia do mês passado, comecei, pela Clube FM, a apresentar o programa Conta-Gotas. Desde então, tenho tido a oportunidade não só de matar a saudade do tempo em que eu fazia rádio: tenho falado de livros, filmes, poesia, futebol, política... Há ironias, textos de minha autoria, textos alheios, coisas velhas e coisas antigas... A atração é gravada aqui em casa. Envio a locução, sem trilha e sem mixagem; o Wallisson Silva, que trabalha para o Sistema Clube de Rádio, insere, trilhas e vinhetas, editando o programa, que dura no máximo dez minutos. Conto com sua audiência. 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

HAICAI 36

Tornou-se apóstata.
Nenhuma religião
venceu a aposta. 

QUÍMICA

W.H. Auden, no livro “A mão do artista”, em ensaio intitulado “Ler”, escreveu, de acordo com tradução de José Roberto O’Shea, que “há pessoas que são inteligentes demais para se tornarem escritores”. Já Oscar Wilde, logo no comecinho de “O retrato de Dorian Gray, escreveu, segundo tradução de Oscar Mendes, que toda arte é completamente inútil”. Por fim, Ivan Turguêniev, por intermédio do personagem Bazárov, no romance “Pais e filhos”, conforme tradução de Rubens Figueiredo, escreveu: “Um químico honesto é vinte vezes mais útil do que qualquer poeta”. Preciso estudar química. 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

HUMOR E AMOR

Terminei de ler há instantes o ensaio “Hamlet e Dom Quixote”, escrito por Ivan Turguêniev, autor do romance “Pais e filhos”. O ensaio é uma das coisas mais belas e sensatas que já li. Num dos trechos, segundo tradução de Rubens Figueiredo, lê-se: “Dom Quixote é ridículo... mas, no riso, existe uma força reconciliadora e reparadora — e se não sem motivo que dizem ‘o que faz rir é bem servido’, pode-se acrescentar que aquele de quem se riu já foi perdoado, e está mesmo prestes a ser amado”.

A associação entre o riso e o amor me remeteu a W.H. Auden. O livro “A mão do artista”, publicado pela Siciliano, reúne ensaios de Auden; num deles, intitulado “Notas sobre o cômico”, o poeta escreveu, segundo tradução de José Roberto O’Shea: “Não encontro um denominador comum entre as pessoas de que gosto ou que admiro, mas entre as que amo: todas me fazem rir”. 

SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

De algum tempo para cá, a redução da maioridade penal de dezoito para dezesseis anos (Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93) entrou na pauta das discussões. É mais um dos temas delicados que têm habitado o debate político no Brasil, em função da violência que envolve o adolescente, seja essa violência cometida por ele, seja ele a ser a vítima em um contexto violento.

Não é raro os defensores da redução da maioridade penal se valerem do seguinte argumento: “E se um menor com dezesseis anos matar sua mãe? Você acha justo que ele continue livre?”. O questionamento apela para a emoção, tem cara de infalibilidade. No entanto, parte do pressuposto de que a violência sempre virá do outro, de que ela nunca virá de um dos nossos.

Eu poderia perguntar, dentre outras coisas o seguinte: “E se seu filho menor matasse alguém?”. Não faria sentido descartar a possibilidade de que um dos nossos pode ser violento. Não tenho filhos, mas não faria sentido, caso tivesse, eu afirmar que um filho meu jamais seria capaz de matar alguém. Afirmar isso é argumento que apela para a emoção, bem como é apelar para a emoção perguntar o que eu faria se um menor matasse algum ente meu.

Obviamente, se há a proposta de se reduzir a maioridade penal, leva-se em conta que o adolescente, nesse caso, não é a vítima, mas, sim, aquele que a perpetra. Sentindo-se insegura e acuada, a sociedade reage, propondo que o jovem que tenha dezesseis ou dezessete anos passe a responder, como maior de idade, pelos delitos que vier a praticar.

Entidades sociais e de direitos humanos já se posicionaram contra a redução da maioridade penal. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) se disseram contra a redução. O Unicef argumenta que ela fere o que está posto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Dada a violência que assusta a população, a proteção a que tem direito os jovens de até dezessete anos é vista por uma grande parcela da sociedade como conivência do Estado diante da violência que pode vir a ser causada pelos adolescentes. A redução da maioridade penal, ainda que tenha de passar por trâmites legais, é a solução mais fácil para se enfrentar o problema. Nem toda solução fácil é necessariamente ilusória, mas é preciso ter desconfiança quanto às soluções fáceis.

Suponho que aqueles que advogam a redução da maioridade penal não creem que isso resolveria o problema da violência no Brasil. Penso que acreditam que isso diminuiria essa violência. Todavia, é preciso ter em mente os pressupostos que sustentariam a redução. Dependendo de quais sejam esses pressupostos, ter-se-á um paliativo, não uma proposta sólida, que leve em conta o longo prazo.

Um dos modos de se defender a redução da maioridade penal é considerar o indivíduo em si, como que apartado do meio em que ele está inserido. Nessa ótica, levar-se-ia em conta o suposto caráter do delinquente, deixando de lado o quadro social que o gerou. Numa análise assim, o sujeito é mau por não ter caráter, por não prestar, por não ter compaixão; exclusivamente sobre tal indivíduo recairia a responsabilidade pelas contravenções que ele praticou ou pratica.

Vítimas da violência praticada por adolescentes argumentam que é contra a redução da maioridade penal aquele que nunca foi vítima de tal violência. Nesse caso, o argumento é novamente de ordem pessoal: “Sou a favor da redução porque fui vítima. Você defende bandido por nunca terem apontado uma arma em sua cabeça”.

Embora ninguém nunca tenha apontado uma arma em minha cabeça, isso não quer dizer que eu não seja, diariamente, vítima da violência. Sou do tipo noturno. Sempre que estou chegando em casa, de madrugada, fico apreensivo no momento em que tenho de abrir o portão. Se estou nas proximidades de onde moro e percebo que há gente por perto, procuro adiar o momento de abrir o portão, dando mais algumas voltas pelas ruas — o que é, devido à hora avançada, também perigoso. Mesmo durante o dia, não deixo o portão aberto em momento algum. Tenho plena consciência do que é viver numa sociedade violenta, sei o que é sentir-se desprotegido.

À parte o que penso sobre a redução da maioridade penal, sou cidadão; como tal, sou vítima da violência. Em minha família, sabemos bem da truculência que pode acometer qualquer um. Tenho um irmão que hoje é paraplégico por ter levado um tiro, depois de uma discussão no trânsito, aqui em Patos de Minas. Dois sujeitos o perseguiram numa moto (meu irmão também estava de moto). Quando chegaram perto dele, deram dois tiros; um dos disparos acertou a medula.

Como os dois que foram atrás de meu irmão nunca foram identificados nem capturados, não há como saber se eram menores; se tomo a liberdade de contar esse episódio, é para ilustrar que sei do que a violência é capaz. Perguntei a meu irmão; ele me disse ser contra a redução da maioridade penal.

Segundos dados publicados pelo Pragmatismo Político, “dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Na verdade, são eles, os adolescentes, que estão sendo assassinados sistematicamente. O Brasil é o segundo país no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de morte, por fatores externos, de adolescentes no País” [1].

Os números acima revelam que a minoria dos adolescentes são infratores. Todavia, as propostas de redução da maioridade penal levam em conta essa minoria. Um debate tão importante não pode ser pautado pela exceção, mas, sim, levar em conta o contexto que produz a violência. Exatamente por isso o debate não é fácil; exatamente por isso ele dever ser realizado.

O Estado não pode se furtar à obrigação de investir na educação, na inserção, na inclusão. Investir na educação não é o mesmo que relegar a segundo plano a punição contra os delitos. Ainda que se alegue que a redução da maioridade penal tenha sido adotada em outros países (e ela foi), a prática não teve como consequência a diminuição da criminalidade nos cinquenta e quatro países em que houve a redução, ainda de acordo com o Pragmatismo Político (ver nota 1). Ainda em consonância com o sítio pesquisado, Alemanha e Espanha voltaram atrás na decisão quanto à redução da maioridade.

Não professo nenhuma religião; independentemente disso, declaração da Pastoral da Juventude, organização ligada à igreja católica, cavouca uma ferida: “Mesmo com a diversidade étnica e social da população brasileira, as pessoas submetidas ao sistema prisional têm quase sempre a mesma cor e provêm da mesma classe social e territórios geográficos historicamente deixados às margens do processo do desenvolvimento brasileiro: são pessoas jovens, pobres, periféricas e negras” [2].

É preciso ainda dizer que há a ideia de se lucrar com a redução da maioridade penal. Ariel de Castro Alves, em entrevista para o Le Monde Diplomatique Brasil deste mês de julho, comenta: “Por trás do movimento pela redução da idade penal temos muitos parlamentares ligados às empresas de segurança privada ou às indústrias de armamentos. Muitos dos que trabalham nessas empresas de segurança privada são policiais; na verdade, são agentes da segurança pública que investem na insegurança pública para vender seus serviços particulares de segurança privada. Essas empresas querem pegar o filão dos presídios a serem privatizados. Para elas, quanto mais insegurança pública e mais presos, maiores os lucros!” [3].

A sociedade brasileira segrega, o que só aumenta a complexidade do debate que envolve a redução da maioridade penal. Qualquer solução para o problema da violência não pode deixar de levar em conta que parte dessa violência surge precisamente por causa da segregação. Penso que nenhum cidadão defenderia bandidos (a não ser que ele seja um). É claro que sou a favor de punições. Todavia, a violência é multifacetada e tem inúmeras causas. O debate que temos pela frente é longo, a tarefa é difícil. Nem por isso deveria deixar de ser realizada.
_____

[1] http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/jovens-negros-e-pobres-as-principais-vitimas-da-reducao-da-maioridade-penal.html. Acesso em 28/03/2015.
[2] Idem.
[3] Le Monde Diplomatique Brasil, edição de julho de 2015, página 8. 

OFICINA

Consegui
bigorna e 
martelo.
Agora,
conserto
a alma. 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

RÁDIO

À distância, 
escuta. 
Num áudio 
ideal, 
escutaria
um sussurro. 

REPRESENTAÇÃO

O pessoal do Bastidores da Mídia, página que curto no Facebook, chamou a atenção para dois trechos do Reinaldo Azevedo. Um deles é de 2013; o outro é de 2015.

Em oito de abril de 2013, Azevedo escreveu: “A frase [não me representa] não passa de uma tolice autoritária, típica de gente que não entende o que é o processo democrático e pretende vencer no berro, e é um emblema desses tempos de minorais mimadas pela imprensa e pelos Poderes constituídos”. Em dez de julho de 2015, escreveu: “Sou católico, mas o papa Francisco não me representa”.

No trecho de 2013 ele se definiu; no de 2015, em ato falho, revelou-se. 

terça-feira, 14 de julho de 2015

(DES)APONTAMENTO 31

Em Fortaleza, jegues passearam pelo aeroporto: o realismo mágico voa alto. 

domingo, 12 de julho de 2015

UM CIGARRO

— Me dá um cigarro aí.
— Ué, você fuma?!
— Sim. Fumo, mas não trago.
— Pois deveria trazer.

(Há tempos, um diálogo com mais ou menos esse teor me foi relatado pelo Manoel Almeida, desenhista e advogado.) 

sábado, 11 de julho de 2015

APONTAMENTO 268

Parece coragem — mas é inconsequência. 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

CONTO 79

É só um flerte. Ela precisa dele para se sentir bonita; ele, para se sentir poeta. Ela é bonita. 

quarta-feira, 8 de julho de 2015

DAS CAPACIDADES

Ele não sabe argumentar.
Flerta com o linchamento.
Quem não tem recado
atira a primeira pedra.
Ele atira a segunda.
Só pararam na terça. 

sábado, 4 de julho de 2015

EXORTAÇÃO

VENTOS DESCONHECIDOS

Agora há pouco, o Tito, cachorro que tenho, teve medo: o vento derrubara uma vasilha de plástico, que caiu a uns dois metros dele. O temor foi tão grande que ele fez menção de entrar dentro de casa, o que ele não faz, por eu não permitir. Só depois de eu mexer na vasilha é que ele se acalmou. De modo análogo, não raro, sentimos medo, por não sabermos o que a natureza está ventilando. 

quinta-feira, 2 de julho de 2015

“ESTRELAS QUE ME GUIAM RUMO À SALVAÇÃO”

No trabalho de conclusão de curso de pós-graduação que fiz em filosofia, apresentei texto intitulado “A filosofia da MPB”. Minha ideia é a de que letras de canções populares podem realizar reflexões filosóficas. No trabalho, como argumento, separei algumas letras e as comentei.

Não raro, penso em fazer o mesmo com letras de canções internacionais. Se essa tarefa ainda não foi realizada, isso se deve a uma preguiça congênita e a uma desavergonhada indisciplina, o que, é claro, depõe contra mim.

Por causa disso, tenho pensado com frequência num trecho, que tem teor filosófico, de “Africa”, do Toto: “I seek to cure what’s deep inside / Frightened of this thing that I’ve become [Busco curar o que está bem no fundo / Assustado com esta coisa que me tornei]. 

COMO ASSIM?!

Como sempre.
Como nunca.
Como dito.

O que você come?