terça-feira, 24 de agosto de 2021

Lembranças

Sim, Lembranças [Remember me, 2010], dirigido por Allen Coulter e roteirizado por Will Fetters, é estadunidense demais. Defende os valores deles, exalta a individualidade deles, ainda que poetize essa individualidade. Nenhuma obra de arte deve ser estudada fora da realidade que a produz; o problema de Lembranças é exaltar um aspecto da realidade ou da história que corresponde à imagem que os EUA vendem de si, com seus mitos e histórias (de superação). A produção lambe uma ferida que é do país deles e que foi por ele causada. No contexto histórico internacional, uma produção cheia de problemas; como narrativa fílmica, um primor.

Nos segundos iniciais da produção, duas famosas edificações aparecem ao fundo, o que “adianta” o desfecho e confere a Lembranças um caráter não somente típico da imagem que os EUA continuam passando para o mundo, mas também faz com que a própria cidade em que a história se passa seja, por assim dizer, personagem do enredo. O filme, todavia, tem a sensibilidade de perceber que por trás de cada habitante há uma história, e que essa história é avaliada ou reavaliada quando há um momento divisório na vida. 

Aquilo de que somos feitos: nossas derrotas, vitórias, vivências, modo de vida; aquilo que representamos, as coisas que defendemos, o que condenamos; nossas idiossincrasias, o que fazemos, o que deixamos de fazer, o que foi feito de súbito... Isso serve para algo? Caso sirva, para quê? Esses questionamentos ficam rondando a mente depois que o filme termina. Não há respostas; a existência delas poderia incorrer em amadorismo ou em pieguice. 

Lembranças é também sobre o fio do destino, não no sentido de pré-destinação, mas no sentido de esmiuçar o que ocorreu até o dia em que a vida dos personagens foram marcadas pelo histórico evento que há no fim. Como escrito, Lembranças não oferece respostas; em contrapartida, semeia profícuos e belos questionamentos. 

Os personagens convencem ainda que o filme não tivesse o desfecho que tem. Em função desse mesmo desfecho, olhamos para as vidas deles em retrospecto, passamos a nos simpatizar (mais) com eles, que, por serem quem são, já eram convincentes. É rico o modo como o filme mostra o quanto a História reverbera na história de cada dos personagens, e em como qualquer tentativa de compreensão, seja da realidade individual seja da realidade histórica, somente dever ser esboçada a partir do conhecimento. 

Lembranças é um filme sobre um fato histórico? Hum... É... Não há como separar o fato histórico a que faz referência das vidas dos personagens; contudo, a poesia do filme está na necessária compreensão de que o fato histórico tem consequências individuais. A produção lida com histórias individuais na História. 

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