O Brasil de hoje é o cenário propício para os que sempre foram fascistas, ditadores, defensores de tortura e de morte para quem pensa de modo diferente deles. Pessoas assim sempre existiram, não são novidade no espectro do brasileiro. O que mudou no Brasil em tempos recentes foi que essas pessoas agora assumem o que são: pessoas que não toleram arte, ciência, lógica, dados gentes outras. Para justificar a ignorância, valem-se de qualquer coisa (qualquer coisa mesmo).
Os pretextos delas podem variar: deus, patriotismo, família, luta contra a corrupção, luta contra o comunismo (este, suponho, ocupa o panteão dos pretextos; até o Moro já foi chamado de comunista). Tais pretextos são úteis para mascarar a burrice e a falta de humanidade ou para dar a elas um ar de... cidadão de bem. Balela: o que a pessoa defende mesmo é a não humanidade.
A tecnologia é ferramenta dadivosa para essas pessoas, não importa se estejam manejando a burrice alheia, não importa se estejam sendo manejadas. Argumento como o de que a vida vale mais ou de que falta humanidade a essas pessoas são inúteis, pois o pretexto ou a justificativa que inventaram para a crueldade delas são mais expressivos do que qualquer razoabilidade. Ensandecida, uma pessoa assim acredita em qualquer coisa que esteja em concordância com o que ela defende, o que, no fundo, é a extirpação do que ela entende como sendo diferente dela.
Consideram-se cidadãos de bem, mas não há problema em torturar. Por que não? Porque o torturado era o demônio, o proscrito, o infiel, o infiltrado, o não patriota, aquele que veio para tirar deles o que eles edificaram para si. E o que edificaram para si? Um condomínio feito de ilusão, de desinformação, de repúdio contra a ciência e de temor contra a arte. O inimigo, elas mesmas inventam-no. Se investissem contra moinhos de vento, menos mal; o problema é que investem contra seres humanos, pois não têm o bom coração do Quixote.
As justificativas para a maldade que têm tornaram-se nítidas, mas sempre pairaram no espaço brasileiro. O grande problema do Brasil sempre foi a ignorância, ignorância no sentido de desconhecimento, ou, caso prefira, a ignorância no sentido de falta de conhecimento. O que está acontecendo no Brasil hoje é que se vive num país refém da ignorância, que assumiu o palco e, por ser ignorante, vai insistir que a ignorância à qual se agarra é o caminho para se fazer um país que ainda não foi feito, sem perceberam que não foi feito ainda por causa da ignorância, que é tal a ponto de eles não se darem conta de que ignorantes são.
Coisas como luta insana pelo dinheiro, interesse de classe, manutenção de privilégios, nojo de pobre nasceram coladas no Brasil, mas não foram inventadas aqui, embora sempre tenham feito parte do cotidiano brasileiro. Todavia, vale para um país o mesmo que vale para uma pessoa. Há momentos em que a pessoa revela quem é. Geralmente, em momentos de muita turbulência. É aí que o fraco se revela como tal, o torturador como tal, o preconceituoso como tal. O momento do país é de turbulência. Quando mais precisamos da sensatez, mais a ignorância assume o protagonismo. O país se revelou como tal, como sempre foi: um país de ignorantes.
Em grau maior ou menor, todos somos e continuaremos sendo vítimas da ignorância, que está naquele senhor a capinar um lote e naquele magnata indo trabalhar em seu helicóptero. Espertalhões estão dando gargalhadas, contando com endinheirados e com quem tem renda de meio salário mínimo por mês. Os riquíssimos estão se esbaldando. A maioria dos demais estão num inferno.
A solução, se vier, não virá no campo da pessoalidade — os ignorantes não vão deixar de ser ignorantes. Se alguma solução vier, do que duvido, ela virá por intermédio do campo histórico, depois que a nação estiver esfacelada por completo (está a caminho de). Das ruínas, pode ser que surja um país não ignorante, do que duvido. Acredito mesmo que a ignorância de agora, depois de o país estar um bagaço (está a caminho de), voltará em outros trajes, mas com parte da população lutando pelas mesmas “causas”, empunhando os mesmos pretextos, as velhas desculpas para que haja um país asséptico e para que haja genocídio: deus, patriotismo, família, luta contra a corrupção, luta contra o comunismo...
No momento, o que há é um território ignorante seguindo a cartilha rumo a uma debacle. Uma “gripezinha” aqui, um “e daí?” ali, um “o exército não matou ninguém” acolá, uma feijoada com dezenas de pessoas reunidas num pequeno recinto e postando em rede social foto de celebração do dia das mães num bairro da cidade... O país foi, é e será vítima da ignorância; um lugar assim é paraíso para canalhas, está condenado à destruição. De joelhos, sem recursos e exaurido, levará a porrada derradeira. O Brasil não leva jeito para fênix.
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