Era o dia 29 de março de 2020; 6h da manhã. Zé Alazão acordou. Antes mesmo de os olhos estarem totalmente abertos, já pulara da cama. Embora essa rotina ocorresse todos os dias, o jeito brusco de ele se levantar não deixava de assustar Maria do Morro, a esposa de Zé Alazão. Meio dormindo, meio acordada, ela olhou para o marido, que já estava se vestindo:
— Acorda, sá. Gente dorminhoca não faz um país. Eu não tô saindo de casa, mas não tô deixando de produzir.
O tempo estava frio. De dentro do quarto, no aconchego da cama, Maria do Morro deu-se conta de que caía uma fina garoa lá fora. A vontade que ela teve foi de curtir a cama um pouco mais, permitindo-se uma preguiça inofensiva naquela manhã de domingo.
O dono do matadouro já estava vestido. Foi até o espelho, passou a mão pela farta cabeleira. Sentia orgulho de não ter nem um fio branco, embora já estivesse se aproximando dos cinquenta. Pegou escova e pasta dental. Antes de começar a escovação, de dentro do banheiro, dirigiu-se a Maria do Morro:
— Levanta. Quero que você me ajude a fazer umas contas do matadouro.
Zé Alazão escovou ligeiro os dentes. Saiu do banheiro, saiu do quarto, fazendo seus passos rápidos, pesados e intempestivos ressoarem pela casa. Chegando à cozinha, enquanto observava, por uma janela que ficava na lateral, o vasto terreno em que ficava o matadouro, tragou um gole de café. Engoliu, jogou o resto pela janela e disse para Dalva, a empregada:
— O café tá horrível. Tá frio e sem graça. Faz outro.
O terreno que pertencia a Zé Alazão tinha 100 hectares. Dentro desse espaço, ficavam o matadouro e a casa em que ele e Maria do Morro viviam; os três filhos do casal haviam se mudado para os EUA. Embora não fosse o maior matadouro que tinha, era o preferido de Zé Alazão, por ter sido o primeiro. No passado, ele dera ao estabelecimento o nome de Horizonte de Minas. No primeiro dia de janeiro de 2019, Zé Alazão mudou o nome da empresa para Novo Brazil.
Enquanto Dalva preparava outro café, Zé Alazão apoiou as mãos na ampla janela. Alheou-se, ora pousando os olhos sobre o gado, ora sobre as montanhas ao longe, ora sobre os empregados do matadouro. A equipe de trabalho, já às voltas com o gado, procurava, na medida do possível, guardar distância uns dos outros, devido a um vírus que estava se espalhando pelo mundo. Zé Alazão voltou a si quando Maria do Morro entrou na cozinha, cambaleante, modorrenta. Ele foi até o canto da cozinha, pegou um dos megafones, comprados havia poucos dias. Estando outra vez apoiado na janela, aproximou o aparelho da boca; berrou:
— Andem rápido! Comecem a levar o gado para o matadouro. O Brasil não pode parar.
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