O primeiro “pecado” da burocracia é a falta de imaginação. Ficasse só nisso, ela até que seria suportável. O problema é que a burocracia atinge, mais cedo ou mais tarde, o reino da burrice. Ao fazer isso, atrapalha toda a comunidade. Com a burocracia, se o objetivo é sair do destino “A” e chegar ao destino “B”, esse caminho não pode ser feito de modo direto. É preciso, antes, que se fique emperrado no setor “A1”, depois no setor “A2”, depois no setor “A3”, depois no setor “A4”... O número de setores, antes que se chegue a “B”, dependerá dos caprichos e da falta de imaginação dos burocratas.
O princípio básico da burocracia é este: se é possível complicar, não faz sentido simplificar. O sonho da burocracia é ser sofisticada, eficaz, mas ela não entende que excesso de documentos não implicam eficiência. A burocracia criou para si a ilusão de que papeladas, assinaturas, trâmites e detalhes inúteis são indícios de rigor, de organização, de autoridade. Não há nada disso. Quanto mais papeladas, assinaturas, trâmites e detalhes inúteis, maior a expressão da ineficácia e da burrice da burocracia.
Se a burocracia fosse um reino fechado em si e que atuasse somente para aqueles que, destituídos de senso de encantamento, enxergassem nela alguma utilidade, não haveria problema. Os burocratas reunir-se-iam em suas mansões de documentos e ficariam tramitando até o fim dos tempos sua papelada inútil. Só que isso não ocorre. Os burocratas, à medida que a tecnologia vai avançando, vão se especializando em... criar mais burocracia — para os outros.
A informática, aliada da velocidade, é, nas mãos dos burocratas, instrumento de inutilidades e de lentidão. Alegando coisas como competência, produtividade, transparência, agilidade, os burocratas acabam prestando um desserviço, fazendo com que todos ao redor fiquem presos nas garras de tarefas que emperram a produção, tarefas que ocupam um todo considerável de trabalhadores que, não estivessem envolvidos com tolas burocracias, poderiam estar sendo úteis.
A burocracia é o mundo do faz-de-conta. Sem se predispor a resolver os verdadeiros problemas, ela trata de inventar encrencas de outra ordem. Nessa inocuidade, os burocratas, pagos para resolverem problemas ou para criarem soluções, acabam informatizando um problema onde antes havia uma solução ou onde, pelo menos, não havia um problema. A burocracia é engodo com cara de solução. A burocracia é a “arte” de desenvolver picuinhas que nada têm a ver com agilidade nem com solução de percalços, embora os burocratas se vendam como pertencentes à quintessência do trabalho e como os arautos-mores de palavrinhas como “empreendedorismo” e “pró-atividade”, que estão na moda entre eles.
A burocracia é a morada do lugar-comum, a casa do discurso empolado, o lar do discurso pseudointeligente. Reina na burocracia o mundo da aparência, em atitudes que se vestem e se revestem de mais e de mais papéis, de mais e de mais cliques, para não revelarem o que há por trás delas: dispêndio improdutivo de tempo e desperdício de talentos. Sei que tenho de conviver com infernos; a burocracia é só um deles. Ela é coisa inútil alçada à condição de pilar principal no funcionamento das coisas. Não é a burocracia que faz um país. Fosse, o Brasil seria grande.
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