sábado, 29 de outubro de 2016

O olhar de quem ama

Sou professor do IFTM (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), campus Patos de Minas. Na quarta-feira (26/10), tive o privilégio de escutar as estudantes Geovana e Luana lendo trechos do prólogo do Dom Quixote. Leram no original. Um dos trechos que citaram está a seguir, segundo tradução de Viscondes de Castilho e Azevedo: “Acontece muitas vezes ter um pai um filho feio e extremamente desengraçado, mas o amor paternal lhe põe uma venda nos olhos para que não veja as próprias deficiências; antes as julga como discrições e lindezas, e está sempre a contá-las aos seus amigos, como agudezas e donaires”.

O texto de Cervantes alega que o amor do pai pelo filho põe nos olhos daquele uma venda que o impediria de enxergar os defeitos deste. O amor do pai tornaria esse mesmo pai “cego” para os defeitos que o filho por ventura tivesse. No prólogo do Dom Quixote a relação pai e filho é usada para se referir ao escritor e o livro criado por ele; o autor seria o pai do livro, embora Cervantes afirme ser não o pai, mas o padrasto de Dom Quixote.

A temática do olhar do amante sobre o objeto amado me é instigante demais. Tomo a liberdade de estender o amor tal qual está na analogia do prólogo de Cervantes, mencionando, assim, não o amor paternal, mas o amor carnal, o amor não ligado a parentesco, o amor de pessoas que se desejam sem ter entre si elos de família.

Esse amor, o carnal, faz com que o amante tenha uma venda nos olhos ao contemplar o ser amado ou faz com que o amante enxergue o ser amado em essência, muitas vezes enxergando nele, ser amado, coisas de que nem ele se dera conta? Nos olhos de quem ama, esse amor carnal põe venda ou clarividência? Aquele que ama embeleza o objeto amado. Mas embeleza por estar cego ou por ter sobre quem é amado um olhar que tem maior acuidade?

Amor maduro enxerga os defeitos do outro. Ao mesmo tempo, se maduro, sem exagerar as qualidades, embeleza quem é amado. Aquele que ama embeleza o objeto amado. É por isso que devemos amar: não só a fim de sermos em troca amados, mas para que tenhamos o poder de embelezar o outro. Quem embeleza o outro fica mais bonito. 

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