Chorei quando o Brasil perdeu para a Itália, na Copa de 82. Nasci em 1970. Eu tinha onze anos quando assisti aos três gols do Paolo Rossi. Na época, eu nada sabia de futebol. De qualquer modo, foi triste assistir àquela derrota. Terminada a partida, eu estava inconsolável.
Depois disso, cresci com a impressão de que eu nunca teria o privilégio de presenciar o Brasil ganhar uma Copa do Mundo. Quando veio o título em 94, vibrei muito. Depois, veio o de 2002. (Eu também pensava que nunca veria o Cruzeiro ser campeão brasileiro. Em 2003, eu estava no Mineirão quando da vitória sobre o Paysandu.)
Não sei o que um garoto que tem hoje onze anos vai pensar sobre o futebol quando tiver quarenta e três, idade que tenho agora. Repito-me: chorei em 82; tenho vívidas lembranças daquele time. A derrota deles foi bonita. À medida que fui crescendo, fui me inteirando das maracutaias no futebol. Fifa e CBF fizeram com que eu fosse me entusiasmando cada vez menos pela seleção.
Tanto foi assim que houve certa apatia tanto na derrota de 98 quanto na vitória de 2002. Neste 2014, no jogo de ontem, não houve apatia: fiquei pensando no fio histórico que levou à derrota no Mineirão. Todo mundo sabe que a seleção estava jogando mal; ainda assim, como estava avançando no torneio, ficava no torcedor a expectativa, ainda que pálida, por algum título.
O que ocorreu ontem é consequência do que a CBF causou ao futebol brasileiro. É a prova de que não há talento que resista à má gerência feita pela cartolagem. A derrota para a Alemanha não anula o talento que o jogador brasileiro tem. Todavia, sempre chega o momento em que não há espaço para o improviso. O esporte e a vida como um todo provam que o talento por si nada assegura.
Falar de Felipão ou de Fred é ser imediatista, mesmo tendo eles e outros sido ridículos. A seleção brasileira desta Copa é resultado da má condução do futebol brasileiro há décadas. Lembro-me de ter lido, salvo engano, em 2007, matéria numa revista em que fizeram breves perfis de brasileiros que se destacavam em suas áreas. Ricardo Teixeira era mencionado no texto da revista.
Já nessa época, a atuação de Teixeira na CBF era contestada. Segundo a revista, mesmo assim, Teixeira não poderia deixar de ser visto como um vitorioso, pois era comandante do futebol que tem cinco Copas na história.
O erro da matéria é que o futebol brasileiro é pentacampeão não por causa de gente como Ricardo Teixeira, mas apesar de gente como Ricardo Teixeira. O futebol brasileiro é pentacampeão não por causa de pessoas como João Havelange, mas apesar dele e dos acólitos dele.
Uma derrota como a do Mineirão evidencia o modelo doente da CBF, que tem a Rede Globo como parceira e divulgadora. A emissora, travestida de falso patriotismo, sempre esteve ao lado da entidade que manda no futebol brasileiro. A emissora é acrítica, asséptica, prejudicial. Globo e CBF têm como objetivo único o lucro. Uma das mercadorias de que se valem tem vinte e dois atletas em campo.
Episódio como o ocorrido em Belo Horizonte deveria servir para que o futebol brasileiro fosse reformulado. O vexame no Mineirão é a consequência, é o auge de desmandos vergonhosos, desonestos, estritamente financistas, sem planejamento. O futebol brasileiro poderia ser outro desde ontem. Mas a CBF não vai deixar. Nem a Globo.
É claro que não há como eu saber o que se passou pelas cabeças dos alemães quando já haviam construído a goleada. A impressão com que fiquei foi a de que, em nome de uma certa nobreza ou de um certo espírito esportivo, pegaram leve no segundo tempo. Reagiram com brilho tanto no campo quanto fora dele, durante as entrevistas.
Não sei como o futebol alemão é gerenciado. Do que sei, é que temos muito a aprender, não somente com os alemães, mas com aqueles que colocam em campo um futebol que é pensado muito antes de o árbitro soar o apito para que comece a partida. Algumas derrotas são vexaminosas. A de ontem, no Mineirão, foi. Vexaminosa e merecida.
Mauro Cezar Pereira, da ESPN Brasil, antes do jogo contra a Colômbia, escrevera que à parte o que a seleção brasileira alcançasse na Copa, o torneio já mostrava a derrota do futebol nacional. Sim, a derrota de ontem não foi a derrota de um time: ontem, toda a ganância, toda a desonestidade e todo o mau planejamento fracassaram.
Simon Kuper, do Financial Times, escreveu, antes do jogo de ontem, referindo-se ao astral do povo do Brasil, que “deveríamos engarrafar o sentimento brasileiro e reutilizá-lo na Copa da Rússia, em 2018, e no Qatar, em 2022”. Uma pena que a CBF e a Globo não estão dispostas a engarrafar um compromisso real com o futebol e trazer um comprometimento assim para cá.
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