Tornei-me um imbecil porque tenho perdido a capacidade de me
emocionar. O ápice disso foi no sábado, quatro de maio. Eu estava a poucos
passos de um artista que faz parte de minha vida desde a infância. Quando Paul
McCartney anunciou oficialmente o fim dos Beatles, em março de 1970, eu não
havia nascido ainda (eu nasceria em outubro daquele ano). Mas ele faz parte do lado musical da minha vida.
Ainda é nítido na lembrança eu pedir para meu pai colocar
uma das músicas da carreira solo de McCartney. Como eu não sabia falar o nome
dela, eu falava mais ou menos assim: “Pai, coloca aquela do ‘rô’, ‘rê’, ‘rô’”.
Sim, eu me referia a “Mrs. Vanderbilt”. Ela foi uma das faixas executadas no
show realizado por McCartney no Mineirão, em Belo Horizonte.
Também me lembro de um baile a que fui no Ponte de Terra, em
Carmo do Paranaíba, na segunda metade da década de 80. O Evandro Fontes, que na
época era locutor de rádio por lá, foi quem me convidara para a festa, que contaria
com show da banda de baile Phendas. Ao fazer a abertura do evento, o Evandro
disse que tocaria uma música; achei estranho, pois não havia nenhum instrumento
com ele. Foi quando então retirou uma gaita do paletó e tocou “Let it be”, que,
claro, também fez parte do repertório do show em BH.
Lembro-me também de ter escrito à mão, ainda adolescente,
várias letras dos Beatles em folhas de caderno. Dentre elas, “Get back”, que
McCartney também cantou no Mineirão... Quando ele cantou “Your mother should know”,
lembrei-me do Pedro Paulo Niffinegger Silva, um amigo que certa vez me disse
que gosta dessa canção.
Lembro-me de meu pai comentar comigo, enquanto ele me levava
de bicicleta a algum lugar, quantas vezes o “na na na... Hey, Jude” é repetido
na gravação original (ele disse que contara). Obviamente, a canção foi
executada durante o show.
Eu poderia escrever todo um texto sobre minhas várias
lembranças com o universo dos Beatles. Mas esta crônica é sobre minha
incapacidade de ter me emocionado durante o show de McCartney em BH. Eu deveria
ter pulado, gritado e chorado, exatamente tal qual fez a adolescente que estava
a meu lado, que cantou to-das as letras.
Para não dizer que passei incólume pelo show, fiquei
emocionado não devido a uma canção, mas quando ele disse pela primeira vez
“trem bão, sô” (ele voltaria a repetir a expressão posteriormente). Além da emoção que senti, foi engraçado olhar
para a cara que ele fez ao dizer a expressão, bem como escutá-la cheia de
sotaque.
É estranho: essa minha tola apatia esteve comigo mesmo antes
de eu entrar no Mineirão: não houve expectativa, eu não estava vibrante como
deveria estar. Terminado o espetáculo, saí sem compartilhar do óbvio entusiasmo
no ambiente. Se o show tivesse sido um fiasco, eu teria razão para a
indiferença.
Deixei o local preocupado com meu crescente embotamento, por
ser algo que vem se insinuando cada vez mais. Para os amigos que perguntaram,
acabei dizendo que gostei, para não cortar o barato nem ter de explicar por que
não gostei. Se eu tiver a oportunidade de conferir um show dos Rolling Stones,
coisa que eu sempre quis, que eu seja ou esteja menos tolo.
4 comentários:
O curioso, meu caro Lívio, é que o texto é bastante terno e emocionante, além de corajoso.
Abraço,
Ismael.
Legal, Ismael, obrigado. Eu não havia pensado na possibilidade de o texto ser terno nem corajoso. Mas se assim pareceu, menos mal.
Grato pelo comentário.
Abraço.
Esta boa crônica não deixou de me remeter ao conto "Desilusão", do Thomas Mann, embora, o que seja expresso aqui não seja extamente uma desilusão.
Grande abraço.
Bruna, não conheço o texto do Thomas Mann a que você fez referência; vou ler.
Sim, a crônica não é necessariamente uma desilusão. E se fosse, seria comigo mesmo.
Grande abraço.
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