segunda-feira, 6 de maio de 2013

POR QUE ME TORNEI UM IMBECIL

Tornei-me um imbecil porque tenho perdido a capacidade de me emocionar. O ápice disso foi no sábado, quatro de maio. Eu estava a poucos passos de um artista que faz parte de minha vida desde a infância. Quando Paul McCartney anunciou oficialmente o fim dos Beatles, em março de 1970, eu não havia nascido ainda (eu nasceria em outubro daquele ano). Mas ele faz parte do lado musical da minha vida.

Ainda é nítido na lembrança eu pedir para meu pai colocar uma das músicas da carreira solo de McCartney. Como eu não sabia falar o nome dela, eu falava mais ou menos assim: “Pai, coloca aquela do ‘rô’, ‘rê’, ‘rô’”. Sim, eu me referia a “Mrs. Vanderbilt”. Ela foi uma das faixas executadas no show realizado por McCartney no Mineirão, em Belo Horizonte.

Também me lembro de um baile a que fui no Ponte de Terra, em Carmo do Paranaíba, na segunda metade da década de 80. O Evandro Fontes, que na época era locutor de rádio por lá, foi quem me convidara para a festa, que contaria com show da banda de baile Phendas. Ao fazer a abertura do evento, o Evandro disse que tocaria uma música; achei estranho, pois não havia nenhum instrumento com ele. Foi quando então retirou uma gaita do paletó e tocou “Let it be”, que, claro, também fez parte do repertório do show em BH.

Lembro-me também de ter escrito à mão, ainda adolescente, várias letras dos Beatles em folhas de caderno. Dentre elas, “Get back”, que McCartney também cantou no Mineirão... Quando ele cantou “Your mother should know”, lembrei-me do Pedro Paulo Niffinegger Silva, um amigo que certa vez me disse que gosta dessa canção.

Lembro-me de meu pai comentar comigo, enquanto ele me levava de bicicleta a algum lugar, quantas vezes o “na na na... Hey, Jude” é repetido na gravação original (ele disse que contara). Obviamente, a canção foi executada durante o show.

Eu poderia escrever todo um texto sobre minhas várias lembranças com o universo dos Beatles. Mas esta crônica é sobre minha incapacidade de ter me emocionado durante o show de McCartney em BH. Eu deveria ter pulado, gritado e chorado, exatamente tal qual fez a adolescente que estava a meu lado, que cantou to-das as letras.

Para não dizer que passei incólume pelo show, fiquei emocionado não devido a uma canção, mas quando ele disse pela primeira vez “trem bão, sô” (ele voltaria a repetir a expressão posteriormente).  Além da emoção que senti, foi engraçado olhar para a cara que ele fez ao dizer a expressão, bem como escutá-la cheia de sotaque.

É estranho: essa minha tola apatia esteve comigo mesmo antes de eu entrar no Mineirão: não houve expectativa, eu não estava vibrante como deveria estar. Terminado o espetáculo, saí sem compartilhar do óbvio entusiasmo no ambiente. Se o show tivesse sido um fiasco, eu teria razão para a indiferença.

Deixei o local preocupado com meu crescente embotamento, por ser algo que vem se insinuando cada vez mais. Para os amigos que perguntaram, acabei dizendo que gostei, para não cortar o barato nem ter de explicar por que não gostei. Se eu tiver a oportunidade de conferir um show dos Rolling Stones, coisa que eu sempre quis, que eu seja ou esteja menos tolo.

4 comentários:

Anônimo disse...

O curioso, meu caro Lívio, é que o texto é bastante terno e emocionante, além de corajoso.
Abraço,
Ismael.

Lívio Soares de Medeiros disse...

Legal, Ismael, obrigado. Eu não havia pensado na possibilidade de o texto ser terno nem corajoso. Mas se assim pareceu, menos mal.

Grato pelo comentário.

Abraço.

Bruna Caixeta disse...

Esta boa crônica não deixou de me remeter ao conto "Desilusão", do Thomas Mann, embora, o que seja expresso aqui não seja extamente uma desilusão.

Grande abraço.

Lívio Soares de Medeiros disse...

Bruna, não conheço o texto do Thomas Mann a que você fez referência; vou ler.

Sim, a crônica não é necessariamente uma desilusão. E se fosse, seria comigo mesmo.

Grande abraço.