Sabe que é possível viver sem ela.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“o erro da ditadura foi torturar e não matar”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“eu sou favorável à tortura”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“eu acho que essa polícia militar do Brasil tinha que matar é mais”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“policial que não mata não é policial”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“o exército não matou ninguém”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“Ustra é um herói”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“eu sonego tudo o que for possível”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“espero que saia; infartada, com câncer, de qualquer jeito”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“só não te estupro porque você não merece”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“sou homofóbico, sim, com muito orgulho”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“prefiro ter um filho viciado do que um filho homossexual”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“é só uma gripezinha”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
se tratar de “histeria”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“não sou coveiro”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“e daí?”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“todo mundo morre um dia”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“vamos parar de divulgar números”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“invadam hospitais e filmem leitos vazios”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“hidroxicloroquina salva”.
Não lê poesia.
Se lesse, talvez dissesse
“é preciso tocar a vida”.
Ele não lê poesia.
Sabe que é possível matar sem ela.
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