Um internauta, a quem vou atribuir o nome de “X”, comentou recentemente, no Facebook, um texto que escrevi. (Vou chamar o internauta de “X” porque, para esta postagem, o que importa não é o nome que uma pessoa tem, mas o que se deu a partir do que escrevi.)
“X” afirmou que um texto escrito por mim estabelecia o que ele, “X”, chamou de paralelo entre um fato e o presidente da república ou um paralelo entre o fato e a suposta responsabilidade do presidente da república. Tenho as capturas de tela dos comentários do internauta e das minhas respostas a eles.
Não entendi bem o uso da palavra “paralelo”, por entender que um paralelo é feito entre uma coisa e outra(s). Mas o que importa é que “X” escreveu que, ainda que não tenha sido minha pretensão (“pretensão” foi o termo usado pelo internauta), eu teria afirmado em meu texto ou teria dado a entender em meu texto que há alguma ligação entre os 39 quilos de cocaína que estavam no avião da FAB e o presidente da república.
Antes de eu voltar à questão linguística: eu teria de ser muito burro ou muito irresponsável ou muito inconsequente se eu afirmasse haver alguma ligação entre a cocaína e o presidente. Que prova(s) tenho eu disso? Nenhuma. Em meu texto, que logo, logo será transcrito, afirmo que havia num avião da FAB 39 quilos de cocaína. Isso é fato. Em nenhuma parte de meu texto menciono seja o nome do presidente seja alguma expressão seja alguma palavra que a ele possa se referir.
Todavia, até agora, tenho somente afirmado que não escrevi o que “X” disse que escrevi. Para ser didático e para ser mais claro, transcrevo, a seguir, o que publiquei. Minha postagem, cujo título é “De grão em grão”, foi esta:
Trinta e nove quilos.
De cocaína.
Transportada por militar.
Em avião da FAB.
A poeira vai baixar.
O pó vai percorrer outros ares.
A única certeza:
“Ao pó tornarás”.
Ainda que o presidente estivesse a bordo do avião em que estava a cocaína e ainda que eu tivesse escrito, nessa hipótese, que o presidente estava a bordo, eu não estaria ligando o mandatário à droga, eu não estaria fazendo associação entre a droga e o político ou afirmando ser a droga do político. “X” afirma ter dado uma opinião sobre meu texto. Não, ele não deu opinião: ele distorceu minhas palavras.
Ele teria dado uma opinião se ele tivesse escrito algo do tipo “seu texto é ruim”, “seu texto é chato”. Coisas desse teor seriam opiniões, e mesmo opiniões sobre um texto deveriam ser embasadas nele. “X” não deu uma opinião, não adjetivou. A partir do momento em que ele afirma que fiz associação entre o presidente da república e a droga, ou “X” está sendo injusto ou está sendo mau leitor. O que ele fez não foi dar uma opinião, mas afirmar que escrevi o que não escrevi.
É nítido que tive a intenção de soar literário na postagem. Claro que pode-se ter a opinião de que a peça, feita para ser literária, é ruim. Contudo, embora o texto literário seja aberto a diversas interpretações, essas interpretações têm de partir é do texto. Se assim não for, o que há não é interpretação, mas palpite, opinião, afirmações sem fundamento, sem base, sem critério — a não ser os critérios subjetivos ou vagos que alguém possa ter. Vagueza e subjetividade não dão a ninguém o direito de afirmar que alguém escreveu algo sem que se prove, a partir do texto, que esse alguém escreveu esse algo; vagueza e subjetividade não são interpretação.
“X”, ao afirmar que é opinião dele haver em meu texto implicações entre a droga e o presidente, teria de mostrar, a partir de trechos do que escrevi, em que pontos estariam essas implicações. Ora, é muito fácil ler algo e simplesmente declarar seja o que for, sem apontar sequer uma palavra que justifique o argumento. Se assim for, posso ler qualquer coisa e afirmar que o autor disse qualquer coisa. É pouco inteligente e muito fácil afirmar que alguém escreveu algo sem que se demonstre, a partir do texto, essa afirmação.
Todo leitor leva para o texto do outro os vieses, as opiniões, as idiossincrasias, as vivências e, dependendo de quem seja a pessoa, os preconceitos desse leitor (não estou sugerindo que “X” seja preconceituoso). Isso é inevitável. Mas não se pode esquecer: o texto é do outro. Do ou-tro. Antes de se afirmar o que o outro declarou, é preciso o básico: o que o outro de fato declarou? Pode haver subentendidos no que o outro escreveu, pode haver ironias, pode haver sugestões? Claro que sim. Mas não há em meu texto a menor sugestão de que associei o presidente da república aos 39 quilos de cocaína que estavam no avião da FAB.
Todo leitor chega ao texto do outro com tudo o que ele, leitor, é. Todavia, isso não exime esse leitor da responsabilidade que ele deve ter ao atribuir ao outro palavras, ideias ou sugestões que podem não estar no texto do outro. Se isso for feito por se ignorar preceitos básicos de interpretação, há esperança, pois isso é o tipo da coisa que se resolve com um pouco de leitura e de senso, e aquela pode ajudar muito neste. Se isso for feito devido à má-fé, e acredito que não tenha sido esse o caso de “X”, então não tenho sugestões para que a falha seja superada. O que está em questão no comentário de “X” não é algo relativo a divergência política. Fosse isso, não haveria o que eu dizer, pois do mesmo modo que “X” tem o ponto de vista dele, tenho o meu. O que está em questão diz respeito ao modo e ao ato de ler.
Nunca comentei uma postagem de “X”. Elas não aparecem em minha linha do tempo. Numa única vez, visitei o perfil de “X”, que havia comentado numa postagem minha duvidar de pesquisas, sendo que bastaram alguns segundos dessa minha única visita ao perfil dele para me deparar com duas... pesquisas (tenho as capturas de tela).
Mesmo eu não sabendo o que “X” posta, se algum dia eu me decidir por comentar alguma coisa que ele escreveu ou que compartilhou (não sei se ele escreve textos próprios ou se somente compartilha conteúdos alheios), tomarei muito cuidado para não atribuir à postagem ou ao texto dele algo que nela ou nele não está. É o mínimo que devo fazer ao comentar o compartilhamento de alguém ou o trabalho de alguém.
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