Se você tem família, leia What’s eating Gilbert Grape, do escritor Peter Hedges. Salvo engano, o livro não tem edição em português, embora tenha se tornado um filmão, estrelado por Johnny Depp e por Leonardo DiCaprio.
O livro é a história da família Grape; quem a narra é um dos integrantes dela, o Gilbert Grape do título. Só sarcasmo e humor corrosivo para fazer com que ele consiga suportar o dia a dia da família, cujo núcleo central é composto por ele, por duas irmãs, por um irmão que tem problemas mentais e pela mãe deles, a qual nunca sai de casa por ser gorda demais; ela começou a engordar depois do suicídio do marido. Um casal de irmãos que não mora na casa aparece no decorrer do enredo por causa do aniversário de Arnie, o que tem problemas mentais.
Gilbert Grape não suporta somente a casa em que vive. Ele está cansado também de Endora (cujo nome é grafado pelo narrador algumas vezes como ENDora), a pequena cidade em que vive. Gilbert tem vinte e quatro anos; dos integrantes da família, é o mais próximo a Arnie. Somente uma ironia perversa que esconde as frustrações dele e dos demais faz com que o ambiente pareça suportável em meio à vida atribulada e cheia de incidentes o tempo todo.
Sempre há algo espezinhando, sempre há uma discussão, sempre algo dá errado. O cotidiano da família Gilbert cansa; tudo é muito barulhento, nunca há um acordo, uma trégua, um descanso, uma pausa, uma possibilidade de sintonia. A rotina deles asfixia; a atmosfera é pesada, sendo que o peso da mãe é um retrato literal da falta de leveza da família. Ao mesmo tempo, os personagens encarnam os dramas e os fracassos de qualquer família. Por isso mesmo, é incrível o quanto é fácil gostar deles. A escrita de Peter Hedges faz com que os compreendamos em sua humanidade frágil e estraçalhada.
Não é todo dia que se tem a chance de ler um livro como What’s Eating Gilbert Grape. É o tipo de obra que nos modifica, que nos torna maiores, melhores. Somos mais amplos depois de termos lido um grande livro. Ler algo como o que Peter Hedges escreveu é renascer. Hoje à tarde, quando li a última palavra da história, renasci.
Num trecho, o narrador comenta: “Espera-se que seja algo natural, subir as escadas. Não na família Grape — aqui, o simples se torna extraordinário”. De fato, essa coisa de o simples se tornar extraordinário permeia a história. No cotidiano deles, há muito de mágico, de alegórico. O trabalho de Hedges é um poderoso lembrete quanto ao que pode haver de extraordinário na leitura de um livro.
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