quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Bovary, Kariênina, Capitu

Madame Bovary é um livro da escola realista. É sobre uma mulher que se apaixona por outros homens enquanto é casada. Nada mais de acordo com o tema da escola realista do que isso. Num julgamento apressado e preconceituoso, seria fácil falar mal de Emma Bovary.

De antemão, é preciso ter em mente que as Madames Bovarys, as Annas Kariêninas e as Capitus não são prostitutas (Capitu, nem sabemos se ela teve de fato um romance com Escobar, pois Bentinho, mais uma criação genial de Machado de Assis, é um narrador não confiável). Prostituta é aquela que entrega o corpo por dinheiro, o que não é o caso nem de Emma Bovary nem de Anna Kariênina nem de Capitu. Num julgamento superficial e machista, seriam. Todavia, lembremo-nos, uma das características do realismo é justamente exibir a derrocada do casamento como instituição burguesa.

Emma Bovary não suporta o marido, que é o típico burguês. Ela é sonhadora, idealiza o amor, os amantes. Se, por um lado, pode-se dizer dela que foi ingênua, por outro, pode-se dizer de Charles, o marido dela, que ele é o responsável pela monotonia que é o casamento deles. E o narrador não perdoa: logo na primeira cena do livro, quando Charles está em uma sala de aula, ainda menino, o tom de zombaria do narrador em relação ao personagem já está presente. Charles é o típico marido burguês, que nada acrescenta à esposa, seja em que aspecto for; ela, por sua vez, quer o sonho, o aprendizado, a aventura, o amor, o sexo, ainda que os busque com ingenuidade.

Há quem veja na escola realista muito de machismo pelo fato de que as mulheres, com muita frequência, se dão mal. Não vejo isso como machismo. No realismo, as mulheres são vítimas das instituições da burguesia. O Borges escreveu que “o casamento é um destino pobre para uma mulher”, embora ele, no fim da vida, tenha se casado com uma.

Não é regra que o casamento seja um destino pobre para uma mulher. Hoje, ela, quando se casa, na maioria das vezes, está em busca não dos aspectos, digamos, burgueses do casamento, mas do amor, do sexo, da aventura consequente, querendo, ao mesmo tempo, sentir-se segura.

O chamado bom marido burguês pode se tornar muito desinteressante para a esposa ao longo do casamento. Ele é talhado para ser um bom burguês, o que não implica, na ótica feminina, ser necessariamente um bom marido.

Nesse sentido, o realismo persiste não somente como escola literária. Além do mais, hoje em dia, há caminhões de mulheres independentes, que têm o próprio dinheiro e que estão predispostas a aprender, sonhar, transar gostoso. Mas, com frequência, não é isso o que elas têm tido no casamento burguês, que continuará fazendo com que elas, não raro, sejam as vítimas.

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