Em texto que escrevi em 2013, mencionei o livro O andar do bêbado, escrito por Leonard Mlodinow. Nele, o autor discorre sobre a presença do acaso e do aleatório em nossas vidas. A tese do livro de Mlodinow é a de que não há como sabermos as causas do que leva uma pessoa a se dar bem ou a se dar mal.
Ontem, comecei a ler Ética e vergonha na cara!, livro de conversas entre Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho. Em determinado momento, Steve Jobs é citado por Clóvis de Barros Filho: “Queria lembrar Steve Jobs que, em um momento de sua autobiografia, diz algo mais ou menos assim: ‘Curioso, porque jamais poderia imaginar que as coisas que eu estava fazendo levariam a esse resultado a que cheguei. Hoje as pessoas julgam o que eu fiz em função do ponto a que cheguei, mas não houve da minha parte uma estratégia deliberativa orquestrada para chegar aonde cheguei. Porque aonde cheguei decorreu de um milhão de causas que até eu ignoro — causas psicológicas das pessoas que contratei, causas macroeconômicas que eu não podia controlar. E hoje as pessoas querem fazer de mim um guru por ter arquitetado as coisas de maneira que chegasse a esse resultado. Mas não sou causa dos resultados que eu mesmo colhi’”.
Os defensores da chamada meritocracia querem incutir naqueles que consideram perdedores a ideia de que são perdedores porque são preguiçosos, incompetentes ou imbecis, ao passo que eles, meritocratas, vencedores aos próprios olhos, são disciplinados, talentosos e inteligentes; exatamente por terem tais atributos, deram certo.
O meritocrata tem uma visão egoísta de si; com frequência, o egoísmo leva a uma visão distorcida da realidade. O defensor intransigente da meritocracia se considera o único responsável por ter atingido o que ele chama de sucesso. De modo análogo, para ele, aquele que ele considera perdedor é o único responsável pelo que o meritocrata chama de fracasso.
É impossível saber o que leva uma pessoa ao fracasso ou ao sucesso. Também por isso, as palestras motivacionais de empreendedorismo incorrem em erro quanto os palestrantes expõem fórmulas para se ter êxito, exibindo “cases” (palavrinha que eles adoram) de sucesso.
Teria sido muito fácil para um sujeito como o Steve Jobs se considerar o único responsável pelo sucesso que obteve. Contudo, ele teve a inteligência de perceber que não há como uma pessoa saber o que a levou à vitória — ou à derrota. Isso não nos livra de nossa responsabilidade em nossos fracassos nem anula nossa participação em nossos êxitos. Todavia, a partir daí, como querem os “sábios” da meritocracia, atribuir somente ao indivíduo a causa por seu sucesso ou por sua derrota é indício de ignorância ou de desonestidade intelectual.
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