Permitam-me falar da ingratidão. Em primeiro lugar, pela facilidade que há em ser ingrato. É mais fácil ser ingrato, mais confortável. Na ingratidão, não é preciso reconhecer o que o outro fez de bom nem é preciso reconhecer o que se possa ter feito de ruim.
A ingratidão pode implicar empáfia por parte de quem recebeu o bem, é típica de quem prefere apontar os erros do outro e esquecer as qualidades dele, em vez de admitir que recebeu o bem desse outro.
A ingratidão é vizinha da falta de justeza, pensa que sabe muito. A ingratidão é duplamente cega: tem a cegueira de quem não sabe olhar para si e de quem não sabe olhar para o outro. Se não é cega, tem pelo menos uma visão distorcida tanto de si quanto do outro. Ao olhar para si, não enxerga os defeitos que todos temos; ao olhar para o outro, enxerga somente os defeitos que todos temos.
Há dois tipos de ingratidão: a silenciosa e a barulhenta. Os ingratos barulhentos se valem das armas que os convencem, as quais podem ser gritos, missivas, ausências de delicadeza. Os ingratos barulhentos gritam porque não sabem entender nem as sutilezas do agradecimento nem as gradações da gentileza. Gritar é mais fácil do que olhar para si, ser ingrato é mais fácil do que reconhecer os acertos do outro.
É da natureza do ingrato apagar o bem que por ventura tenha recebido. Se não o apaga totalmente, apaga-o quase completamente. Para o ingrato, bom é quem está longe, não quem está no árduo dia a dia. Para o ingrato, a grama é sempre mais verde do outro lado da cerca. Ele ovaciona a miragem que lhe promete (apenas promete) água fresca, mas desdenha da fonte de conhecimento e de dedicação que jorrou ao lado dele o tempo todo.
O ingrato é leve porque é ignorante, porque não enxerga a riqueza do outro, porque simplesmente acha que não tem o que agradecer. Ele é leve porque sempre tem um pretexto. Não raro, chama esse pretexto de boa intenção. Ao se olhar no espelho, o ingrato não enxerga ingratidão.
Há profunda beleza em reconhecer que se é uma pessoa melhor graças ao outro, a despeito da imperfeição tanto de quem recebe quanto de quem oferta, não importa o que esteja sendo doado nem o que esteja sendo recebido. Mas os ingratos estão mais ocupados em apontar as imperfeições alheias e em ignorar as suas.
Ser grato é ser maduro o bastante não para ignorar as falhas do outro, mas para reconhecer que a doação desse outro pode ser maior do que os erros dele. A gratidão é bonita porque sabe reconhecer no outro o que ele tem de bom, sabe receber dele o que ele tem de bom. Felizes os que sabem agradecer.
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