Hoje, num calor de derreter pensamentos, uma família estava almoçando num restaurante: dois garotos loiros de olhos azuis, a mãe e o pai deles e uma senhora que me pareceu ser avó dos meninos (dava sinais de ser mãe da mãe deles). A diferença de idade entre as crianças era pequena. No máximo, de dois anos, embora eu presuma que um deles deve ter uns três anos; o outro, uns quatro.
Dos três adultos, a avó e a mãe almoçavam com civilizada voracidade. O pai estava mais envolvido com um celular; de vez em quando, ordenava ao garoto que estava à esquerda dele que se alimentasse. As duas crianças estavam mais envolvidas com “tablets” (cada uma delas portava um).
O garoto à esquerda do pai estava de costas para mim; eu podia enxergar a tela do “tablet” dele, depositado sobre a mesa, ao lado do prato de comida, com a ajuda de dispositivo que mantinha o equipamento em pé; as mãos do menino podiam, desse modo, ficar livres. Mesmo assim, ele se entretinha mais tocando a tela do que tentando manejar talheres. O outro menino, do outro lado da mesa, dividia, de modo mais ou menos igual, a atenção entre a comida e o “tablet”.
O pai, de tempos em tempos, admoestava o filho dele que estava de costas para mim. Eram ordens chochas, sem eficácia. O celular demandava mais a atenção do pai, também de olhos azuis. A mãe, morena e de cabelos castanhos claros, é quem parecia agir de modo mais afiado: “Se você não comer, vou desligar esse ‘tablet’ agora”. O garoto olhava para ela, pegava uns fios de macarrão e voltava a namorar a tela.
Assim o almoço deles prosseguia. Minutos depois, o pai se levantou e pediu à família que olhasse para ele, que estava pronto para, via celular, tirar uma foto dos comensais. A avó e a mãe logo se prontificaram. Os meninos, mergulhados nos dispositivos eletrônicos, pareciam nem ter percebido que o pai deixara a mesa. Ter a atenção do que estava ao lado da mãe foi mais fácil do que receber o olhar do outro filho.
O pai tentou uma vez: “Tiago, olha pra cá”. Tive a impressão de que a voz dele denunciava algum sotaque, mas isso poderia ser apenas impressão minha. A mãe e a avó instavam com o garoto para que olhasse na direção do celular. Como os pedidos eram infrutíferos, o pai, num tom de voz entre o solene e o grave, mandou com firmeza: “Tiago, look here now”.
Dessa vez, sem sotaque. O garoto olhou, o pai tirou a foto e voltou a se sentar. Antes de voltar a comer, mostrou a toda a família o registro que havia feito. Sorrisos de satisfação e cabeças fazendo sinal de positivo, exceto do garoto que estava à esquerda do pai; o menino olhou para a tela do celular, não sorriu e, incontinente, voltou a se concentrar no “tablet”.
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