É natural que sejamos influenciados pelas coisas com as quais convivemos. Quanto maior a convivência, maior a influência. Num certo sentido, tornamo-nos as pessoas ou as coisas com as quais convivemos. Passamos, por exemplo, a adotar uma palavra que é usada pela pessoa que amamos. Nesse sentido, tornamo-nos, também, os livros com os quais convivemos (essa ideia está, de modo literal, presente em “Fahrenheit 451”, do Ray Bradbury).
A caminho do cemitério, quando meu pai morreu, pela janela do carro, olhei para o mundo. Nada havia mudado: as pessoas continuavam com sua correria, os carros continuavam com suas buzinas. Foi quando me lembrei do poema “Funeral Blues”, do W.H. Auden. No texto, o eu lírico, lamentando a perda de uma pessoa querida, pede que o mundo dê uma pausa em sua continuidade.
Isso de querer que as coisas se importem conosco devido a uma dor que se tem está num trecho de “Ensaios de amor”, do Alain de Botton. Diz o narrador do livro: “Tal recusa de mudança era um lembrete de que o mundo era uma entidade independente que continuaria a funcionar estando eu apaixonado ou não, feliz ou infeliz, vivo ou morto. Eu não podia esperar que o mundo mudasse sua expressão de acordo com o meu humor, nem que os grandes blocos de pedras que formavam as ruas da cidade dessem a mínima para minha história de amor. Embora eles tivessem ficado felizes em acomodar minha felicidade, tinham coisas melhores a fazer do que caírem aos pedaços agora que Chloe tinha ido embora”.
A letra da canção “Virgem”, sucesso na voz da Marina Lima, diz: “As coisas não precisam de você”. Mesmo assim, talvez por um certo egoísmo ou por uma certa vaidade de que padecemos, parece-me inevitável querermos que o mundo reaja, seja como for, a fim de nos ajudar a suportar nossas dores. Ficamos a desejar que o mundo seja solidário conosco, ainda que estejamos, no fundo, cientes de que não há solidariedade, mas solidão.
Acima, mencionei o Auden. Encerrando esta postagem, compartilho linque que contém cena do filme “Quatro casamentos e um funeral” (1994), do diretor Mike Newell. Na sequência, o ator John Hannah, que interpreta Matthew, declama (legenda em português) a elegia “Funeral Blues”. As coisas não precisam de nós nem se importam com nosso destino. Diante disso, componhamos elegias ou canções.
Abaixo, com legenda em português, o texto do Auden, declamado no filme.
Lívio Soares de Medeiros
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W.H. Auden — Funeral Blues
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message “He is Dead”.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.
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