Ayaan Hirsi Ali nasceu na Somália, em 1969. De família muçulmana, seu destino já estava traçado: obedecer ao que prescreve o Corão, obedecer aos homens, casar-se com quem escolhessem para ela. Ainda menina, devido às tradições de que foi vítima, passou por clitorectomia.
Ela é autora do estupendo Infiel, publicado pela Companhia das Letras. Autobiográfica, a obra relata a vida de Ayaan Hirsi Ali desde a infância, num mundo arcaico e cheio de costumes anacrônicos, assolado por conflitos bélicos, até a fuga para a Europa, a carreira política na Holanda (foi deputada por lá) e o atual exílio nos Estados Unidos.
Infiel muda de tom quando Ayaan Hirsi Ali começa a falar de sua carreira política na Holanda. Se antes de contar sua incursão em trâmites políticos sua dolorida biografia era narrada sem questionamentos mais profundos, a partir do momento em que nos conta sua jornada política, a escritora não se furta a analisar temas controversos, como o islamismo que herdara; hoje, após anos de reflexão, Hirsi Ali se declara ateia.
Ela também conta o episódio em que um amigo dela foi assassinado depois de dirigir um curta-metragem cujo roteiro é de Ayaan Hirsi Ali. Submissão, o nome do curta, tem direção de Theo van Gogh, que seria assassinado por causa da feitura do vídeo. Hirsi Ali passou a receber ameaças de morte. O vídeo está no Youtube: bastar digitar o nome dela e a palavra “submission”.
A autora deixa claro: (...) “Nós, no Ocidente, fazemos mal em prolongar desnecessariamente a dor dessa transição [a transição para o mundo moderno], alçando culturas repletas de farisaísmo e ódio à mulher à estatura de respeitáveis estilos de vida alternativos”. Hirsi Ali desaprova a complacência ocidental para com um sistema “incompatível com os direitos humanos e os valores liberais”, nas palavras dela.
Infiel fez com que eu olhasse de um modo menos desconfiado para o Ocidente. Não que eu tenha passado a aprovar as crueldades desse Ocidente, seja no Oriente, seja na África, seja no próprio Ocidente. Entretanto, o livro fez com que eu reconhecesse de modo mais nítido conquistas “simples”, como a liberdade de me exprimir.
Ayaan Hirsi Ali escreveu um livro essencial. Também via Youtube é possível ter acessos a debates de que ela participou. Infiel é o retrato de uma mulher notável. Ela teve malária, pneumonia; teve a genitália mutilada, teve uma faca na garganta num assalto, teve o crânio fraturado por um professor de Alcorão. Reflete a autora: “Quantas moças nascidas no Hospital Digfeer, em Mogadíscio, em novembro de 1969, ainda estão vivas? E quantas têm voz, realmente?”. Ainda bem que Hirsi Ali lutou para achar a dela.
2 comentários:
Lívio,
Eu já havia relatado em nossas conversas, ser este um dos meus livros prediletos. É de fato uma obra extraordinária.
A Ayaan tem um desmedido talento para descrever e infundir sentimentos que instigam a vontade de ler de uma única vez a autobiografia.
É um livro que desperta a curiosidade e permite compreender um pouco melhor a cultura do Oriente.
Estou muito feliz com os seus comentários.
Olá, Hellen.
Sim, você já havia falado muito bem do livro para mim.
Também gostei do modo como ela narra a trajetória dela, ao mesmo tempo tão sofrida e tão vitoriosa. Hoje mesmo, via Youtube, assisti a um debate com ela. E vou encomendar em breve o livro "The caged virgin", que tem ensaios da autora.
Valeu mesmo pela indicação da leitura.
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