terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

TÁ RINDO DE QUÊ?

Robert Musil tem um saborosíssimo texto intitulado “Um cavalo sabe rir?”. Musil conta que um psicólogo dissera que “o animal não sabe rir nem sorrir”. Só que ele, Musil, conta que viu um cavalo rindo. O texto é um barato. 

Um trecho: “Ora, um cavalo tem por assim dizer, quatro axilas e, provavelmente, duas vezes mais cócegas que o homem, portanto. Além disso, esse parecia ter também um lugar particularmente sensível, no lado interno da coxa, e toda vez que o tocavam ali, não conseguia conter o riso” (tradução de Nicolino de Simone Neto).

A narradora de “Água viva”, da Clarice Lispector, diz: “Os animais não riem. Embora às vezes o cão ri. Além da boca arfante o sorriso se transmite por olhos tornados brilhantes e mais sensuais, enquanto o rabo abana em alegre perspectiva. Mas gato não ri nunca”.

O gato da narradora de “Água viva” até poderia ser o mesmo a inspirar a crônica “Ode ao gato”, do Artur da Távola: “Nada é mais incômodo para a arrogância humana que o silencioso bastar-se dos gatos. (...) O gato não satisfaz às necessidades doentias de amor. Só às saudáveis”.

Nunca vi um cavalo rindo. Nem um cachorro. Mas eu os concebo rindo. Em contrapartida, não consigo imaginar um gato rindo. Pode ser que ele não seja de rir, mas de sorrir (sorrir implica só o movimento facial; rir implica emissão de som). 

O gato é muito na dele. Parece muito indiferente às contingências humanas, bem como parece nem achar graça disso. Eu acho. Mas eu sou bicho homem. O bicho homem é dos que riem. Eu rio. Às vezes, suponho, como um cavalo. 

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